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Buenos Aires em estado de sítio: a OMC e a reforma previdenciária

O presidente argentino aproveitou o efetivo militar a postos para a reunião internacional para tentar aprovar reforma

Colaboração para o Brasil de Fato | Buenos Aires (Argentina) |
Nos arredores do Congresso, forte efetivo policial impediu protesto popular com bombas de gás e outros artefatos
Nos arredores do Congresso, forte efetivo policial impediu protesto popular com bombas de gás e outros artefatos - Julieta Sou

Nesta semana, Buenos Aires sediou a 11ª Reunião Ministerial da Organização Mundial de Comércio (OMC). O país anfitrião, a Argentina, presidido por Mauricio Macri e dirigido pelo partido Cambiemos, buscou dar um novo passo em sua estratégia denominada “volver al mundo” (voltar ao mundo), ou seja, liberalização econômica e inserção completamente dependente na economia mundial, com o aprofundamento do modelo agroexportador.

Os resultados concretos da reunião da OMC foram pífios. O Tratado União Europeia - Mercosul, cuja celebração se buscava anunciar nesta mesma reunião, foi postergado para 2018. Não houve consenso sobre nenhum tema geral importante.

Porém, nem tudo foi em vão para o governo. Sob a justificativa de garantir a segurança dos executivos e autoridades de Estado de todo o mundo que participaram da reunião, construiu-se um verdadeiro estado de exceção na capital portenha.

Representantes de ONGs e movimentos populares que viriam para a conferência da OMC e, também, para a Semana de Ação Global Fora OMC foram impedidos de entrar no país. A região de Puerto Madero (bairro nobre da cidade de Buenos Aires) e o centro da capital foram sitiados. Mobilizaram-se milhares de policiais fortemente armados, caminhões de jatos d’água e foram instaladas grades por todos os lados.

Em um jogo de mestre, o governo aproveitou o efetivo militar já em posição de combate para outro propósito. Cambiemos, o partido do governo, acelerou a tramitação da reforma previdenciária e tributária, e convocou para esta quinta-feira (14) uma sessão especial para a votação do tema na Câmara de Deputados. O arsenal de exceção nem teve que se mover muito, já que o Congresso Nacional fica a mais ou menos 3 quilômetros da região onde se deu a reunião da OMC.

Pela tarde, um fortíssimo operativo de segurança isolou o Congresso dos movimentos populares, sindicatos e partidos da oposição que se dirigiram para a região, insurgindo-se contra o conteúdo regressivo das reformas a serem votadas.

Os ensaios de violência explícita já haviam começado na terça-feira (12), quando houve repressão desnecessária e meramente intimidatória ao final da manifestação Fora OMC, convocada nos marcos da semana de ação global contra tal organização e os tratados de livre comércio.

Na quarta-feira (13), a repressão foi ainda maior em uma marcha contra a reforma previdenciária, organizada por diversos movimentos populares e territoriais.

Já nesta quinta (14), somam-se aos protestos os sindicatos dos docentes, a Central Autônoma dos Trabalhadores (CTA) e a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), sendo que esta última, a maior central sindical da Argentina, convocou para a sexta-feira (15) uma greve geral de 24 horas.

A reforma da Previdência proposta pelo governo Macri altera o critério de atualização dos benefícios de aposentados, pensionistas, pessoas com deficiência e beneficiários de programas de renda mínima. Estima-se que tais mudanças representarão uma economia de uns 100 bilhões de pesos argentinos (aproximadamente R$ 20 bilhões) para o Estado argentino, sendo que os afetados serão cerca de 17 milhões de pessoas.

A aprovação da proposta somente é possível porque uma parte da oposição peronista (oposição a Macri atualmente), composta pelos governadores, negociou com o governo para que uma parcela dos recursos economizados seja destinada às províncias, que atualmente estão fortemente endividadas.

*Coletivo poético-político de brasileiros e brasileiras residentes em Buenos Aires pertencentes a várias correntes da esquerda.

Edição: Vivian Neves Fernandes