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A filosofia de Pedrinho Pedreiro

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As ruas de Nova Resende (MG), por onde desfilou Pedrinho Pedreiro e seu terno branco
As ruas de Nova Resende (MG), por onde desfilou Pedrinho Pedreiro e seu terno branco - Divulgação
Gostava de filosofar, tocava violão muito bem e era tido como meio doido

Estive na minha terra, Nova Resende, em Minas Gerais, e me lembrei de um personagem dos meus tempos de infância e juventude. Muito antes da música “Pedro Pedreiro”, de Chico Buarque, já existia lá um Pedrinho Pedreiro.

Nas horas de folga, andava sempre de terno de linho branco. Escrevia bem, tinha uma letra bonita, e pronunciava as palavras como quem tinha uma certa cultura escolar — e tinha mesmo: numa época em que só existia o curso primário na cidade, diziam que ele estudou “até a segunda série do ginásio”. 

Não sei onde estudou, mas tinha mesmo muitos conhecimentos. Gostava de filosofar, tocava violão muito bem, e era tido como meio doido, mas isso não era nada demais: todo mundo em Nova Resende era tido como meio doido. 

Suas palavras viravam moda na cidade. O jeito que ele usava para cumprimentar todo mundo — “Oi, bem” — foi um caso desses. Uma época, todo mundo se cumprimentava falando “oi, bem”.

Era divertido. Desde a pessoa mais simples até professores, quando se cruzavam na rua um dizia:

— Oi, bem.
E o outro respondia:
— Oi, bem. 

Isso valia de homem pra mulher, de mulher para homem, de homem para homem, de mulher para mulher...
Outra expressão que pode não ter sido criada por ele, mas com certeza foi ele quem a popularizou lá era para se referir a gente chata: “É uma dor de dente”, que concorria com outra muito usada na mesma situação: “É uma íngua”.

Seu filho, apelidado Nem, um dia arrumou uma namorada, e quando o Pedrinho a conheceu foi logo dizendo:

— O Nem é um jumento, né, você não vai aguentar dormir com ele...
Ela fez cara brava, porque jumento é conhecido pelo tamanho enorme do pênis, mas antes que falasse qualquer coisa ele continuou:
— ... Ronca a noite inteira. Um jumento mesmo, né!

Lá por volta de 1970, encontrei o Pedrinho num bar. Era tempo de ditadura, em que as pessoas tinham medo de falar o que pensavam. 

Falar mal do governo podia dar cadeia e, conforme o caso, tortura e morte. Então, era um tempo de silêncio, ruim. Provoquei o Pedrinho:

— O senhor que consegue filosofar sobre muitos assuntos, falar frases sábias, pode me dizer alguma coisa sobre a ditadura?
Ele ficou em silêncio alguns segundos, olhou para mim e disse:
— Na ditadura, a vida é íntima...

Edição: Guilherme Henrique