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“Que desenvolvimento é esse que traz morte?", questiona pescadora e líder quilombola

Eliete Paraguassu denuncia racismo ambiental e falta de ações preventivas na Ilha da Maré (BA)

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"O mar tem dono. Iemanjá para a gente é referência. O desenvolvimento humano está matando as pessoas, mas também nossos ancestrais” , aponta a pescadora e líder da comunidade Porto dos Cavalos - APP/Bahia
Eliete Paraguassu denuncia racismo ambiental e falta de ações preventivas na Ilha da Maré (BA)

“Eu venho deste lugar de mulher preta, de mulher que defende o território, filha de um pescador e de uma marisqueira, que sempre educou seus filhos com a atividade da pesca”, relata a pescadora Eliete Paraguassu, uma das muitas mulheres que estão na linha de frente da luta pela defesa dos manguezais e dos territórios pesqueiros na Ilha da Maré, que fica na região central da Baía de Todos os Santos.

A liderança quilombola da Comunidade Porto dos Cavalos, um dos cinco quilombos que existem dentro da Ilha, atua, desde a década de 1990, no combate ao racismo ambiental e pelo direito de seu povo de permanecer no território –  cercado por indústrias petroquímicas situadas no entorno, como o Complexo Industrial de Aratu (CIA), o Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec), e pelo Porto de Aratu-Candeias, onde circula 60% da carga marítima do Estado da Bahia.

“A população de Ilha da Maré é o sacrifício do desenvolvimento do Estado. A gente está falando de um povo que tem seus corpos como zona de sacrifício, mas também tem seus corpos como zona de amortecimento desse empreendimentos”, aponta a marisqueira. 

Nesta semana,  Paraguassu, que integra a Articulação Nacional das Pescadoras e o Movimento dos Pescadores Profissionais Artesanais, é a entrevistada do BdF Entrevista, quadro do Brasil de Fato que vai ao ar todas às sextas-feiras na rede TVT, às 20h. 

A gente está falando de um povo que tem seus corpos como zona de sacrifício.

Além da contaminação das águas, enfrentar a pandemia também tem sido um desafio para as comunidades quilombolas da Ilha da Maré, pois não há saneamento básico e acesso regular a serviços básicos de saúde. Em meio a esse cenário, a vinda de turistas para a localidade – como um refúgio para se esconder do vírus – é um movimento constante denunciado por Paraguassu.

“A gente precisa de uma barreira sanitária. Não tem condições do turista entrar no nosso território. Como que o poder público não tem condição de dar uma atenção básica de saúde adequada, mas também não impede que a pandemia chegue nesse território. Os hospitais de Salvador estão cheios. É uma tragédia anunciada a chegada desse vírus no nosso território”, alerta a liderança quilombola.

De acordo com a marisqueira, a Prefeitura de Salvador não realizou ações informativas sobre prevenção à covid-19, nem distribuiu máscaras, álcool em gel, ou produtos de limpeza.

“Estamos muito assustados, porque essas pessoas que têm asma, e que tem câncer, e tem quem tenha pernas amputadas porque é diabética São pessoas que estão em extrema vulnerabilidade”, argumenta. 

Segundo levantamento da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a falta de orientação quanto a medidas de prevenção a doença se repete em outras comunidades quilombolas pelo Brasil. Isso porque órgãos que deveriam atender os territórios, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), tem na linha de frente apoiadores do agronegócio contrários a titulação de terras.  

Com o isolamento social, o cenário da Ilha da Maré é marcado por prejuízos e o agravamento da fome. A pesca artesanal, protagonizada por mulheres, não tem gerado qualquer tipo de renda, situação que já vinha comprometida desde o vazamento de óleo em 180 praias do litoral nordestino no ano passado. 

“Toda essa cadeia alimentar produtiva ela está ameaçada há anos. E ela tem milhares e milhares de famílias. Eu não sei o que o seria do Brasil sem as comunidades pesqueiras tradicionais. Não seria esse Brasil, não seria essa diversidade. Todo o brasil ele é pescador”, opina a trabalhadora, que também relata dificuldades na comunidade para o acesso ao auxílio emergencial.

Eu não sei o que o seria do Brasil sem as comunidades pesqueiras tradicionais. Não seria esse Brasil, não seria essa diversidade

“A gente tem vivenciado a 520 anos esse racismo, essa negação de direitos, e nesse momento de pandemia não é diferente. porque é um momento de vida e de morte, não é momento de fazer política. Vai morrer muita gente e essas pessoas para a gente importa”, desabafa.

Edição: Rodrigo Chagas