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Ex-senadora revela esquemas de corrupção de três últimos governos colombianos

Aída Merlano foi detida na Venezuela depois de estar 4 meses foragida da justiça colombiana

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

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Ex-congressista afirma que corre risco de vida na Colômbia. - El Comercio

A ex-senadora colombiana pelo Partido Conservador, Aída Merlano revelou esquemas de compra de votos e relação com narcoparamilitarismo, que envolvem os três últimos governos da Colômbia e grandes empresários.

Presa na cidade de Zulia, capital do estado Maracaibo, norte da Venezuela, no dia 28 de janeiro, Merlano pediu proteção ao governo de Nicolás Maduro por afirmar ser perseguida pelo presidente Iván Duque.

“Antes de voltar, quero que a Colômbia saiba tudo. Peço que deem proteção, que protejam minha integridade, aqui encontrei paz. Não dormia, não falava. Não tenho medo da justiça, senão do governo colombiano, e que me matem”, afirmou durante seu depoimento, no dia 6 de fevereiro.

 

Aída Merlano, natural de Barranquilla, estava foragida da justiça colombiana desde outubro do ano passado. Foi detida pelas Forças de Ações Especiais da Venezuela (Faes) vestindo uma peruca loira, com documentos falsos e acompanhada de um cidadão colombiano, que não foi identificado. Por isso, foi acusada pelo Tribunal Supremo de Justiça venezuelano de usurpação de identidade e associação para delinquir.

O caso teve repercussão internacional, logo depois que o presidente colombiano Iván Duque solicitou ao deputado Juan Guaidó a extradição de Merlano, apesar de saber que ela havia sido capturada pelas autoridades legítimas venezuelanas.

Na ocasião, o presidente Maduro taxou a ação de “ridícula” e afirmou ter disposição para encontrar as vias legais para devolver a ex-congressista ao seu país e às autoridades competentes. “O governo colombiano não quer que ela seja extraditada, porque não começou o processo. As relações diplomáticas entre países vizinhos não devem ser regidas por ideologia”, afirmou o chefe de Estado.

Colômbia e Venezuela romperam relações diplomáticas em fevereiro de 2019, pouco antes do episódio na cidade fronteiriça de Cúcuta, com o show “Venezuela Live Aid” e a tentativa de entrada à força de caminhões com suposta ajuda humanitária no território venezuelano.

Na última sexta-feira (14), durante uma coletiva de imprensa, o chefe de Estado venezuelano voltou a anunciar que permitiria a vinda de autoridades colombianas à Venezuela, para que possam interrogar Merlano e dar procedimento ao processo judicial no seu país de origem.

A chanceler colombiana, Claudia Blum reiterou a posição de Duque e afirmou que o governo solicitaria à Interpol a extradição da ex-parlamentar.

Nove dias depois da captura, Merlano decidiu depor ante a justiça venezuelana. Foi quando o caso tomou outra dose de realismo fantástico.

Em 43 minutos de depoimento, Aída Merlano contou detalhes sobre a fuga da prisão, as semanas como foragida, além de sua vida pessoal e política. Afirmou ter sido abusada sexualmente durante sua adolescência e juventude pelo empresário Julio Gerlein Echeverría, com quem mais tarde manteve uma relação afetiva e foi apadrinhada politicamente.

Segundo suas declarações, a cadeira que ocupava no Congresso Nacional da Colômbia respondia aos interesses políticos e econômicos da família Gerlein.

Os Gerlein têm história no caribe colombiano. Sâo donos da construtora Valorcom, responsável por uma série de mega obras no país; criadores da zona franca de Barranquilla; membros do comitê olímpico internacional e presentes de maneira direta ou indireta no governo central colombiano desde a gestão de Belisário Betancourt, em 1982. Roberto Gerlein Echeverría, irmão de Julio, foi parlamentar por 48 anos e líder do partido Conservador Colombiano.

Boa parte da família chegou e se manteve no poder através da prática da “mermelada” – compra de votos. O próprio Roberto Gerlein confirmou, em uma entrevista concedida após as revelações de Merlano, que a prática ilegal é corriqueira.

Esse foi justamente o motivo da pena decretada a Aída Merlano em setembro de 2019. Segundo a acusação, a ex-senadora foi uma das protagonistas de um dos maiores casos de corrupção eleitoral no caribe colombiano, em 2018. De acordo com o Ministério Público da Colômbia, Julio Gerlein teria transferido cerca de 11 bilhões de dólares (cerca de 44 bilhões de reais) para o esquema de compra de votos de Merlano.

Durante seu depoimento no Palácio de Justiça da Venezuela, ela afirmou que a compra de votos, apesar de ilegal, é uma prática comum para 90% do congresso colombiano.

A denúncia é confirmada pelo  politólogo Álvaro Villarraga. "O Partido Conservador majoritariamente compra votos. Assim como o Partido Liberal, o Centro Democrático e todos esses setores tradicionais. Esse sistema de compra de votos têm uma relação violenta com esses setores mafiosos e pelas alianças com os paramilitares que dominam várias regiões”, afirma.

A história de Merlano e da sua família esteve vinculada à compra e venda de votos nas periferias de Barranquilla. No final da década de 1980 foi quando seu pai, Domingo "el Monchi" Merlano, começou a trabalhar na favela de Buenos Aires, em Barranquilla, para a família Gerlein, como mochileiro – pessoa responsável por comprar eleitores.

“Eles saem nos dias de eleição com milhões de pesos em bolsas gigantes. Isso não está em discussão na Colômbia. Isso é muito reconhecido na Colômbia, mas se mantém impune”, comenta Villaraga.

A ex-senadora ajudou seu pai nesse trabalho até 2008, quando foi apadrinhada pelos Gerlein e iniciou a carreira política como vereadora de Barranquilla.

Em seu depoimento, Merlano denunciou que o processo judicial e sua consequente detenção fizeram parte de um plano dos seus ex-padrinhos políticos pela sua decisão de abandonar o partido Conservador e os esquemas políticos em que estava envolvida.

Na última sexta-feira (8), vídeos de câmeras de segurança da sede do comitê eleitoral de Merlano confirmaram parte das denúncias da ex-senadora.

Na gravação, que data de 11 de março de 2018, é possível observar o momento em que policiais que estão vasculhando o recinto depositam um revólver calibre 32 em uma gaveta, além de certificados eleitorais - ambos foram usados como provas para acusar a ex-senadora de porte de armas e compra de votos.

Ao final da gravação, também é possível ver que outros policiais que vasculhavam o recinto vão diretamente nos lugares, onde as falsas evidências foram colocadas.

A sede de campanha era compartilhada entre Aída Merlano, do Partido Conservador, Lilibeth Llinas, do partido Cambio Radical. No entanto, somente Aída foi acusada e detida. Para a ex-congressista, sua companheira de campanha esteve impune porque é apoiada pela família Char.

Álvaro Villarraga, politólogo especializado em direitos humanos, assegura que existe nesses partidos conservadores da Colômbia,  um substrato do poder diretamente relacionado ao Cartel de Medellin, ao paramilitarismo e ao narcotráfico. "O Centro Democrático é o partido de Álvaro Uribe e existem muitos fatos que comprovam que ele e a sua família foram promotores do paramilitarismo e do narcoparamilitarismo. Sabe-se internacionalmente que o pai de Uribe proporcionava helicópteros e aviões com matrículas para que Pablo Escobar pudesse exportar cocaína. Sua família está intimamente vinculada com outras famílias mafiosas, os Villegas, os Ochoa, que são famílias latifundiárias e narcoparamilitares", afirma. 

Esquema criminoso

As revelações de Merlano não param por aí. A ex-senadora também assegurou que a sua fuga, em outubro de 2019, foi planejada e financiada por Julio Gerlein. A ex-senadora fugiu saltando de uma janela com uma corda, enquanto realizava um procedimento estético odontológico em um centro médico de Bogotá.

Merlano afirma que após a fuga foi levada a uma fazenda a 860 km da capital, na cidade de Valledupar, departamento de Cesar, onde foi abusada sexualmente pelos homens que a acompanhavam e descobriu que a intenção da família Gerlein era assassiná-la e simular sua fuga para uma ilha do caribe.

"Está mais do que claro que o que fizeram comigo foi uma montagem para me prender e me tirar do cenário político, para que os políticos tradicionais pudessem seguir seu trabalho. Eles sabiam que eu tinha provas contundentes para demonstrar a corrupção que segue impune no país”, afirmou em depoimento.

Foi quando, segundo ela,  começou a planejar sua vinda para a Venezuela. Depois de 15 dias conseguiu entrar ilegalmente no estado de Zulia, região caribenha venezuelana, onde viveu até ser detida pelas forças de segurança do Estado, no dia 28 de janeiro desse ano.

“O Partido Conservador, Partido Cambio Radical, o grupo Char, aliados ao uribismo, representado pelo Centro Democrático, são a coalizão do governo. O temor é que Aída Merlano denuncie, já que ela queria solicitar benefícios ao Ministério Público em troca de mais informação. E que entregue provas sobre pessoas que estão acima dela, como os Gerlein, os Char e suas alianças com o uribismo”, comenta Villarraga.

Sem saída

Após a fuga de Aída Merlano, sua filha Aída Victória Merlano, a dentista e o capitão do Instituto Nacional Penitenciário e Carcerário (Inpec) foram detidos como cúmplices. Todos foram liberados depois de algumas semanas, mas o Ministério Público da Colômbia ainda tenta incriminar a filha da ex-senadora no caso.

No dia 8 de fevereiro, dois dias após o depoimento de Aída Merlano na Venezuela, o Ministério Público reabriu o processo contra a filha da ex-parlamentar, reiterando que ela havia participado do plano de fuga.

Enquanto isso, a ex-senadora colombiana segue detida no edifício Helicoide, sede do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), em Caracas.

A bancada opositora ao governo Duque propôs a criação de uma comissão que deveria interrogar a ex-senadora, como parte do procedimento para a sua repatriação.

Um dia depois das suas declarações, a Corte Suprema da Colômbia solicitou ao Executivo que pedisse sua extradição, apoiando-se no Acordo Bolivariano, assinado em 1911, e que prevê a cooperação diplomática entre Colômbia, Venezuela, Peru e Equador. Até o momento, nenhum pedido oficial foi recebido pelas autoridades venezuelanas.

Edição: Leandro Melito