Rio de Janeiro

DIREITOS HUMANOS

Deputados querem criar o Dia Estadual da Memória, Verdade e Justiça no Rio

O projeto institui que o dia 28 de março seja lembrado e trabalhado com estudantes na rede estadual de ensino

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
A lei nasce da histórica luta por memória, verdade e justiça em todos país
A lei nasce da histórica luta por memória, verdade e justiça em todos país - Ocupa Dops

Será votado na Alerj nesta semana o projeto de lei 1301/2015 de autoria dos deputados estaduais Flavio Serafini e Marcelo Freixo, ambos do PSOL. O PL altera a Lei 5645/2010 e institui no calendário oficial do Estado do Rio de Janeiro o dia 28 de março como o Dia Estadual da Memória, Verdade e Justiça.

O projeto prevê ainda que este dia seja lembrado e trabalhado com estudantes na rede estadual de ensino. Hoje em dia, nas redes sociais, muitas pessoas reivindicam a volta de tempos sombrios e violentos da Ditadura Civil-Militar no Brasil. Por isso, entrevistamos o professor de história, assessor da Comissão da Verdade do Rio e integrante do Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça Lucas Pedretti para entender esta retomada de desejos e a importância do projeto. Confira:

Brasil de Fato: Atualmente, as pessoas estão perdendo a vergonha ou sendo incentivadas a reivindicar a Ditadura novamente. Você acha que isso tem a ver com a falta de reparação do passado?

Lucas Pedretti: O que vigorou no Brasil depois da ditadura foi uma política de esquecimento. A autoanistia de 1979 e o controle dos militares sobre a transição fizeram com que os criminosos da ditadura não precisassem prestar contas sobre o que fizeram. Por outro lado, esta questão também não foi central na agenda da esquerda. Assim, nenhum governo civil levou adiante políticas de memória, verdade e reparação, muito menos promoveu as reformas institucionais que seriam necessárias. O judiciário, por sua vez, com o aval do STF, se apoia até hoje na Lei de Anistia para impedir a responsabilização dos perpetradores de graves violações de Direitos Humanos. Posições que relativizavam ou legitimavam a ditadura sempre existiram, mas ficavam latentes. Com a ascensão desse fascismo no Brasil, esses setores têm se sentido confortáveis para tornar essa posição pública.

Como surgiu a ideia do projeto?

O projeto é fruto das recomendações da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, e consta de seu relatório final, publicado em 2015, junto com outras 39 recomendações. Ao fim da Comissão, criamos no Rio de Janeiro um órgão pioneiro de continuidade dos trabalhos, no âmbito do Secretaria de Direitos Humanos. Foi esse órgão que apresentou, junto aos deputados Flavio Serafini e Marcelo Freixo, este e mais dois Projetos de Lei a partir das recomendações. Infelizmente, o órgão de continuidade foi extinto, no quadro do desgoverno e dos retrocessos que vivemos no Brasil e no Rio de Janeiro de Pezão. Mas enquanto sociedade civil e movimentos sociais, estamos mobilizados para dar continuidade à luta, não só pela aprovação desta lei específica, mas para cobrar que se implementem as outras recomendações das comissões da verdade, que até hoje estão engavetadas.

Provavelmente o projeto sofrerá resistência por parte da família Bolsonaro. Como vocês pensam em pressionar os deputados?

Ter a resistência dos Bolsonaros é um sinal de que estamos no caminho correto. O PL institui uma data simbólica, não há muita complexidade nisso. Mas estamos falando com os deputados e comparecendo às votações.

O projeto determina claramente a discussão da pauta nas escolas. Por que essa especificidade?

Nós entendemos que levar esse debate para as escolas é fundamental, porque muitas vezes a posição de relativizar ou legitimar a violência da ditadura é fruto, sim, do desconhecimento. Nós sempre vamos às instituições de ensino fazer essa discussão, e são inúmeros os alunos que realmente não têm ideia do que foi o período. Muitas vezes, ao final desses encontros, os alunos é que acabam nos ensinando sobre as permanências da ditadura, ao relatar suas próprias experiências com a violência de Estado, que atinge hoje os mais pobres, os negros, os moradores de favelas e periferias. Mas não basta nosso voluntarismo e nossa vontade militante: é preciso que isso se transforme em uma política pública de educação em direitos humanos.

Existe algum plano de aplicabilidade do projeto? Algum tipo de articulação com as Secretarias de Educação e Cultura?

Ainda não. Esperamos que ele seja aprovado em breve, para pensar nas estratégias para tornar a lei uma realidade. Mas há um ponto fundamental: é preciso sensibilizar principalmente os professores em relação ao tema, pois eles que são os multiplicadores do debate. A gestão passada da Prefeitura de São Paulo, por exemplo, tinha uma Coordenação de Direito à Memória e à Verdade que desenvolveu um trabalho exemplar de formação de professores para trabalhar com Memória, Verdade e Justiça nas salas de aula.

Edição: Brasil de Fato RJ