Crise penitenciária

Dez medidas urgentes e eficazes para o sistema prisional

Redução dos índices de encarceramento deveria ser prioridade do governo, segundo relatório da Conectas Direitos Humanos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Melhorar as condições das pessoas privadas de liberdade e ampliar o acesso à Justiça são algumas das iniciativas
Melhorar as condições das pessoas privadas de liberdade e ampliar o acesso à Justiça são algumas das iniciativas - CEERT/Reprodução

A Conectas Direitos Humanos recomendou, nesta terça-feira (10), 10 medidas com ações estruturais para o estado brasileiro enfrentar a crise penitenciária, escancarada com as chacinas em presídios de Manaus (AM) e Boa Vista (RR). Só na última semana, 56 pessoas morreram no Complexo Penitenciário Anísio Jobim e pelo menos outras 33 na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo.

"Os governos precisam encarar a questão do sistema prisional com profundidade e atacar realmente as causas destas situações, que são complexas e têm causas de diversas natureza", afirmou Vivian Calderoni, advogada da Conectas Direitos Humanos, organização não governamental de atuação internacional.

Na última sexta-feira (6), o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, apresentou um plano de racionalização e modernização do sistema penitenciário como parte do Plano Nacional de Segurança Pública do governo federal. Entre as principais medidas está o anúncio de uma verba de R$ 3,4 bilhões para construção de cinco presídios federais de segurança máxima, um presídio em cada região, além da instalação de equipamentos de segurança, como raio-x e bloqueadores de sinal de celular.

Ainda na divulgação do plano, o ministro qualificou as medidas como “uma nova filosofia”. Mas, para Calderoni, elas não atacam as causas dos problemas que levaram à falência do sistema. Segundo ela, as ações servem apenas para "apagar incêndios".

"Sempre em momentos de escancaramento da situação do sistema prisional, os governos apresentam planos emergenciais, mas são necessárias mudanças estruturais", disse a advogada. Ela afirmou ainda que as propostas do governo federal parecem ter sido feitas em "uma situação de correria".

Para a advogada, a construção de novas unidades não solucionam o problema, "que são complexos e têm motivações diversas", porque uma de suas principais causas é a grande quantidade de pessoas presas.

O índice de aprisionamento no Brasil, sexto maior dentre os países mais populosos do mundo, é de 307 presos por 100 mil habitantes. A média mundial é de 144 por 100 mil habitantes. Segundo a advogada da Conectas, em vez de garantir segurança, o atual sistema prisional tem ajudado a reproduzir a violência e as violações de direitos humanos.

A advogada reiterou também a responsabilidade e a participação do Estado nas chacinas. "A partir do momento em que se prende essa quantidade de pessoas nesta condição de insalubridade e precariedade, violando todos os direitos, o estado se torna responsável por estes resultados do sistema prisional", disse.

Guerra às drogas

O plano de segurança de Moraes divide-se em três eixos: redução de homicídios dolosos, feminicídios e violência contra a mulher; racionalização e modernização de sistema penitenciário; e combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas.

Na contramão, a Conectas se posiciona "contra a lógica belicista" da guerra às drogas e defende a aplicação de penas alternativas para o pequeno traficante -- dependentes financeiros ou químicos que comercializam drogas por conta de sua vulnerabilidade social. Além disso, a construção de nova política sobre drogas.

O número de pessoas presas com base na nova Lei de Drogas de 2006 (11.343) cresceu 348% desde sua aplicação. Segundo dados de 2014 do próprio Ministério da Justiça, 64% das mulheres e 25% dos homens encarcerados respondem a crimes relacionados às drogas.

Antes de sua aprovação, esses índices eram, respectivamente, de 24,7% e 10,3%. O aumento, afirma a entidade, não demonstra a eficiência da lei, mas o aprofundamento da penalização de jovens negros e pobres das periferias.

Confira as dez medidas propostas pela entidade:

1) Redução drástica dos índices de encarceramento

O objetivo deve ser diminuir o fluxo de entrada no sistema prisional e aumentar o de saída. Para isso, deve-se investir em alternativas penais em detrimento da pena de prisão, e a promoção de reformas na política de segurança pública, para que a atividade de inteligência policial seja desmilitarizada e focada nos crimes mais graves.

2) Controle social do sistema carcerário

Proibição das revistas vexatórias de familiares nos dias de visita para garantir a manutenção do direito à visita, indispensável à reintegração do preso; criação e fortalecimento das corregedorias e ouvidorias do sistema penitenciário, que devem ser externas e inspiradas em resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; criação de mecanismos estaduais e independentes de prevenção e combate à tortura conforme parâmetros estabelecidos no "Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes" da Organização das Nações Unidas (ONU), ratificado pelo Brasil em 2007.

Hoje, só os estados do Rio de Janeiro e Pernambuco possuem um órgão nesses moldes em operação, selecionados através de consulta pública.  

3) Fim do uso abusivo da prisão provisória e ampliação da audiência de custódia

Fomento e cobrança do Poder Judiciário e dos ministérios públicos na aplicação efetiva da Lei das Medidas Cautelares, que estabelece um leque de penas alternativas para substituir a prisão provisória; e aprovação do Projeto de Lei que cria a audiência de custódia, impondo prazo de 24 horas para que o preso em flagrante seja apresentado presencialmente ao juiz, na presença de seu defensor, para a análise da necessidade de prisão, sem vídeoconferência. 

4) Acesso à Justiça

Fortalecimento e autonomia financeira às Defensorias Públicas (estaduais e da União); ampliação do número de defensores públicos e do quadro de apoio (assistentes sociais, psicólogos, sociólogos); instalação de um sistema eletrônico do órgão dentro das unidades prisionais.

5) Redução do impacto da Lei de Drogas no sistema prisional

Aplicação de penas alternativas para o pequeno traficante (dependentes financeiros ou químicos que comercializam drogas por conta de sua vulnerabilidade social) e construção de nova política sobre drogas, que seja "menos violadora, encarceradora e seletiva".

6) Tratamento digno às mulheres encarceradas

Consideração das especificidades de gênero nas instalações, como a distribuição regular de absorventes íntimo e o asseguramento do exercício da maternidade e do convívio familiar adequado entre mãe e filhos. 

7) Valorização da educação e do trabalho

Estruturação de uma política de valorização e incentivo da educação e do trabalho dentro do sistema prisional.

No estado de São Paulo, por exemplo, onde estão 35% dos presos do país, apenas 7% frequentam aulas -- dado que contrasta os três quartos de internos não completaram o ensino fundamental. No Brasil, o índice de engajamento de presos em atividades educacionais é de apenas 11%.

8) Políticas públicas para egressos

Ampliação de recursos para programas federais e estaduais de reinserção de egressos do sistema prisional, como o Pró Jovem, o Pró Egresso e o Começar de Novo; extinção da pena de multa após o cumprimento da pena privativa de liberdade e a aprovação do Projeto de Lei do Senado (153/2014).

O texto prevê a criação de cota de 5% para egressos e apenados em regime semiaberto e aberto contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas jurídicas para a realização de obras e serviços.

9) Efetivação do direito à saúde

Transferência da gestão da saúde do sistema prisional ao Sistema Único de Saúde (SUS) e prestação de assistência material aos presos em quantidade e qualidade suficientes. Hoje, os serviços são administrados pelas secretarias estaduais responsáveis pela administração penitenciária.

10) Institutos Médicos Legais independentes

Autonomia e independência dos órgãos periciais, hoje vinculados às secretarias de segurança pública.

Segundo a Conectas, a ação daria mais transparência ao trabalho das polícias e garantiria o cumprimento do Protocolo de Istambul, ratificado pelo Brasil, que senta as bases para a identificação e a investigação de crimes de tortura.

Já há uma proposta de emenda constitucional, a PEC 325/2009, que tramita na Câmara dos Deputados com esse objetivo.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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