AUXÍLIOS

Venezuela aumenta renda e gasta mais para equilibrar economia, dizem analistas

Governo subiu auxílios e cria lei para que empresas contribuam com fundo de pensões

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
A inflação mensal de abril no país ficou em 2%, menor taxa em 12 anos para o mês - CRISTIAN HERNANDEZ / AFP

O governo da Venezuela anunciou em 1º de maio um aumento nos auxílios dos trabalhadores venezuelanos para US$ 130 (R$ 660), medida que terá impactos diretos na economia do país.

Mesmo com a redução na inflação e a perspectiva de crescimento econômico para o ano, o governo estava com dificuldade de conseguir aquecer o consumo e manter o padrão de vida dos venezuelanos, segundo analistas. No 1º de maio, o anúncio de duas medidas tiveram como foco manter o poder de compra da sociedade venezuelana e melhorar a condição de vida dos aposentados.

A primeira delas foi o aumento nos auxílios. Agora em US$ 130 dólares (R$ 660 na cotação atual), os trabalhadores receberão US$ 40 dólares (R$ 203) para alimentação e US$ 90 dólares (aproximadamente R$ 457) para gastos gerais, chamado de Bônus de Guerra Econômica. Para o pesquisador do Instituto Venezuelano de Investigações Científicas Eder Peña, o reajuste nos chamados “bônus” terão impacto direto no bolso do venezuelano.

“Com a 'guerra econômica' que a Venezuela enfrenta, os trabalhadores estavam perdendo poder de compra rápido devido à inflação e a redução de investimentos. A renda maior vai ter implicações na capacidade de compra dos trabalhadores. As rendas maiores expandem o consumo para as famílias de classe média e baixa, porque permitem que as pessoas possam comprar não só alimentos, mas bens com valor agregado também”, disse ao Brasil de Fato.

Uma das críticas da oposição e de parte dos trabalhadores é a escolha do governo por aumentar os auxílios e não o salário mínimo. Hoje, o valor do piso salarial está em 130 bolívares - menos de US$ 4 dólares na cotação. De acordo com o pesquisador, as sanções impostas pelos Estados Unidos limitaram os gastos do Estado venezuelano pela falta de entrada de dólares na Venezuela a partir do bloqueio, principalmente, ao setor petroleiro do país. 

Com a impossibilidade de vender o petróleo, o principal produto venezuelano, a economia passou por turbulência nos últimos anos, chegando a hiperinflação de 130.060% ao ano em 2018. Por isso, o governo justifica a medida de aumentar os auxílios e não os salários e, para evitar que o trabalhador fosse impactado por mudanças cambiais, atrelou os bônus com o dólar. 

Já os salários do funcionalismo público são pagos em bolívares. O governo entende que ainda há riscos de mudanças bruscas na economia de um mês para o outro, e que, mesmo aumentando os salários, os trabalhadores perderiam poder de compra já que esses valores não seriam reajustados de acordo com a cotação do dólar. 

As críticas, no entanto, são feitas ao fato de que os reajustes nos auxílios não incidem sobre outros direitos trabalhistas, como 13º salário, férias e fundo de aposentadoria. Dessa forma, esses outros pagamentos são calculados com base em um salário que hoje está menor que 4 dólares.

Peña indica que uma questão central para entender a dificuldade do governo venezuelano em reajustar os salários é também o número de funcionários públicos. Segundo a Pesquisa Nacional de Condições de Vida (Encovi) de 2023, levantamento anual realizado por três universidades venezuelanas, o número de trabalhadores do setor público gira em torno de 20% da população economicamente ativa, ou 4 milhões de pessoas.

“O Estado é o maior empregador da Venezuela. Quer dizer, a maioria dos venezuelanos está, de uma maneira ou outra, ligados à folha de pagamento do Estado, ou à função pública, às instituições educativas. Quase toda a educação e saúde estão sob a administração do Estado porque são estratégicos para as condições de vida da população. O bloqueio fez com que as receitas do Estado tenham caído a 90%. Isso significa que os trabalhadores terminam sendo afetados porque o Estado não pode pagar os mesmos salários”, afirma Peña.

Aposentadoria no cálculo

Na terça-feira (7) a Assembleia Nacional aprovou o projeto de lei apresentado por Maduro para o fundo de pensões. Essa foi a segunda medida importante anunciada pelo governo no 1º de maio e tem como foco aumentar a arrecadação para pagamentos das aposentadorias. 

A lei determina que empresas e empresários deverão pagar 15% da folha salarial para o fundo de pensões. O valor poderá ser deduzido do Imposto de Renda pago pelas companhias. 

Para Reinaldo Taimaras, professor de Economia Política da Universidade Bolivariana da Venezuela, o governo consegue, com essa medida, melhorar a condição de vida dos aposentados sem onerar as contas públicas. A lei também faz com que a iniciativa privada contribua para a aposentadoria dos trabalhadores do país.

"Para manter os auxílios e aposentadorias, o governo precisa manter uma fonte de financiamento que antes era a renda petroleira. Uma dessas opções é a arrecadação de impostos, o governo quer financiar o pagamento das pensões sem onerar as contas públicas. Essa lei dá segurança para recursos tanto do empresário, como dos aposentados”, afirma ao Brasil de Fato

Analistas afirmam que o aumento de impostos é um dos 3 pilares do governo para manter o ritmo de crescimento econômico, abaixar a inflação e conseguir ampliar os gastos públicos. O Estado venezuelano também adotou um novo sistema cambial para proteger a moeda nacional em relação ao dólar e o aumento da produção petrolífera como estratégia para estabilizar a economia e aumentar o fluxo de caixa depois de passar por um período de redução dos gastos que ajudaram a reduzir a inflação. 

De acordo com Tamaris, a médio prazo o governo tem no horizonte mudar a estrutura econômica da Venezuela para deixar de ser dependente da renda do petróleo para a entrada de dólares.

“O governo quer também transformar a Venezuela em um país produtivo. Já temos 87% de produção própria e isso repercute nas receitas. Muito disso é o que permite manter os auxílios e benefícios”, afirma Tamaris. 

Eleições à vista

As medidas anunciadas podem ter influência nas eleições de 28 de julho, de acordo com analistas. Maduro busca a reeleição, concorrendo com 9 adversários. Para Reinaldo Tamaris, o aumento dos auxílios e a lei dos fundos de pensões ajudam o governo na campanha.

“Estando o principal candidato do PSUV no governo, ele tem a prerrogativa de criar condições para que as pessoas continuem com a esperança de que o país siga adiante. Isso tem um ponto positivo e negativo. Positivo porque mantém a renda para os trabalhadores, mas negativo porque muitos trabalhadores esperavam que os aumentos fossem nos salários, mas não foi o caso. E isso leva a uma polarização” afirma. 

Para Peña, mesmo que essas medidas estejam em um contexto eleitoral, a decisão do governo também foi pautada na capacidade de aumento de gastos do governo e de contribuição das empresas.

“Certamente há uma efervescência eleitoral. E alguém pode dizer, ‘olha são medidas eleitorais’, mas também são medidas pensadas. Há dois anos a renda dos empresários não era suficiente para um aporte, mas hoje o comércio e os setores fundamentais da Venezuela estão em movimento. O objetivo não é uma maior pressão tributária ao empresário, mas uma maneira de balancear, de haver um equilíbrio. O dever social de quem participa no setor privado está na Constituição, é parte do pacto social”, conclui Peña. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho