MILÍCIA RURAL?

Nova ofensiva do 'Invasão Zero' contra o Abril Vermelho pode ser crime e exige resposta federal imediata, diz MPF

Grupo investigado por execução de líder indígena promete confrontar Jornada Nacional de Luta pela Terra do MST

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |

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Maria de Fátima Muniz de Andrade, a Nega Pataxó, foi morta durante ação do "Invasão Zero" em janeiro de 2024 - Comunicação - Teia dos Povos

A nova ofensiva do "Invasão Zero", grupo investigado pela Polícia Federal (PF) por atuar como milícia rural no assassinato de uma líder indígena, aumenta o risco de conflitos no campo no país e pode ser caracterizada como criminosa. Essa é visão da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF)

"Estamos bem preocupados com essa mobilização [do Invasão Zero]. Esse tipo de atuação muitas vezes pode se caracterizar como crime, seja pela organização de milícias rurais, de organizações criminosas, seja pelas ações que são praticadas", disse ao Brasil de Fato o procurador do MPF, Julio Araújo

Abril é o mês em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) organiza anualmente a Jornada Nacional de Luta pela Terra, que ficou conhecida como "Abril Vermelho", quando são intensificadas as ocupações de áreas aptas a reforma agrária. Como resposta, o "Invasão Zero" anunciou o "Abril Amarelo", que traz uma guia para a ação de fazendeiros e ruralistas. 

As cartilha do "Abril Amarelo" divulgada nacionalmente pelo "Invasão Zero" diz que "se houver acampamento de invasores, o proprietário da terra, os produtores vizinhos e amigos devem montar acampamento permanente para tentar evitar a invasão".

"Essa escalada de proprietários rurais merece uma atuação coordenada das autoridades, já que há um braço político, econômico e criminoso dessa entidade que precisa de respostas articuladas, nacionais, federalizadas, principalmente por ataques a assentamentos, territórios indígenas e a outras comunidades tradicionais", acrescentou o procurador federal.

Ação parecida resultou na morte de Nega Pataxó

Uma investida do "Invasão Zero" com o mesmo modus operandi descrito na cartilha do grupo ruralista resultou na morte de Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó, líder espiritual do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, enquanto indígenas tentavam retomar uma fazenda considerada por eles como território ancestral, no município de Potiraguá (BA) em 21 de janeiro deste ano, 

Durante a ação, Nailton Muniz Pataxó, irmão de Maria de Fátima, foi baleado, e se recupera até hoje. Dezenas de indígenas foram espancados, perseguidos e foram alvo de tiros disparados por fazendeiros com o apoio de policiais militares, contaram testemunhas. 

"Minha irmã sentada junto de mim, com a mão na barriga, falou 'meu fogo está curto. Não estou conseguindo respirar. Eu sei que eu não vou resistir'. Foram as últimas palavras que ela deu", contou Nailton, na cama do hospital, em entrevistada veiculada no Brasil de Fato


Cacique Nailton e Nega Pataxó caídos após serem baleados durante ação do "Invasão Zero" / Foto: Povo Pataxó Hã Hã Hãe

A perícia comprovou que o tiro fatal partiu da arma do filho de um fazendeiro, de 19 anos, que foi detido em flagrante no local. Um policial militar aposentado também foi preso em meio ao conflito.

"Assiste-se hoje no Brasil a organizações paramilitares que tem contado com parcela do aparato estatal para perseguir movimentos sociais, trabalhadores rurais, povos indígenas e comunidades quilombolas. O caso de Nega Pataxó, assassinada em janeiro na Bahia, é o mais emblemático", afirmou o MPF em ofício enviado à PM do Rio de Janeiro, em que contesta a atuação policial contra áreas ocupadas pelo MST. 

Organização de povos tradicionais pede punição 

Quase três meses após o assassinato de Nega Pataxó, o grupo Teia dos Povos, um coletivo baiano de populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas, denunciou "impunidade" por causa da demora na conclusão das investigações. 

"Questionamos a ausência de respostas concretas sobre o caso, bem como chamamos atenção para a ineficácia do Estado em punir os responsáveis diretos e indiretos pelo crime", declarou a Teia dos Povos. 

O comunicado ressalta que o grupo ruralista, que nasceu na Bahia, conta com apoio de parlamentares nos legislativos estaduais e no Congresso, além de subgrupos regionais em pelo menos nove estados. Enquanto isso, líderes indígenas envolvidos em ocupações continuam ameaçados de morte, afirma o coletivo. 

"[O Invasão Zero] continua operando livremente, cooptando novos adeptos e formatando um grupo paramilitar que promete, à revelia da lei, evitar o que chamam de "invasões" - ou seja, atacar povos que ocupam territórios tradicionais", prossegue a Teia dos Povos. 

Jornada de Luta do MST começou de forma pacífica na Bahia

Na Bahia, o "Abril Vermelho" do MST começou com a Marcha Estadual pela Reforma Agrária. A passeata iniciada na última terça-feira (9)  reune 3 mil trabalhadores rurais e percorrerá 110 km entre os municípios baianos de Feira de Santana e Salvador, onde deve terminar no dia 17 de abril. 

Durante o percurso, o MST afirma que os trabalhadores e trabalhadoras promoverão diálogo com a população das cidades sobre a necessidade e importância da reforma agrária do país. Também estão previstas ações de solidariedade, plantio de árvores e a denúncia contra a violência no campo. 

Outro lado

Em nota, Luiz Uaquim, coordenador do Invasão Zero, disse que o Abril Amarelo é um "movimento de conscientização da importância da defesa da propriedade privada". 

"Manifestações desta natureza, quando organizadas dentro das regras do ordenamento jurídico vigente - algo que garantimos que acontecerá - também integram a jurisprudência  assentada nos tribunais superiores como ações legais dentro da liberdade de pensamento e expressão", expressou.

Ele também negou que o Abril Amarelo seja uma resposta ao Abril Vermelho. "Não existe e nunca existiu contra o Abril Vermelho, mas contra as invasões ilegais. Até mesmo porque o Abril Vermelho não é uma invasão e sim uma manifestação".

Edição: Matheus Alves de Almeida