Semiárido

Poços perfurados no Sertão de PE não garantem consumo consciente das águas

Articulação Semiárido alerta para as consequências da utilização descontrolada dessa alternativa

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Na Vila Jatiúca, em Santa Cruz da Baixa Verde, a maioria da água utilizada pelos moradores é de poço escavado em uma propriedade privada.
Na Vila Jatiúca, em Santa Cruz da Baixa Verde, a maioria da água utilizada pelos moradores é de poço escavado em uma propriedade privada. - Kátia Viana

Como alternativa para driblar as dificuldades causadas pelo período de grande estiagem no Semiárido de Pernambuco, moradores e moradoras dessa região optam por alternativas para se manterem durante os períodos com grande escassez de chuva. Muitas delas recorrem, por exemplo, para as águas subterrâneas, que são utilizadas através da perfuração dos poços artesianos e amazonas.

Em Pernambuco, essas águas estão contidas em terrenos porosos ou em rochas cristalinas. Para o hidrogeólogo e professor doutor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Waldir Costa, há riscos do uso sem controle dessa água. “São vários os problemas que surgem com a utilização descontrolada, podendo se destacar como os mais graves a exaustão do reservatório subterrâneo, quando as retiradas ultrapassam as recargas naturais, afundamento de terrenos que resultam em desabamentos de instalações prediais e o aumento da salinização pela concentração de sais”, pontua. Ele ainda destaca a contaminação dessas águas por esgotos, por produtos defensivos usados na agricultura irrigada, por lixões, por derramamento e infiltração de produtos tóxicos. 

Mesmo entendendo que a água é um recurso finito, muitas agricultoras assessoradas pela Casa da Mulher do Nordeste, organização que integra a Articulação no Semiárido Pernambucano (ASA-PE), são obrigadas a recorrer aos poços, mesmo sabendo que é uma solução paliativa. Para a agricultora Ariane Souza, 47 anos, moradora da comunidade rural de Corisco, em Afogados da Ingazeira, o poço foi por muitos anos sua única alternativa de acesso à água. “Tenho meu poço artesiano há mais de 12 anos. Antes dele, nós andávamos mais de 8 km para tirar água dos açudes de outros moradores. Era longe e muito cansativo. É com essa água que lavo as roupas, que mato a sede dos meus animais e uso em minha horta. Tenho a cisterna, mas só utilizo a água dela para consumo próprio. Não sei o que seria de mim sem esse poço”, afirma. 

Com a missão de contribuir para o conhecimento, a conservação e a gestão das águas na região Nordeste do Brasil, a Associação de Águas do Nordeste (ANE), integrante da ASA-PE, tem trabalhado para que o uso desse recurso fornecido pelos poços seja utilizado de forma consciente pelos sertanejos  e sertanejas. Para Ricardo Braga, presidente do Conselho Deliberativo da ANE, a instituição tem trabalhado para a contribuição nas políticas públicas envolvendo perfuração de poços. “A ANE desenvolve ações no Semiárido para conservação e uso sustentável das águas de aluvião, em leito seco de rio intermitente”, ressalta.  A utilização dos poços tem sido adotada como medida paliativa por alguns municípios que são mais afetados pelos períodos de estiagem. Para Ricardo, essa é uma alternativa válida, porém limitada. Por lei, todos os poços escavados em PE devem ser cadastrados na Agência Pernambucana de Águas e Clima (APAC). No entanto, só os poços de águas profundas e de grande vazão precisam da chamada outorga de uso da água. 

Não a privatização da água

O agricultor José de Melo, 56 anos, é morador da Vila Jatiúca desde 1975, no Município de Santa Cruz da Baixa Verde. Ao longo dos 42 anos, ele observou as mudanças nas fontes de água existentes e como essa água tem chegado para a população local. “Quando cheguei aqui à água vinha de uma nascente, era água limpa e a gente não pagava por ela. Da nascente vinha até uma caixa d’água e era distribuída”, relata. 
Apesar da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) realizar abastecimento na vila, não é direcionado a todas as casas. A grande maioria utiliza água vinda de um poço artesiano escavado em uma propriedade privada. No ano de 2000, a população local fez um mutirão para a escavação de tubulações que ligavam a água do poço às residências. José de Melo conta que a água do poço não recebe tratamento algum, e por isso só pode ser destinada a serviços de limpeza.  

Dados inéditos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que 71,8% dos municípios não possuíam, em 2011, uma política municipal de saneamento básico. A estatística corresponde a 3.995 cidades que não respeitam Lei Nacional de Saneamento Básico, aprovada em 2007.

A principal preocupação das pessoas que residem em Jatiúca é a degradação das fontes de água. O esgoto coletado é depositado no riacho que circunda a vila e esse mesmo riacho fica próximo do poço artesiano que fornece água as residências. “Durante muito tempo a gente usou a água desse poço, mas houve uma época em que o prefeito interditou, pois foi encontrado um alto teor de coliforme fecal. Começamos usar então a água do poço de um sítio próximo (Santana dos Guerras), mas o poço de lá secou, daí voltamos para o primeiro poço”.  

A organização coletiva é uma das alternativas encontradas para a busca de garantia de direitos, como o acesso água. O exemplo de perseverança da população que cavou sua própria rede de tubulação para acessar água hoje está sendo seguido por um grupo de jovens, que está se organizando com o objetivo de revitalizar a associação e moradores da vila Jatiúca. 

*Núcleo de Comunicadoras e Comunicadores da ASA-PE

Edição: Catarina de Angola