Migração

Brasil deve avançar na integração de refugiados, dizem especialistas

Segundo novos dados divulgados pelo Acnur, houve um aumento de 23,6% nas solicitações de refúgio no país no último ano

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Lançamento do relatório Tendências Globais, da Agência da ONU para Refugiados, em São Paulo
Lançamento do relatório Tendências Globais, da Agência da ONU para Refugiados, em São Paulo - Reprodução | Migramundo

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O número de solicitações de refúgio no Brasil chegou a 34.464, tendo crescido 23,6% entre 2015 e 2016. Para pesquisadores da questão migratória, entretanto, o país ainda tem um longo caminho para aumentar sua capacidade de acolhimento de refugiados.

Os dados foram disponibilizados pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare) do Ministério da Justiça e foram antecipados nessa segunda-feira (19) pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). O órgão disponibilizou o novo relatório Tendências Globais - Deslocamentos Forçados, atualizado anualmente às vésperas do Dia Mundial do Refugiado, celebrado neste 20 de junho.

Nos últimos anos, a quantidade de refugiados em todo o mundo vem crescendo drasticamente. O relatório apresentado pelo Acnur no ano passado, por exemplo, mostrou que o número superava o da 2ª Guerra Mundial, até então o maior fluxo de refugiados já contabilizado. De acordo com o relatório divulgado ontem, o número de refugiados e deslocados internos já chegou a 65,6 milhões, sendo que 55% dos refugiados no mundo provêm de três países: Síria, Afeganistão e Sudão do Sul.

Para Camila Asano, coordenadora de política externa da Conectas Direitos Humanos, o Brasil  precisa expandir sua capacidade de acolhimento, para garantir a integração dos 9.689 refugiados já reconhecidos no país e aumentar a possibilidade de apoio aos milhões de deslocados mundiais.

"Precisamos cada vez mais do compromisso dos países que se mostram com uma postura humanitária para acolher essas pessoas. Os números no Brasil são muito baixos, se comparados com a dimensão da crise de hoje e com a capacidade que o país tem, com dimensões continentais e uma tradição de acolhida. Então, poderíamos, sim, fazer muito mais, inclusive no número de acolhida e reassentamento de refugiados", afirmou.

Para Rosana Baeninger, Coordenadora do Observatório das Migrações em São Paulo e professora responsável pela cátedra de refugiados da Unicamp, é preciso compreender a posição geopolítica do Brasil no cenário internacional para garantir uma melhor acolhida das populações que chegam ao país.

"É importante notar que estamos recebendo migrações transnacionais, migrações sul-sul, porque os países do norte fecharam as portas para imigrantes. O Brasil, com uma legislação migratória ampla, possibilita a vinda dos imigrantes. Mas estamos colocando na mesma categoria de refugiados nacionalidades e grupos sociais muito distintos, e as políticas têm que estar atentas à composição dessas populações, em termos de gêneros, escolaridade e habilidades profissionais. Elas têm que entender essa heterogeneidade na composição dos fluxos migratórios", disse.

Nova Lei Migratória

Apesar de baixo quando comparado a outros países, o aumento no número de refugiados no Brasil têm trazido à tona discussões sobre a forma como acolhemos imigrantes de modo geral. A mais recente conquista na área, a  Lei 13.445/2017, conhecida como Nova Lei de Migração, foi sancionada no último dia 25 de maio, e pretende regular a situação dos imigrantes no país, substituindo o Estatuto do Estrangeiro. O documento, da época da ditadura militar, tratava os imigrantes exclusivamente em termos de segurança nacional.

Segundo Asano, a Nova Lei da Imigração, que entra em vigor 180 dias após sua promulgação, pode trazer grandes mudanças nesse sentido, mas ainda há um longo processo para que seus pontos sejam regulamentados de forma democrática. "Ela vai garantir um tratamento digno para essas pessoas e fazer com que possam se integrar mais rápido na sociedade. Então, foi um grande passo, mas é importante que sua regulamentação também siga o espírito de construção coletiva e participativa, para que os migrantes e a sociedade civil organizada possam participar do processo", disse.

Para a coordenadora de política externa, algumas ações recentes do governo golpista de Michel Temer inquietam quem trabalha na área. "Nos preocupa a forma com o governo Temer decidiu pelos vetos da Nova Lei de Migração, sem considerar a construção de consenso e pluripartidária que vinha acontecendo desde o início de sua tramitação", opinou.

Asano mencionou o veto ao artigo 118 da Nova Lei de Migração, que garantia a anistia aos imigrantes que já viviam no país e ainda não estavam regularizados. "Para virar a página e começar uma nova política migratória pautada nos direitos humanos e não mais na segurança nacional seria muito importante a manutenção desse artigo", disse.

Outro ponto destacado por ela foi o mecanismo que possibilita residência temporária para nacionais de países fronteiriços, regulamentado pelo Conselho Nacional de Imigração em março deste ano.

Camila considera a ação positiva, uma vez que os novos dados de refúgio divulgados mostram que a nacionalidade que mais solicitou refúgio no Brasil em 2016 foi a venezuelana, seguida pela cubana e angolana. Entretanto, ela conta que a taxa cobrada para essa regularização é muito alta e que boa parte dos imigrantes e refugiados não conseguiriam arcar com os custos.

"As medidas que o governo brasileiro vem tomando precisam ser acompanhadas de decisões factíveis, mesmo que exista mecanismos formais para garantir a residência, eles precisam ser efetivos. Garantir a isenção da taxa para imigrantes hipossuficientes seria uma postura humanitária por parte do Brasil", opinou.

Já Rosana Baeninger destaca que independente da legislação, o governo brasileiro precisa regulamentar a permanência dos refugiados e imigrantes no país. "O Estado brasileiro recebe e dá condição de refúgio, mas acaba delegando para instituições locais a acolhida e a permanência deles. Então precisamos avançar nesse quesito", pontuou.

Eventos

Rosana participou nesta terça-feira (20), do lançamento da Cátedra Sérgio Vieira de Melo na Unicamp, criada com apoio da Acnur com o objetivo de estimular o debate e a produção de conhecimentos sobre o tema dos refugiados. O evento, realizado no Museu da Imigração, em São Paulo, foi uma das muitas atividades realizadas neste Dia Mundial do Refugiado para discutir a questão do refúgio.

Além da divulgação do relatório "Tendências Globais" em diversas cidades, a Acnur organizou a mostra internacional de cinema "Olhares sobre o Refúgio", que passará por cinco capitais brasileiras até o final do mês. A programação completa da mostra pode ser acessada pelo site da Acnur e pelo evento MigrArte, no facebook.

Edição: Vanessa Martina Silva