Assassinato

Memória e sede de justiça: Quem matou Marcelino Chiarello?

As denúncias de Chiarello que deram origem a processos judiciais ainda reverberam em Santa Catarina

Brasil de Fato | Chapecó (SC) |
Morte de vereador petista que denunciava esquemas de corrupção em Santa Catarina completa cinco anos esta semana
Morte de vereador petista que denunciava esquemas de corrupção em Santa Catarina completa cinco anos esta semana - Arte/Brasil de Fato

Morte de vereador petista que denunciava esquemas de corrupção em Santa Catarina completa cinco anos esta semana. As razões que motivaram o crime nunca foram esclarecidas pela polícia e o caso foi arquivado no ano passado como suicídio. 

Este é o último capítulo da série especial do Brasil de Fato sobre um dos acontecimentos mais obscuros da história política catarinense

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O gabinete 11 da Câmara Municipal de Chapecó (SC), ocupado por Marcelino Chiarello entre 2005 e 2011, é hoje o local de trabalho de Cleber Ceccon (PT). “O nosso mandato é em nome do Marcelino, que é a minha inspiração e foi o motivo de eu entrar na política”, enaltece Ceccon, que também estudou Filosofia em um seminário católico, é professor da rede pública e militante do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte).

Entre os assessores de Cleber Ceccon estão Gilberto Benetti, compadre de Marcelino, e Pedro Chiarello, um dos nove irmãos do político morto há cinco anos. As paredes do gabinete estão repletas de fotografias antigas e adesivos com o rosto do ex-vereador, como se o ambiente ainda lhe pertencesse, de alguma forma. 

Mas aquele nunca foi, de fato, o seu espaço de atuação política. Marcelino passava pouco tempo dentro do escritório, em comparação com os colegas. Preferia estar na rua, vendo de perto os problemas da cidade – “sujando a sola do sapato”, como ele mesmo dizia.

As denúncias de Chiarello que deram origem a processos judiciais ainda reverberam em Santa Catarina. Em setembro do ano passado, por exemplo, a 2ª Vara Federal de Chapecó recebeu uma ação civil pública contra o ex-prefeito e deputado federal João Rodrigues (PSD) por improbidade administrativa. 

A ação é resultado de um inquérito civil instaurado na Procuradoria da República em Chapecó para apurar fraudes no fornecimento de merenda escolar entre 2007 e 2009. A Controladoria Geral da União verificou uma série de irregularidades na licitação e na execução do contrato com a empresa Nutriplus Alimentação e Tecnologia LTDA., e estimou um prejuízo de R$ 7,9 milhões aos cofres públicos. O Ministério Público Federal (MPF) pediu a suspensão dos direitos políticos de João Rodrigues e o ressarcimento ao dano causado ao município. 

No caso das subvenções sociais, as informações encaminhadas por Chiarello ao Ministério Público não atingiram o deputado estadual Gelson Merísio (PSD), como ele pretendia, mas foram replicadas em outros municípios catarinenses. 

Uma investigação iniciada em 2012 apurou que aproximadamente R$ 6 milhões referentes às subvenções liberadas pela Secretaria Estadual da Fazenda em Imbituba-SC, através do FundoSocial, foram recebidas por entidades que não prestavam os serviços previstos no plano de aplicação. Em junho deste ano, a operação resultou na prisão do ex-vereador Mario Cesar Souza (PMDB), suspeito de envolvimento no esquema – ele teve o pedido de habeas corpus aceito pela Justiça e foi solto quinze dias depois.

Embora as sementes plantadas por Marcelino continuem produzindo frutos em outras regiões do estado, a estrutura de poder que ele combateu entre 2005 e 2011 permanece inalterada. 

Valdemir “Tigrão” Stobe (PTB), adversário na disputa do Sindicato das Carnes e Derivados (Sitracarnes), segue na presidência da Câmara Municipal de Chapecó desde 2010 e foi o sexto vereador mais votado nas eleições deste ano. Ex-secretária municipal de Educação e denunciada na ação civil pública das merendas escolares, Astrit Tozzo (PSD) também foi eleita vereadora em outubro. João Rodrigues, o principal alvo das acusações de Chiarello, é deputado federal desde 2011 e recebeu 221.409 mil votos nas últimas eleições.

Jamais foi comprovado o envolvimento de Gelson Merísio, presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc), nas denúncias relacionadas às subvenções sociais. Desde 2013, é o cunhado dele, Antonio Marcos Gavazzoni (PSD), o responsável pela arrecadação, fiscalização e controle dos recursos públicos no estado – após dois anos no comando das Centrais Elétricas de Santa Catarina (CELESC S.A.), Gavazzoni foi nomeado Secretário de Estado da Fazenda.

O PSD, que Chiarello enfrentou corajosamente em seu segundo mandato (2009-2011), está em plena expansão no estado. Venceu as eleições para 61 prefeituras e foi o segundo partido que mais cresceu, em comparação com as eleições anteriores. Além dos nomes citados, pertencem à sigla o governador Raimundo Colombo e o prefeito de Florianópolis, Cesar Souza Junior. 

Fórum mantém a chama acesa

A tese de suicídio, aceita pelo Ministério Público de Santa Catarina como solução possível para o caso Chiarello, nunca foi sequer cogitada pelos amigos mais próximos do ex-vereador. Na missa de sétimo dia, eles decidiram criar um fórum para debate e acompanhamento das investigações, e mantêm a chama da indignação acesa até hoje.

Sob a liderança da médica e ex-vereadora Ângela Vitória (PT), o Fórum em Defesa da Vida, da Justiça e da Democracia de Chapecó organizou reuniões abertas, publicou outdoors em pontos estratégicos da cidade e levou milhares de pessoas às ruas nos últimos cinco anos para pedir respostas sobre a morte de Marcelino.

Coordenadora do Sinte na região de Chapecó, a professora Zigue Timm afirma que o momento de maior mobilização do Fórum foi durante os meses de espera pelo laudo do Instituto Nacional de Criminalística, entre 2012 e 2013. “Tínhamos uma reunião marcada com o [Oscar] Biffi [delegado da Polícia Federal] para entender o que estava acontecendo, mas ele não apareceu. Entramos na delegacia para protestar e acabamos todos processados nominalmente, por invasão”, lembra a sindicalista.

Para pagar os custos referentes ao processo, os militantes do Fórum organizaram uma rifa e promoveram um jantar, que se transformou em uma celebração da memória de Chiarello. “Aquela macarronada nos fortaleceu ainda mais e foi ali que a gente renovou as energias para seguir lutando, para que a morte do Marcelino não seja tratada como um suicídio”, completa Zigue Timm.

Chiarello está em toda parte

Depois do suposto assassinato, o nome do ex-vereador passou a ser lembrado como símbolo de resistência na região de Chapecó. Funcionam hoje o Centro de Referência em Direitos Humanos Marcelino Chiarello, na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), e a Livraria Marcelino Chiarello, administrada por Ernesto Puhl, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O nome do petista também foi escolhido para batizar um trecho da rodovia BR-282, que dá acesso a Chapecó, e um acampamento do MST no município de Guatambu, em junho de 2016. 

São cinco os estágios do luto: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Cinco anos depois da morte do marido, Dione Chiarello não conseguiu superar nem o primeiro. 

Informada de que o inquérito fora arquivado, em 2015, a viúva deixou a casa da mãe e mudou-se com o filho para um apartamento menor, mais próximo do Centro. “As pessoas me cobram porque eu não fico gritando, chorando em frente a uma câmera, pedindo justiça. Mas qual o meu interesse em ficar dando entrevista por aí? Passou. Eu tenho uma vida para viver, um filho para criar”, argumenta a mulher, como se precisasse justificar o cansaço. 

As lágrimas interrompem o relato de Dione, e é melhor deixa-la em paz. Ainda lhe restam quatro estágios de luto a superar.

Este especial é baseado no conteúdo do livro-reportagem “Quem matou Marcelino?” (Maruim Edições, 2016).

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