Curitiba

Após deixar a prisão, Lula discursa para apoiadores em frente à PF em Curitiba

Justiça expediu alvará de soltura após STF derrubar, na quinta (7), a prisão de condenados em segunda instância

Brasil de Fato | São Paulo (SP) e Curitiba (PR) |

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Defesa pede agora o julgamento do habeas corpus que pede a suspeição de Sergio Moro e a anulação da sentença
Defesa pede agora o julgamento do habeas corpus que pede a suspeição de Sergio Moro e a anulação da sentença - Francisco Proner/Farpa Coletivo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi libertado nesta sexta-feira (8), após 580 dias de detenção na carceragem da Polícia Federal (PF), em Curitiba.

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A Justiça expediu alvará de soltura, atendendo pedido da defesa do ex-presidente motivado pela decisão do Supremo Tribunal Federal, que derrubou, na quinta-feira (7), a execução de pena após condenação em segunda instância

Lula foi recebido do lado de fora da PF por uma multidão de apoiadores e seguiu para a Vigília "Lula Livre", um acampamento militante montado nas proximidades da PF, que denuncia a prisão política do petista.

Um ato com a presença do petista está convocado para este sábado (9), em São Bernardo do Campo (SP).

A visita à Vigília é uma promessa de Lula. Todos os dias, desde sua prisão, os participantes davam gritos de bom dia, boa tarde e boa noite ao ex-presidente, que garante ter ouvido de dentro de sua cela. 

Pela lei, Lula já poderia ter entrado no regime semiaberto, mas havia recusado pedir a progressão de pena por entender que isso feriria sua dignidade. "Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade”, afirmou o ex-presidente na ocasião.

O foco da defesa do ex-presidente agora é que o Supremo julgue os habeas corpus que pedem a nulidade do processo do "triplex do Guarujá". Os pedidos dos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Martins, requerem a suspeição do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato, além de apontar "diversas irregularidades".

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Histórico

O ex-mandatário foi preso no dia 7 de abril de 2018, após ter a prisão decretada, pelo então juiz da Lava Jato, o atual ministro da Justiça, Sérgio Moro.

A ordem de detenção foi expedida após esgotamento dos recursos na segunda instância e, valendo-se do entendimento do STF -- revertido nesta quinta (7) -- que garantia a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância.

Antes de se apresentar às autoridades de Curitiba, o ex-presidente fez um discurso emocionado à militância petista e de movimentos populares de esquerda que cercou o local onde estava, o sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista

Lula prometeu resistir à injusta prisão e seguir lutando para provar sua inocência. "Não adianta tentarem evitar que eu ande por esse país, porque já existem milhões de Lulas, de Manuelas, de Boulos. Não adianta tentar acabar com as minhas ideias, elas já estão pairando no ar e não têm como prendê-las. Não adianta parar o meu sonho, porque quando isso acontecer, eu sonharei pela cabeça de vocês", discursou.

O mesmo Moro havia sido responsável pela condenação do petista na ação penal que ficou conhecida como "caso Triplex", aplicando uma pena de reclusão de nove anos e seis meses.

A decisão de Moro seria confirmada, em segunda instância, pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que ampliou a pena para 12 anos e um mês em regime fechado.

Condenação política

Em 20 de setembro de 2016, Sergio Moro aceitou uma denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal com base no processo n.º 5046512-94.2016.4.04.7000/PR. Munido de um relatório de 59 páginas entregue pela PF, o procurador Deltan Dallagnol afirmava que Lula cometeu os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro ao receber vantagens indevidas da empreiteira OAS.

Um apartamento triplex no edifício Solaris, no Guarujá, litoral paulista, teria sido reservado e reformado sob a orientação da família do ex-presidente. A denúncia também apontava que Lula havia incorrido em crimes ao aceitar que a OAS armazenasse seu acervo presidencial.

Conforme descrito pelo MPF, o Grupo OAS distribuiria benefícios ilegais a membros do PT de forma sistemática para garantir contratos com a Petrobras, como no Consórcio CONEST/RNEST, em obras da Refinaria do Nordeste Abreu e Lima (Ipojuca-PE), e no Consórcio CONPAR, em obras na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Araucária-PR). O total pago em propinas chegaria a R$ 87.624.971,26. Cerca de 1% seria destinado a agentes políticos do PT. Lula teria recebido R$ 3.738.738,00, valor equivalente à reserva e reforma do apartamento.

No dia em que apresentou a denúncia à imprensa, Dallagnol exibiu uma peça em PowerPoint em que descrevia Lula como “comandante máximo” e “maior beneficiário” dos esquemas de corrupção apurados pela Lava Jato.

A postura precipitada do chefe da força-tarefa foi motivo de repreensão por parte de Teori Zavascki, então ministro do STF: “A espetacularização do episódio não é compatível com o objeto da denúncia nem com a seriedade que se exige na apuração desses fatos”.

Setenta e três testemunhas — 27 de acusação e 46 de defesa — foram ouvidas em 23 audiências, e nenhuma delas afirmou que o apartamento pertencia formalmente a Lula. 

Moro conseguiu comprovar apenas uma visita do ex-presidente ao imóvel no Guarujá. Pesou contra Lula, no entanto, o depoimento de um co-réu: Léo Pinheiro, executivo da OAS. Condenado a 16 anos de prisão em agosto de 2015 por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, ele prestou uma série de esclarecimentos ao MPF entre março e junho de 2016.

Sempre que o assunto era o triplex do Guarujá, o empresário insistia que Lula era inocente. Na versão dele, a empreiteira tentara oferecer “agrados” ao ex-presidente para manter uma boa relação junto aos governos PT, mas não houve nenhuma contrapartida por parte de Lula, que sequer se interessou pela compra do imóvel que lhe foi oferecido.

Conforme reportagem do jornal Folha de S. Paulo, essa postura fez com que o MPF “travasse” os acordos de delação premiada da OAS. A mesma matéria afirma que a empreiteira tinha pressa de encaminhar um acordo de colaboração premiada para que Pinheiro tivesse a chance de reduzir sua pena em até dois terços.

Para isso, foi preciso alterar o conteúdo do depoimento e “encaixá-lo” na tese da acusação. Em 20 de abril de 2017, após quase um ano de insistência, o executivo da OAS afirmou a Sergio Moro que Lula era dono do triplex e que teria recebido o imóvel em troca de vantagens à empresa. O preço do imóvel e o custo das reformas teriam sido abatidos de uma “conta-corrente geral de propinas” administrada pelo Grupo OAS em parceria com agentes do PT.

Para justificar a falta de documentos que atribuíssem a propriedade do imóvel ao ex-presidente, a solução encontrada pelo empresário e seus advogados foi dizer que “as provas foram destruídas” a pedido do próprio Lula.

Embora a redução de pena tenha entrado em pauta após a divulgação desse depoimento, ele não foi homologado no contexto de uma colaboração premiada. A não homologação pressupõe que o executivo da OAS não precisou jurar a veracidade da informação nem apresentar provas documentais que sustentassem suas alegações.

A mesma corte que aumentou a pena de Lula decidiu pela redução do tempo de prisão de Léo Pinheiro: de 10 anos e oito meses em regime fechado para três anos e seis meses em regime semiaberto.

No texto em que condena Lula, Moro afirmou: “Embora não haja dúvida de que o registro da matrícula [do triplex] aponte que o imóvel permanece registrado em nome da OAS Empreendimentos S/A, empresa do Grupo OAS, isso não é suficiente para a solução do caso”.

A defesa do ex-presidente interpreta que o juiz de Curitiba modificou a acusação do MPF para poder imputar-lhe os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Como não foi provado que Lula tinha a propriedade do apartamento nem usufruiu da posse, o magistrado passou a trabalhar com a ideia de “atribuição” do imóvel, com base no depoimento de Léo Pinheiro.

“[Lula foi condenado] por crime estranho ao processo”, resumiu nas redes sociais Afrânio Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Quanto à acusação do MPF sobre corrupção e lavagem de dinheiro nas negociações para armazenamento do acervo presidencial, Moro absolveu Lula e os demais réus por falta de provas.

 

 

Edição: Rodrigo Chagas