Minas Gerais

Cultura da repetência

Artigo | Três pontos sobre a violência simbólica na educação

Avaliações, vestibulares e Enem são práticas excludentes, que avaliam o resultado final, mas as condições não são iguais

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Frei Vitor: "O aluno é considerado 'bom' 'desde que' se comporte, fique em silêncio, atinja notas altas e outros mais"
Frei Vitor: "O aluno é considerado 'bom' 'desde que' se comporte, fique em silêncio, atinja notas altas e outros mais" - Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O papel da escola dentro da sociedade é formar a pessoa humana. O humano não nasce pronto, necessita ser polido, formado e educado. Nas palavras de Miguel Arroyo: “A função da pedagogia e da educação, desde Sócrates, é acompanhar a formação do ser humano em sua totalidade”. O papel da escola abarca uma dimensão psicológica e social, e precisa promover saúde e bem-estar para o “florescimento” dos jovens.

É notório que o desenvolvimento educacional das minorias envolve obstáculos que aumentam a vulnerabilidade dos estudantes, resultando num mecanismo de produção amplo de violência simbólica nas escolas. Aponto três fatores para tal afirmação: o primeiro é o não papel das escolas na criação de espaços de problematização da realidade, o segundo é a visão homogênea e a terceira são as metodologias avaliativas como mecanismo excludentes.

O espectro é bastante amplo quando buscamos o papel da escola na vida dos educandos. A escola deve ter por prioridade a humanização desse sujeito para uma vivência autêntica e íntegra dentro de um todo, é polir o educando para ensiná-lo a ler o mundo e a si próprio. Ainda segundo Miguel Arroyo, “a educação não pode ser aprender coisas. A educação é o aprender sobre nós mesmos”. A escola não deve apenas visar o futuro, como observamos em muitos discursos, mas sim ater-se ao presente, pois só haverá um futuro digno se tivermos uma educação digna no presente.

No segundo ponto, tem-se uma visão homogeneizadora, ou seja, a pressuposição de que todos têm as mesmas oportunidades ou condições. Dessa visão provém a ideia de meritocracia, entendida como esforço pessoal, da qual derivam ações pedagógicas discriminadoras. Na ética da meritocracia não se olha as condições dos educandos, mas apenas o resultado final.

Para ilustrarmos a falácia dessa prática, vislumbremos a seguinte cena. Um professor, em meio a um campo selvagem, dita a seus alunos: “Para uma seleção justa, todos farão o mesmo exame: escalar aquela árvore”. A ironia está nas características dos alunos: um macaco, um pinguim, um elefante, um peixe, uma foca e um cão. Apenas um possui a condição necessária para a prova. É incontestável que a ideia de justiça está equivocada.

Nesse sentido, adentramos no terceiro ponto que é extensão da ideia de meritocracia, ou seja, as metodologias avaliativas como práticas advindas desse entendimento. Avaliações aplicadas em sala de aula, os vestibulares e até mesmo a avaliação mais supressora do Brasil, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), são todas práticas excludentes, que avaliam o resultado final do sujeito, porém, as condições não são iguais. Um educando em situação de risco concorre à mesma vaga, na universidade, que um educando que não se insere no campo de risco, por exemplo.

Outro ponto antiético é a reprovação de alunos, que segundo Arroyo é “a cultura da repetência”. Dados mostram que grande parte dos reprovados são jovens pobres e negros das periferias urbanas e do campo, que são os mesmos reprovados na sociedade ao longo de nossa formação socioeconômica, política e cultural. Essa é uma prática de segregação que determina o lugar desse sujeito na sociedade, pois muitos deixam de frequentar as escolas, culminando numa retirada do seu direito à educação.

Superar essa cultura é adentrar raízes profundas da nossa sociedade, é reconhecer que a educação ainda é excludente. Há uma lógica da educação jesuítica como método educativo em nossas escolas, ou seja, eles aceitaram educar os indígenas “desde que” se convertessem ao catolicismo, trabalhassem para seus interesses e aceitassem seus pressupostos. Hoje, o aluno que tem os determinados pressupostos para ser considerado um “bom” aluno “desde que” se comporte, fique em silêncio, atinja notas altas nas avaliações e outros mais.

Por outro lado, a tomada de consciência dessa deficiência origina alternativas a tais problemas. A título de exemplo, o projeto Educafro, um pré-vestibular comunitário, surgiu a partir do frade franciscano Frei David Raimundo dos Santos e tem como escopo a inserção de negros nas universidades. O projeto disseminou-se e expandiu-se tanto em território como em compreensão. Acolhe, hoje, não apenas negros, mas indígenas, imigrantes e pessoas em situação de risco.

O projeto passa a ser um movimento representante da luta dos movimentos negros e sociais que lutam por direitos iguais no viés das ações afirmativas. A Educafro, em outras palavras, assemelha-se assim a novos “Quilombos”.

*Frei Vitor Vinicios da Silva é graduando em filosofia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino.

 

Edição: Rafaella Dotta