Brumadinho

“A privatização do setor mineral foi um suicídio”, afirma deputado federal

Rogério Correa (PT) defende criação de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar a atuação da Vale

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Rogério Correa (PT) participa de visita à Brumadinho (MG) nesta sexta-feira (8) junto a uma comitiva de deputados federais
Rogério Correa (PT) participa de visita à Brumadinho (MG) nesta sexta-feira (8) junto a uma comitiva de deputados federais - Bruno Ferrari

Nesta sexta-feira (8), uma comitiva de deputados federais realizará uma visita a autoridades locais de Brumadinho (MG). A decisão foi tomada por uma comissão externa da Câmara Federal criada logo após o rompimento da barragem da Vale, ocorrido no dia 25 de janeiro.

Um dos integrantes, o deputado federal Rogério Correa (PT), ressalta a importância da visita, mas aponta as limitações da iniciativa. “A Comissão Externa vai para conversar com as autoridades. Eu já chamei a atenção deles de que antes de conversar com as autoridades deveriam abrir um diálogo com os atingidos”, explica.

Correa, antes de ser eleito deputado federal, cumpriu quatro mandatos como parlamentar na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. No último [2015-2019], atuou como relator da Comissão Extraordinária de Barragens da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que investigou o rompimento da barragem de Fundão.

Atualmente, na Câmara Federal em Brasília (DF), defende a instauração de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que reuniria Câmara e Senado na investigação do rompimento da barragem localizada na comunidade de Córrego do Feijão.

Além disso, defende o fim da Lei Kandir, que isenta as mineradoras do pagamento de Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços, e a paralisação imediata das barragens com reservatório à montante. “Nós temos em Minas Gerais 50 barragens à montante, que estão paralisadas, mas não são cuidadas. São bombas atômicas nas cabeças das pessoas”, alerta.

Confira a seguir a entrevista exclusiva concedida na última quinta-feira (7) à reportagem do Brasil de Fato:

Brasil de Fato: O senhor foi relator da Comissão Extraordinária de Barragens da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que investigou, entre 2015 e 2016, a situação das barragens em Minas Gerais. Entretanto, poucas propostas da comissão foram concretizadas. O que deu errado?

Rogério Correa: Foi uma experiência importante. Na época, a Assembleia optou por uma comissão ao invés de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. A comissão trabalhou oito meses, fez constatações importantes e encaminhou propostas concretas. A primeira conclusão é que a Samarco cometeu um crime. E a Samarco é a Vale e s BHP Billiton, que são as duas maiores mineradoras do mundo. Elas cometeram um crime, comprovado com e-mails nos quais aparecem conversas que demonstram que eles sabiam que a barragem ia romper. Mas eles priorizaram o lucro.  

Por isso, nós reforçamos o indiciamento de 22 pessoas, mas até agora ninguém foi punido. Pelo mesmo motivo que os projetos de lei não foram aprovados nem aqui e nem no Congresso Nacional: o lobby da Vale é muito forte. E também é forte no judiciário. Por isso, eles conseguiram paralisar até agora todo o procedimento do judiciário, dizendo que as provas foram adquiridas ilegalmente.

A Comissão propôs alguns projetos de lei. Quais eram seus conteúdos e porque não foram aprovados?

Nós apresentamos três projetos de lei. Um deles foi aprovado, que destina o recurso da taxa de mineração à Secretaria do Meio Ambiente, impedindo que seja destinado para o caixa único do Estado, como ocorria anteriormente. Esse dinheiro chegou a financiar, no governo Anastasia, a parceria público-privada do Mineirão, por exemplo. Outro projeto apresentado tratava da segurança das barragens e propunha a proibição das barragens à montante e rigidez maior na concessão de licenças.

É um projeto muito avançado em relação à legislação atual. Aprovamos ele em primeiro turno, mas não conseguimos aprovar no segundo turno, porque o lobby das mineradoras foi grande. Aí já havia um processo de esquecimento da população. E quanto mais tempo passa, mais tempo o lobby se sente à vontade para atuar. Esse foi o motivo para não conseguirmos aprovar. O mesmo ocorreu na Câmara Federal, como eu estou podendo comprovar a partir de agora. Vários projetos de lei que estavam lá não foram aprovados.

Além desses passivos deixados em relação ao rompimento da barragem de Fundão, outros problemas surgiram com o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). Qual é a estratégia para lidar com esse caso?

O ensinamento da barragem da Samarco é que agora nós temos que agir rápido. Nós já podemos dizer a Vale cometeu um crime em Brumadinho. Nenhuma barragem rompe dessa forma. Barragem à montante deixa marcas. Com esse caso de Brumadinho, o projeto anteriormente proposto pela Comissão Extraordinária na ALMG volta para votação em segundo turno.

O que tem que ser feito agora pelos deputados e deputadas aqui de Minas Gerais é fazer um substitutivo de proibição das barragens à montante, que dê mais segurança aos atingidos e ao meio ambiente. Se começar do zero de novo vai demorar muito tempo e o lobby vai agindo. Também já foi pedido uma Comissão Parlamentar de Inquérito aqui em Minas gerais, que eu acho fundamental.

Na Câmara Federal, eu estou tentando, junto com a bancada mineira e o Partido dos Trabalhadores, a realização de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Ou seja, Senado e Câmara atuando juntos. Lá já existem muitas iniciativas. Uma é a da Comissão Externa, que é importante mas não vai resolver. Também existe um pedido de CPI no Senado e outro na Câmara.

E nós estamos propondo essa CPMI, porque ela é bem mais forte e trata de assuntos de grande comoção nacional. O resultado dela, com Senado e Câmara juntos, serão projetos de leis e indiciamentos pedindo a punição aos culpados.

Na eleição de 2014, a Vale investiu quase R$ 80 milhões em campanhas políticas. O senhor acredita que isso tem relação com a dificuldade na aprovação de projetos que propõe o aumento da segurança nas barragens?

Com certeza, o lobby deles é muito forte. Eu não tenho dúvidas. Foi aprovado na nova lei eleitoral  a proibição do financiamento empresarial de campanhas, o que melhorou um pouco, mas não extinguiu o lobby.

Porque além do financiamento, eles fazem um lobby grande para a aprovação ou não aprovação de leis. Aqui mesmo, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nós recebemos vários recados que se os projetos referentes às barragens entrassem em pauta, nada mais seria votado.

Eles diziam claramente isso: ‘se esse projeto entrar em pauta, nós vamos barrar tudo aqui'. E lá na Câmara Federal com certeza é a mesma coisa.

Muitas organizações da sociedade civil apontam que uma das medidas que contribuiu para esse cenário da mineração foi o projeto de lei, de autoria do ex-governador Fernando Pimentel (PT), que flexibilizou o licenciamento ambiental em Minas Gerais. Qual a opinião do senhor sobre isso?

Essa lei não é para grandes investimentos, isso foi uma confusão. Houve, sim, uma facilitação de licenciamento até o limite do que era considerado pequenos projetos. Para os grandes projetos não houve alteração.

A barragem de Fundão e de Brumadinho são antigas. A Vale comprou a barragem de Córrego do Feijão da Ferteco em 2001 e há vários anos a barragem não recebia rejeitos. Mas vocês estão vendo agora que havia nascentes na parte da montante dela. Então, como eles não cuidaram, essa água estava indo pra dentro da barragem e, por isso, ocorreu a liquefação.

O que eles deveriam ter feito nesse tempo? Deveriam ter desativado a barragem, realizado a drenagem e entregado algo recuperado. Eles não fizeram isso porque é caro. Nós temos em Minas Gerais 50 barragens à montante, que estão paralisadas, mas não são cuidadas. São bombas atômicas nas cabeças das pessoas.  

O senhor considera que esses rompimentos estão ligados de alguma maneira à privatização?

A privatização do setor minerário foi um suicídio. Atualmente, nós não temos mais empresas que se preocupam estrategicamente com o país. O que a Vale quer? Exportar minério. Então ela coloca as barragens mais baratas, realiza o máximo de extração e vende. Não industrializa o país, só quer exportar. Trás de lá o aço e outros derivados do minério. O Brasil não se pensa estrategicamente. Também perdemos as ferrovias, que ficaram todas com a Vale e antes serviam ao transporte de passageiros e de grãos.

Além disso, a privatização deu um prêmio às mineradoras, que passaram a não pagar imposto de circulação de mercadorias, o ICMS, para os estados produtores de minério. Minas Gerais e Pará são os mais atingidos. No caso de Minas, hoje o estado está falido e muito dessa situação é a falta do recurso que deveria vir da mineração.

O que tem que fazer é terminar com essa tal de Lei Kandir, que permitiu que eles não pagassem ICMS. E eles estão tentando fazer com a Petrobras a mesma coisa que fizeram com a mineração. Eles já diminuíram sua capacidade de refino e a estatal agora está exportando óleo bruto, ao mesmo tempo que está importando gasolina. Ou seja, eles estão querendo tirar o papel estratégico da Petrobrás, que possibilitou, por exemplo, a descoberta do pré-sal.

Qual será a estratégia pra aprovar uma CPMI nesse congresso que é considerado um dos mais conservador da história do país?

Nós temos hoje uma comoção maior. É o segundo crime em menos de três anos. Morreram em torno de 400 pessoas. Nós temos que ser rápidos. Quanto mais rápidos formos, mais chance de aprovar essa CPMI. Nós já estamos recolhendo assinaturas para fazer uma audiência pública no plenário da Câmara, que será realizada com a participação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e outras organizações sociais para estar lá. Fazendo essa audiência pública, nós forçaremos a realização da CPMI.

E qual é a proposta da Comissão que visitará Brumadinho?

A Comissão Externa vai para conversar com as autoridades. Eu já chamei a atenção deles de que antes de conversar com as autoridades deveriam abrir um diálogo com os atingidos. Eu espero que os deputados percebam a necessidade de que além da Comissão Externa é necessário instituir a CPMI. E, para isso, nós precisaremos de muita pressão popular.

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira