Lentidão

Após 8 anos, liberdade a dois agricultores do MST de Pernambuco é concedida pelo STJ

Movimento vê caso como "prisões políticas" e critica lentidão da Justiça

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Ministro Sebastião Reis Júnior (acima): "Não se justifica uma demora de mais de sete anos. É inaceitável"
Ministro Sebastião Reis Júnior (acima): "Não se justifica uma demora de mais de sete anos. É inaceitável" - STJ/Divulgação

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus a dois integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de Pernambuco que estão presos preventivamente desde 2009. A decisão, dada por um placar de três votos a dois, foi proferida em sessão realizada na tarde da última quinta-feira (6), na sede do Tribunal, em Brasília. O MST interpreta o caso como prisão política.

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Os agricultores Antônio Honorato da Silva, 60, e Aluciano Ferreira dos Santos, 39, foram presos após um conflito agrário relacionado a uma ocupação de terra no município de São Joaquim do Monte, localizado a 134 km de Recife (PE). A previsão é de que ambos sejam colocados em liberdade na segunda-feira (10).

De acordo com o MST, em fevereiro de 2009, o acampamento foi atacado por homens armados no contexto de um processo de reintegração de posse. O conflito resultou na morte de quatro pistoleiros e os militantes foram acusados de homicídio. A defesa judicial e os integrantes do movimento negam a autoria do crime e o caso ainda não teve o mérito julgado.

Após o julgamento no STJ, o MST comemorou a concessão do habeas corpus e avaliou como uma “vitória parcial”. “Nós recebemos essa notícia com muita alegria, até porque, neste momento político atual, está difícil se fazer justiça”, disse o dirigente Márcio Barreto, do setor de Direitos Humanos da organização. 

O advogado Edgar Menezes Mota, que acompanha o caso em Pernambuco, destacou que a decisão está em sintonia com uma intensa campanha feita por segmentos populares no estado. “Nós fizemos uma mobilização permanente pela soltura dos trabalhadores, junto com coletivos de direitos humanos, advogados populares, Conselho Nacional de Direitos Humanos e com a Procuradoria Federal dos Direitos e Cidadania (PFDC). Todos contribuíram muito pra essa decisão”, disse, em entrevista ao Brasil de Fato.

O caso da prisão dos militantes se insere no contexto da luta por reforma agrária em Pernambuco. O último levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado no ano passado, contabilizou 33 casos de conflitos de terra no estado, envolvendo um total de 5.363 famílias. Os dados se referem a ocorrências de 2015.

Trâmite

O dirigente Márcio Barreto criticou a demora na liberação dos presos, por se tratar de uma prisão preventiva de longa duração, e atribuiu a lentidão a um componente político. “Historicamente, o Poder Judiciário tem demorado nas demandas dos movimentos sociais, principalmente no que envolve a luta pela terra. Nesse caso em particular, foram oito anos de dois companheiros presos sem sequer terem condenação em primeira instância”, destacou.

Ao longo do processo, que teve início na comarca de São Joaquim do Monte (PE), a defesa deu entrada em mais de um pedido de liberdade na Justiça local e ajuizou dois habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), além do pedido no STJ.

O advogado Paulo Freire, responsável pela sustentação oral durante o julgamento no STJ, apontou que o trâmite ultrapassou os prazos processuais, com destaque para a sentença de pronúncia – decisão em que o juiz declara se o caso será apreciado pelo Tribunal do Júri, que julga os crimes dolosos contra a vida.

“Somente para a obtenção dessa sentença foram mais de cinco anos, e a lei fala em 90 dias. Por mais que o caso seja complexo, cinco anos representam 20 vezes mais do que o prazo determinado pela legislação. Não há justificativa nenhuma pra isso”, sublinhou Freire.

O advogado considerou que a decisão do STJ corresponderia às necessidades impostas pelo caso. “Nós esperávamos que houvesse esse reconhecimento da morosidade inexplicável do Poder Judiciário de Pernambuco em analisar as condutas dos dois e julgá-los adequadamente”, assinalou o advogado.

Ministros

Durante o julgamento, o relator do caso no STJ, ministro Sebastião Reis Júnior, deu voto favorável à soltura dos militantes e criticou o ritmo processual. “Não se justifica uma demora de mais de sete anos. O Estado deve se organizar e se estruturar no sentido de atender aos prazos razoáveis do processo. Tal demora é inaceitável”, avaliou o magistrado, mencionando ainda a morosidade nas audiências e a suspensão do primeiro júri, que estava agendado para fevereiro deste ano e foi remarcado para julho.

Já o presidente da Sexta Turma, ministro Rogério Schietti, além de seguir o voto do relator, teceu críticas ao Poder Judiciário estadual. “Há uma enorme dificuldade do estado de Pernambuco em cumprir os prazos processuais, por isso, em levantamento recente, foi considerado o estado mais moroso na prestação jurisdicional”, completou Schietti.

Acusação

Ao longo do processo, o Ministério Público do Estado de Pernambuco (MPPE), responsável pela acusação, manifestou-se contrariamente ao relaxamento de prisão dos acusados. A disputa teve início na Promotoria de Justiça de São Joaquim do Monte, mas, em seguida, o processo foi transferido para a capital, Recife, onde ficou a cargo da 4ª Promotoria do Júri.

“Quando o MP se pronuncia pela manutenção da prisão, ainda não há julgamento de mérito. É uma análise somente dos pressupostos processuais; não quer dizer que eles sejam culpados pelo crime. Na verdade, está-se dizendo que a restrição de liberdade até então é uma medida acautelatória para garantir a eficácia do julgamento final”, afirmou o promotor de Justiça José Edvaldo da Silva ao Brasil de Fato

Questionado sobre a duração da prisão preventiva dos dois militantes, o promotor informou que o parecer pela manutenção foi dado por outro membro do MPPE, mas que a instituição se manifesta contrariamente à concessão de liberdade quando a prisão “é indispensável ao deslinde final do processo”. Silva afirmou que considera o caso “complexo” porque envolve ainda outros acusados e diversas testemunhas.

“Se não houver prova suficiente da autoria do fato ou se a prova for insuficiente, evidentemente que o próprio MP, se tiver dúvidas quanto à culpabilidade, não terá outro caminho senão pedir a absolvição dos acusados”, disse o promotor, acrescentando que a 4ª Promotoria do Júri ainda irá analisar o caso em detalhes para o julgamento.

Edição: Rafael Tatemoto