três por quatro

Eleições da Venezuela: cresce debate sobre quem será nome forte da oposição para enfrentar Maduro

Edmundo González Urrutia entrou na disputa para ocupar o lugar de María Corina Machado, impedida de se eleger

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Os indicadores econômicos dos últimos meses deram um "oxigênio" para o para o governo Maduro - Prensa Presidencial
Mesmo diante do desgaste do chavismo, Maduro sai vitorioso de processo de desestabilização

Em 28 de julho deste ano, as eleições presidenciais na Venezuela definirão quem vai liderar o país nos próximos seis anos. O podcast Três por Quatro desta semana, produzido pelo Brasil de Fato, convidou a jornalista e correspondente internacional do jornal russo RT, Michele de Mello, para fazer uma avaliação do cenário eleitoral do país.

O episódio contou também com a participação de João Pedro Stédile, economista, líder do MST e comentarista fixo do podcast, e de Lorenzo Santiago, correspondente do Brasil de Fato em Caracas.

Em oposição ao presidente Nicolás Maduro, que busca a reeleição, o partido venezuelano Plataforma Unitária Democrática (PUD) anunciou a candidatura do diplomata Edmundo González Urrutia, que concorre juntamente com outros onze proponentes da direita e da extrema direita.

Urrutia foi oficializado após o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela estender o prazo de registro de candidatos. Seu nome é o mais mencionado e o mais forte frente atual governante do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). O opositor assumiu abertamente sua postura de mero representante de seu campo político em virtude da impossibilidade de disputa por parte da líder do PUD, a ex-deputada María Corina Machado.

A PUD enfrentou desafios para validar um nome na disputa. María Corina Machado, foi impedida pela Justiça venezuelana de ocupar cargos públicos pelos próximos 15 anos, inviabilizando sua candidatura à presidência. Machado foi investigada por participar dos atos violentos conhecidos como "guarimbas" e também por corrupção, especialmente por seu apoio à autodeclaração de Juan Guaidó como presidente interino em 2019. 

Depois, a indicada para substituí-la, a professora e filósofa Corina Yoris, não conseguiu completar sua inscrição a tempo de concorrer ao pleito.

Michele de Mello traça um perfil da parlamentar ultraliberal, comparando-a a uma das personagens centrais do golpe de 2016 contra a ex-presidente Dilma Rousseff. "Maria Corina era uma espécie de Janaína Paschoal [...] mas não era uma figura legitimada pela própria oposição, pelo contrário, era alguém que as pessoas queriam que ficasse de longe [...]. Uma pessoa que não passava credibilidade, e não conseguia gerar um discurso de unidade dentro da oposição".

"Ela foi na inabilitada em 2015 justamente por ter sido uma das lideranças dessas manifestações [La Salida – movimento precursor das guarimbas, que vitimou dezenas de civis venezuelanos após as eleições de 2013] e ter convocado os EUA, ido a Washington, se reunido com autoridades estadunidenses, e solicitando o bloqueio contra a Venezuela", destaca Mello.

A candidatura de Nicolás Maduro e o modelo chavista de governo sofrem ataques da oposição. De um lado, o governo tem visto um crescimento cada vez maior das manifestações em apoio à reeleição de Maduro; de outro, a credibilidade das urnas são questionadas pelos grupos da extrema direita, que sugerem que as eleições são antidemocráticas.

Para João Pedro Stédile, as dificuldades atuais não são suficientemente relevantes. "Essa não será a disputa mais difícil para Maduro, principalmente em comparação ao pleito de 2018. Eu acho que o Maduro vai ganhar de braçada", afirmou.

Stédile relembra o movimento antidemocrático da extrema direita no país em 2018. "Havia muita mobilização da direita como aqui [...]. Quando ele foi tomar posse em fevereiro de 2019, a oposição radicalizada, muito parecido com o que ocorreu aqui [no Brasil], tentou impedir a posse. E não só isso, tentou invadir militarmente o país", destaca.

Michele de Mello ainda ressalta que mesmo diante do desgaste do chavismo, Maduro sai vitorioso desse processo de desestabilização iniciado em 2015. "Porque ele venceu o principal nome que foi constituído como seu opositor, que era o Juan Guaidó, o Leopoldo López, que também está na Espanha, e é um outra figura da oposição importante, e a Maria Corina Machado, que está aí apoiando um substituto que tem poucas possibilidades de ser eleito e agora [Maduro] conseguiu vencer o bloqueio de certa forma."

Desafios do Maduro

Lorenzo Santiago, correspondente do Brasil de Fato em Caracas, crê que embora haja uma tensão palpável entre a população, também se observa um sentimento de segurança devido ao crescimento socioeconômico registrado nos últimos meses.

"Por uma questão econômica o país está melhor, os indicadores econômicos estão melhores. A inflação baixou, e a perspectiva de crescimento do PIB é de pelo menos dois dígitos [...] as pessoas estão se sentindo melhores economicamente", evidencia Lorenzo.

Ele explica que o aumento do PIB e as projeções para o ano que vem têm sido parte da campanha de Maduro e que o aumento da circulação de dólar no país tem favorecido o governo, que enfrentou desafios devido às sanções norte-americanas. Por outro lado, a oposição argumenta que o aquecimento econômico é limitado apenas à capital.

"As sanções dos Estados Unidos minaram bastante a popularidade de Maduro. Os indicadores econômicos dos últimos cinco ou seis meses ajudaram e deram um oxigênio para o para o governo, que está batendo bastante na tecla da perspectiva de projeção do PIB para esse ano.[...] Temos estes dois lados. Por um lado o desgaste temporal, pelo impacto que as sanções tiveram na Venezuela durante muito tempo, e por outro, essa melhora dos indicadores econômicos recentes. Vamos ver qual discurso vai prevalecer nessas eleições", diz Santiago.

Para Michele de Mello, o principal desafio para equilibrar ainda mais a economia venezuelana é "desdolarizar o país". "Não foi algo necessariamente dirigido ou centralizado pelo Estado, uma decisão do Estado, 'camos dolarizar o país', como aconteceu por exemplo no Equador. Foi algo espontâneo, um pouco desgovernado, e que foi fruto justamente dessas medidas de bloqueio que aconteceram", conclui.

De acordo com João Pedro Stédile, cabe ao Brasil voltar a enxergar a Venezuela como uma nação coligada, buscando negócios que podem ser viáveis e lucrativos a ambos os países.

"Nós já chegamos a ter 15% do comércio venezuelano conosco,hoje a economia brasileira com eles pesa só 1%. As duas economias poderiam ter uma integração em benefício dos dois povos. Aqui eles falam mal do Bolsonaro e lá na Venezuela apoiam o bolsonarismo, visto que a Corina é o bolsonarismo da Venezuela, é a extrema direita", complementa.

Processo eleitoral e a participação popular

As eleições presidenciais ocorrem a cada seis anos. Além de registrar o voto em urna eletrônica, similar ao nosso método, a população venezuelana recebe uma confirmação do voto em formato impresso e o deposita em outra urna, caso seja necessária a recontagem dos votos. Isso é complementado pela identificação por biometria, também utilizada aqui.

Outra diferença significativa ao método eleitoral brasileiro, é que na Venezuela a votação e a definição do candidato eleito é realizada em turno único.

Stédile ressaltaque a população venezuelana é engajada e interessada nas decisões pertinentes ao futuro do país.

"Eles são [politicamente] ativos e o sistema eleitoral é muito seguro. Urna eletrônica, que ainda imprime [o voto] e tu bota numa outra para fazer teste,  ainda bota o dedão, e é tudo digitalizado. Então isso dá uma segurança para todo mundo que são eleições democráticas. E a turma participa mesmo", diz.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

Edição: Thalita Pires