Pesquisa

Estudo mostra que 102 pessoas diferentes trouxeram o coronavírus ao Brasil

Entrada do vírus no país se deu antes das medidas de isolamento social, principalmente durante o carnaval

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Brasileiros voltam às ruas, mesmo com avanço do coronavírus - Bruno Kelli/ Amazonia Real/ Fotos Públicas

O novo coronavírus chegou ao Brasil por meio de 102 pessoas distintas, antes das medidas de contenção e de isolamento social, durante o carnaval, principalmente por intermédio de pessoas que estavam vindo da Europa e dos Estados Unidos. As regiões com maior incidência de introduções foram aquelas que mais recebem vôos internacionais: São Paulo, Minas Gerais, Ceará e Rio de Janeiro.

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A descoberta é do estudo Evolution And Epidemic Spread of SARS-CoV-2 in Brazil (Evolução e disseminação epidêmica da SARS-CoV-2 no Brasil, em tradução livre), realizado por 15 instituições de ensino brasileiras, como a Unicamp, e britânicas, publicado, no dia 23 de julho, na revista Science – um dos periódicos científicos mais prestigiados do mundo.

Segundo Mariene Amorim, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular e integrante da equipe do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (LEVE) da Unicamp que participou do estudo o volume indica que o vírus não chegou somente por São Paulo ou Rio de Janeiro. “Foram mais de 100 pessoas [contaminadas] chegando no Brasil entre final de fevereiro começo de março”, afirma a pesquisadora. 

Além disso, o estudo também conseguiu mapear 66 genomas, totalizando 427 genomas do novo coronavírus mapeados no Brasil. A partir do sequenciamento registrado, é possível observar como o vírus se multiplica a partir de quais proteínas produz. 

“Assim como nós, eles também têm material genético, que é o código que vai ditar quais proteínas as células vão produzir. Só que no caso do novo coronavírus, eles tem só RNA [sem DNA], que é só um tipo de material genético. E sequenciar isso significa saber a codificação, o que ele codifica. A partir do genoma a gente consegue saber quais proteínas o vírus codifica”, afirma Amorim.

A partir do mapeamento dos genomas e da identificação das formas como vírus entrou no Brasil, a pesquisa também conseguiu que observar a evolução e a disseminação de três grandes linhagens do novo coronavírus.

“A gente conseguiu ver que existem linhagens diferentes circulando. Então, por exemplo, a partir do coronavírus da China, da Ásia, foram observadas duas linhagens: A e B. E a gente viu que no Brasil as linhagens sequenciadas eram oriundas da linhagem B, e dentro desse grupo a gente conseguiu ver que ainda houveram algumas variações.” Segundo Amorim, o vírus contínua sendo o mesmo, SARS-CoV-2. O que muda são as linhagens. 

Não foram identificadas diferentes linhagens com diferentes formas da doença. Não se sabe, por exemplo, se pessoas que tiveram a doença em um nível mais grave contraíram um vírus de uma linhagem específica. As respostas para tais perguntas ainda estão em estudo. “O que a gente sabe é que ele sofre mutação de uma maneira lenta.”

Outra observação apontada pela pesquisa é a diminuição da velocidade de transmissão após a adoção das medidas de isolamento, como fechamento das escolas e do comércio, no final de março, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro. Inicialmente, uma pessoa transmitia o vírus para outras três, ou seja, taxa 3. Com as medidas, essa taxa caiu para 1 e 1,6. 

No entanto, só o distanciamento social não foi o suficiente, “porque teve uma diminuição, mas continuou se espalhando, saindo dos grandes centros urbanos para cidades ao redor e para outros estados”. Isso significa que as medidas certas foram adotadas tardiamente. 

Cooperação entre instituições

O estudo começou a partir de uma atividade do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), financiada com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Envolveram-se as seguintes universidades: Universidade de Oxford; Unicamp, Universidade de São Paulo (USP); Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Fundação Getúlio Vargas (FGV); Universidade Federal de Uberlândia (UFU); Universidade Federal de Roraima (UFRR); Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).

De Campinas e região, Mariene Amorim também destaca a participação Laboratório da Patologia Clínica e Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Hospital de Clínicas, profissionais do Centro de Saúde da Comunidade (Cecom) e profissionais do Hospital de Sumaré.

Além de Amorim, também participaram da Unicamp: o coordenador José Luiz Módena; Marcia Garcia; Maria Luiza Moretti; Maurício Perroud Jr.; Terezinha Castiñeiras; Camila Simeoni; Julia Forato; Andrei Sposito; Angélica Schreiber; Magnum Santos e Patricia Leme.

“Se não tivesse existido essa cooperação entre todas essas pessoas não teria existido o estudo. Isso mostra que o Brasil, não só Unicamp, as universidades do Brasil inteiro conseguem fazer parceiras e ciência de qualidade, no meio da pandemia”, conclui Amorim.

Edição: Rodrigo Durão Coelho