Liberdade de Expressão

Liberação do site Falha de S. Paulo é simbólica para conjuntura, afirma Intervozes

STJ autorizou, nesta quarta, o funcionamento do site paródia, que havia sido tirado do ar há sete anos por processo

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Blog "Falha de S. Paulo", paródia do jornal Folha de S. Paulo, foi tirado do ar há sete anos
Blog "Falha de S. Paulo", paródia do jornal Folha de S. Paulo, foi tirado do ar há sete anos - Reprodução

A organização Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social considera simbólica para a conjuntura política atual a decisão da 4ª Turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), por 4 votos a 1, que autorizou, nesta quarta-feira (21), o funcionamento do site Falha de S. Paulo, paródia do jornal Folha de S. Paulo.

O blog satírico, que trazia críticas ao conteúdo político do jornal de maior circulação do país, foi tirado do ar em 2010, após o início do processo realizado pela Folha, sob justificativa de que, por usar tipologia semelhante, a paródia violava sua marca e confundia os leitores. O voto do ministro Luís Felipe Salomão, primeiro a divergir do relator, o ministro Marco Buzzi, rejeitou a tese da Folha, por considerar que ambos os veículos são destinados a "públicos muito distintos".

No processo, a Folha alegava também que a Lei de Direitos Autorais proíbe, no artigo 47, paródias que sejam "verdadeiras reproduções da obra originária", causando "descrédito". O ponto também foi rejeitado por Salomão, que destacou a proteção à paródia para a manutenção da liberdade de expressão, prevista desde o primeiro Código Civil do Brasil, de 1916. Para organizações que lutam pelo direito à liberdade de expressão, o voto vencedor sustenta que a intenção da Folha com o processo era censurar as críticas realizadas pelo blog.

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"Não há elementos que justifiquem materialmente essa suposta confusão entre a marca e o site, que a Folha alegou durante todo o processo. Por isso, na nossa avaliação, claramente o objetivo dessa ação era cercear um site que denunciava aspectos questionáveis do jornalismo exercido pelo jornal. É uma postura bastante antidemocrática de quem deveria defender a liberdade de expressão", opinou Beatriz Barbosa, coordenadora do Intervozes e secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

Bia destaca ainda que o Intervozes e outras organizações da sociedade civil chegaram, inclusive, a levar o caso para a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA). "A relatoria chegou a incluir o caso no informe anual, apontando como um problema sério no Brasil o fato de a justiça ter dado a decisão em primeira instância da retirada do ar de um site que claramente era uma paródia. Então, isso torna a decisão ainda mais importante, porque chegou a ter uma repercussão internacional", explicou.

Segundo o jornalista Lino Bocchini, um dos autores da Falha de S. Paulo, o blog recebeu o apoio de diversas organizações e personalidades durante o processo. "Decidimos ir até às últimas consequências, mesmo tendo sido muito custoso tanto pessoal quanto financeiramente, porque tivemos o apoio de muita gente. Recebemos apoio de toda a blogosfera brasileira, de ativistas pela liberdade de expressão, até o [Julian] Assange chegou a se pronunciar ao nosso favor, e o Repórter Sem Fronteiras soltou um comentário condenando a Folha. Mobilizou muito porque foi inédito, nunca um veículo de comunicação tinha usado seu poder econômico para censurar outros veículos no país", disse.

Lino conta que ainda não pensou sobre o formato em que a página voltará ao ar, e que o conteúdo não faz mais tanto sentido quanto há sete anos. "Ele tinha um contexto e uma história naquele momento. Sete anos de internet é muita coisa, o Facebook mal existia. A Folha tinha um poder muito maior na época, hoje ela não é nem uma sombra disso. Vamos pensar o que fazer com o domínio, mas achamos que pelo menos um site que traga a memória do caso e sirva de alerta para que isso não se repita será feito", afirmou.

Para o jornalista, no entanto, a decisão do STJ pode beneficiar até mesmo a Folha. "É uma vitória importante para a coletividade, inclusive para a própria Folha. Como é um caso inédito, abre jurisprudência. Se o jornal tivesse ganhado, abriria um precedente que poderia até mesmo prejudicá-lo, já que ela tem chargistas e cartunistas que se utilizam de paródias", opinou.

Beatriz Barbosa destaca que o Intervozes vem denunciando uma série de repressões à liberdade de expressão, e que a decisão jurídica simboliza uma conquista. "Chegamos a lançar uma campanha chamada 'Calar Jamais' para denunciar a escalada significativa da repressão de protestos, retirada de conteúdos na internet, censura nas redações e cerceamento à liberdade de expressão de forma geral. O caso da Falha de S. Paulo é simbólico para reafirmar a liberdade e a garantia desse direito. Nesse momento da conjuntura política, é importante fazer a crítica do jornalismo, principalmente em um país em que a concentração dos meios de comunicação tradicionais controla tão intensamente a opinião pública. A Falha fazia justamente isso e agora vai poder voltar a fazer".

Contatados pela reportagem por email, a assessoria de imprensa e os advogados da Folha de S. Paulo não concederam posicionamento sobre a decisão e as críticas trazidas na reportagem até a sua publicação.

Edição: Vanessa Martina Silva