Rio de Janeiro

VIOLÊNCIA

Expectativa de vida na Maré é de 74, mas média das mortes é de 24 anos, diz relatório

Boletim da ONG Redes da Maré chama a atenção para quadro de violações que atingem mais de 140 mil moradores da região

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Relatório aponta que operações policiais diminuíram mas o número de mortes praticamente não foi alterado
Relatório aponta que operações policiais diminuíram mas o número de mortes praticamente não foi alterado - Agência Brasil

A Organização Não Governamental Redes da Maré lançou na tarde da última quinta-feira (21) o terceiro Boletim “Direito à Segurança Pública na Maré”. O documento traz os dados reunidos pela ONG ao longo do ano de 2018 e mostra as violações de direitos humanos às quais os moradores do Conjunto de Favelas da Maré são submetidos.

Os dados do Boletim retratam que embora o número de operações policiais nas comunidades tenha diminuído (41 em 2017 e 16 em 2018) o índice de mortos decorrentes dessas ações praticamente não se alterou. Ao todo foram 20 mortes em 2017 e 19 em 2018. 

A coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, Silvia Ramos, foi uma das convidadas do evento. Ela explicou que a lógica da segurança pública está equivocada. "Quanto mais políticas de segurança pública baseadas em operações, mais mortes, mais tiroteios, mais balas perdidas", explicou.

Para a pesquisadora, a tática adotada pelas forças de segurança é ineficaz. "Você já viu matarem 13 em uma favela e o tráfico acabar no outro dia? Não, pelo contrário. Ele se rearticula. Vão matar quantos ainda nessa lógica? Ano passado foram mais de 1.500. Esse ano serão 2.000?", se indignou a cientista social diante dos dados. 

Ela também foi coordenadora do Observatório da Intervenção, grupo que monitorou a intervenção militar no Rio de Janeiro durante o último ano e também lançou um estudo sobre o tema. "Esses não são dados para ficarem nas estantes acadêmicas, são para interferir na realidade", disse Ramos. 

Um dos índices mais dramáticos do boletim mostra que a média de expectativa de vida na Maré é de 74 anos, mas a média das mortes na comunidade é de 24 anos. Outro dado que revela a realidade da segurança pública no Rio é relativo a taxa de mortes por intervenção de agentes públicos a cada 100 mil habitantes. A taxa do estado é de nove mortes a cada 100 mil habitantes, a cidade do Rio é 8,4. Contudo, na Maré, o índice é quase o dobro com 13,7 mortes, enquanto no bairro do Leblon, na zona sul, a mesma taxa é de 2,2. 

A jovem moradora da Maré, ativista e participante da "Mandata Marielle Franco", Rayanne Soares demonstrou indignação ao falar sobre os número apresentados. "Por essa estatística eu que tenho 22 anos, só tenho mais dois anos de vida. Nossa morte é justificada pelo território em que a gente está", declarou Soares, que atualmente é assessora parlamentar do mandato da deputada estadual Renata Souza (PSOL). 

O documento porém traz algumas notícias animadoras, como o próprio número de operações policiais, que diminuiu de 41 para 16, uma redução de 61%. O número de feridos por arma de fogo também reduziu 82% e de homicídios em 43%.

Mobilização

A coordenadora do eixo de segurança pública e acesso à justiça da Redes da Maré, Lidiane Malanquini, atribuiu os índices à mobilização dos moradores e das instituições locais que convergiu na Ação Civil Pública (ACP) do Conjunto de Favelas da Maré. A ação foi um instrumento jurídico feito pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, com base em relatos e informações cedidas por moradores e organizações do complexo.

"A gente tem um processo de mobilização comunitária muito forte na Maré, os moradores  e as instituições locais são protagonistas das suas histórias. A comunidade se mobiliza para pensar segurança pública não só na perspectiva de denunciar, mas também sobre como criamos estratégias e soluções para o tema. A Ação Civil Pública, por exemplo, foi fundamental nesse processo", contou Malanquini. 

A ACP denunciou graves violações de direitos que acontecem nos dias de operação policial. O poder Judiciário concedeu liminar em junho de 2017 determinando que uma série de medidas fossem adotadas para garantir o direito de moradores da Maré. Uma das medidas foi a solicitação de um plano de redução de danos e riscos durante as operações policiais. Um gráfico apresentado no Boletim revela que a ACP foi um ponto de virada em fatores relacionados à segurança local.

O ouvidor geral da Defensoria Pública, Pedro Strozenberg, ressaltou a importância de diminuir ainda outros fatores, como a invasão de casas por agentes do estado. "O drama das mortes é a questão mais limítrofe. Mas há outros direitos que precisam ser respeitados", declarou. Para ele, a situação que ainda é grave é resultado de uma lógica própria para territórios de favela. "Temos governantes que apostam nas armas e não na educação e cultura para lidar com esses locais", afirmou.

No evento também estava presente Bruna da Silva, moradora da Maré e mãe do menino Marcos Vinícius, de 14 anos, morto no caminho da escola em uma operação policial no dia 20 de junho do ano passado. Para ela, esses relatórios são uma grande arma a favor da população. "A gente se articula da melhor maneira possível. Num espaço como esse vemos que não estamos sozinhos e que a nossa comunidade tem voz", concluiu. 

Edição: Jaqueline Deister