ENTREVISTA EXCLUSIVA

'Sem pressão, governo nenhum vai atender os anseios populares', diz Alisson Poças, coordenador da Despejo Zero

A segunda maior cidade do Paraná tem sido um polo da campanha de luta pelo direito à moradia

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
"Com a articulação do Despejo Zero, fundamentalmente, queremos mexer nessa ferida e fazer com que as comunidades assumam o protagonismo" - Arquivo Pessoal

Um dos coordenadores da campanha Despejo Zero em Londrina, Alisson Poças é assistente social, comunicador popular e coordenador do Centro de Direitos Humanos de Londrina. A segunda maior cidade do Paraná tem sido um polo da campanha Despejo Zero, a partir da mobilização de 8 áreas de ocupação recentes, que resistem contra despejos e se organizam pelo desenvolvimento das comunidades.

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato Paraná, o militante aponta os problemas da desigualdade social expressa no urbanismo da cidade polo, que apresenta grande número de imóveis vazios, a ausência de políticas públicas municipais e a preocupação com áreas como a Flores do Campo, que está em risco de reintegração de posse

Confira abaixo a entrevista completa:

Brasil de Fato Paraná: Como vocês avaliam a experiência da campanha Despejo Zero no Paraná e, especificamente, em Londrina? Em que medida tem contribuído para o fortalecimento das comunidades?

Alisson Poças. Avaliamos positivamente a articulação do Despejo Zero em Londrina. A questão habitacional em nossa cidade é muito imperiosa.

Temos 55 mil pessoas/famílias na fila de espera pela moradia na Companhia de Habitação (Cohab). Um levantamento recente demonstra que temos cerca de 40 mil imóveis desocupados, a maioria servindo única e exclusivamente à especulação imobiliária.

Com a articulação do Despejo Zero, fundamentalmente, queremos mexer nessa ferida e fazer com que as comunidades assumam o protagonismo na busca de soluções de conflitos fundiários.

De acordo com informação de vocês, mais de 1500 famílias em 8 áreas vivem neste momento risco de despejo. Há alguma situação mais iminente ou alguma área com maior risco?

Em verdade, são quase 18 mil pessoas que vivem em áreas de ocupações urbanas consideradas “irregulares” em Londrina. A situação mais dramática, do meu ponto de vista, é a do “Flores do Campo”, em que as famílias ocuparam imóveis inacabados do antigo Programa Minha Casa Minha Vida.

Estima-se que 1500 pessoas vivam por lá e pelo menos 60% são migrantes e imigrantes. O terreno foi cedido pela prefeitura de Londrina ao governo federal para a construção das moradias. Com a ocupação dos imóveis ainda inacabados, muitos deles apresentam uma condição muito precária de habitabilidade, além da energia elétrica e água improvisadas e a falta da presença de rede de esgoto.

É um problema de difícil solução e que necessita do máximo de atenção dessa sociedade civil organizada. Sempre há um “burburinho” de retirada das famílias do local. Estamos atentos para que sejam respeitados todos os direitos humanos fundamentais dessa população.

Como tem sido a articulação com a sociedade em torno desta pauta da moradia?

Com a campanha Despejo Zero, temos a tarefa de envolver outros atores na pauta da moradia popular. Entendemos a pauta como transversal, pois garante dignidade às famílias e acesso às demais políticas públicas.

Para isso, necessitamos envolver outros atores, como os movimentos sociais, as igrejas, os sindicatos, as universidades (sobretudo as públicas) nesse processo de acompanhamento e solidariedade permanente com as famílias dessas ocupações.

Estamos em contato com a campanha Despejo Zero em nível estadual e nacional, com a Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e no Conselho Permanente de Direitos Humanos do Estado do Paraná.

Que apontamentos e possibilidades vocês vêm no atual período?

Precisamos entender que o campo da moradia popular foi “terra arrasada” nos desgovernos Temer e Bolsonaro. Entretanto, em nível local, a prefeitura se abstém de investir em habitações populares, focando exclusivamente nos programas do governo federal. O Fundo Municipal de Habitação em Londrina não tem um real sequer.

Já o governo estadual privilegia um modelo empresarial, com famílias que detém alguma capacidade de pagamento das parcelas (que não são populares), então fica claro que não há vontade política em solucionar o problema da moradia popular.

Há esperança de que o governo federal retome os programas de moradias subsidiadas, garantindo o acesso de quem não tem renda ou possui o mínimo para sobreviver. Mas, tem o lado da luta popular também, porque sem pressão, governo nenhum vai atender os anseios populares, por isso da importância da Campanha Despejo Zero, unindo campo e cidade na mesma batalha.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Mayala Fernandes