Coluna

Com Bolsonaro, mais fácil a doméstica virar escrava do que ir à Disney

Imagem de perfil do Colunistaesd

Ouça o áudio:

escravas rio de janeiro século XIX
Brasil foi um dos últimos países do mundo a formalizar o fim da escravidão: 70% das trabalhadoras domésticas são mulheres negras - Gravura: Nicolas Eustache Maurin (1799-1850)/Biblioteca Nacional
O trabalho doméstico é uma das ocupações com remuneração mais baixa no mundo

Somos o país que mais tem empregadas domésticas no mundo: mais de seis milhões de mulheres, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Continua após publicidade

De cada 10 empregadas, sete são negras. De cada 10 empregadas, sete não têm registro em carteira. De cada 10 empregadas, seis não contribuem com a previdência. Mais de 150 mil são crianças ou adolescentes, a maioria do sexo feminino, inseridas na lista do que chamamos “piores formas de trabalho infantil”.

O trabalho doméstico é uma das ocupações com níveis de remuneração mais baixos no mundo.

Dentre os principais problemas enfrentados por essas profissionais, estão a informalidade, a discriminação de gênero, o racismo e as jornadas exaustivas, muitas vezes caracterizadas como trabalho escravo.

Além disso, as atividades não são apenas “na casa do patrão”. Recomeçam tão longo elas chegam em casa, em duplas e triplas jornadas.

Negras e escravas

Não é por acaso que o Brasil tem tanta empregada doméstica.

Três fatores são preponderantes: (1) a desigualdade, (2) a péssima qualidade da educação pública - que impede ascensão a melhores e mais rentáveis formas de trabalho – e (3) o racismo estrutural que empurra as jovens negras para relações laborais precárias.

O trabalho doméstico representa quase 7% dos empregos disponíveis no país.  Como fomos um dos últimos países do mundo a formalizar o fim da escravidão, os resquícios estão aí: 70% de mulheres negras na atividade de empregada doméstica.

Muitas trocam o trabalho por comida, muitas são menores trazidas do interior para trabalhar como escravas em casas e apartamentos.

O que se sabe, com certeza, é que elas não vão à Disney. Elas são muitas. Mas são, infelizmente, invisíveis aos olhos dos gestores das políticas públicas. Se invisíveis são, simbolicamente mortas estão.

São espectros a povoar as fantasias autocráticas dos donos do poder, principalmente do micropoder doméstico que as subjuga, muitas vezes, ao trabalho degradante.

O ministro Paulo Guedes reflete a doença que nos consome enquanto sociedade: é preciso mantê-las sob controle, pois são uma ameaça. Em primeiro lugar, porque são mulheres. Depois, porque são negras.

Além disso, se todas decidirem ir à Disney ao mesmo tempo, cai a casa. A Casa Grande entra em colapso. A Economia irá à bancarrota. Paulo Guedes não conseguirá implantar as “reformas”.

A culpa de tudo é das mulheres. A culpa sempre é das mulheres. Negras, de preferência. Estamos construindo uma sociedade doente e submissa aos sociopatas que ocupam o poder, amparados pelo sistema financeiro.

Precisamos reagir, enquanto há tempo. 

Edição: Rodrigo Chagas