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A chuva que não vem

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No dia seguinte, a chuva havia chegado a Formosa, na divisa com o Distrito Federal
No dia seguinte, a chuva havia chegado a Formosa, na divisa com o Distrito Federal - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Chega a ser mais seco do que o deserto do Saara

Meu amigo Luizinho morava em Brasília, numa bela casa do Lago Norte, com um terreno bem grande. Ele tinha uma empregada goiana que não era bem uma empregada, era um patrimônio de bondade. Velhinha, estava com a família desde que sua mulher era um bebê. Mas tinha uma coisa, era vagarosa demais. Andava devagarinho, falava devagarinho, pensava uma coisa de cada vez. 

Todos sabem da secura do ar de Brasília no mês de agosto, às vezes esticando por setembro. Chega a ser mais seco do que o deserto do Saara. E isso é um problema para as pessoas, que passam mal e chegam a sangrar o nariz, e para as plantas novas, que murcham e às vezes morrem.

Em um final de agosto, o Luizinho comprou um monte de mudas de fruteiras e plantou em seu quintal, contando com a chuva que chegaria breve, lá pelo final de setembro. Mas ela não vinha e a secura do ar brasiliense castigava as plantas. Mesmo regando diariamente, não resolvia. Precisava chover. A chuva, além de substituir a rega, traria a umidade do ar que as plantas precisavam.

Um dia chegou a notícia: está chovendo no norte de Goiás. E o Luizinho se alegrou, com a expectativa da chegada das águas para dali uns dias.  No dia seguinte, a chuva havia chegado a Formosa, na divisa com o Distrito Federal. Mais um dia, e ela atingiu Planaltina, a cidade satélite mais distante do Plano Piloto de Brasília. No outro dia, chegou a Sobradinho, já bem perto. 

— Amanhã chega aqui — comemorava o Luizinho em sua casa no Lago Norte.

De manhãzinha, ele foi trabalhar animado, olhando as nuvens escuras que se aproximavam. Lá pela hora do almoço, foi até o último andar do prédio em que trabalhava, no centro de Brasília, e comprovou: chovia no Lago Norte. Desceu animado e telefonou pra sua casa. Depois de tocar umas oito vezes, o telefone foi atendido pela Cida, sua empregada sossegada que só ela, e ele gritou animado:

— Cida... Tá chovendo! Que bom, hein Cida?! Tá chovendo!

Ela respondeu seca:

— Aqui num tá, não.

Ele levou um susto. Falou:

— Não é possível. Eu olhei lá de cima e está chovendo por aí tudo.

— Aqui, não — ela insistiu.

Ele ficou até meio passado, perdido, exclamando:

— Caramba... será que só na minha casa é que não chove? 

Ela falou calmamente:

— Espera um pouco...

Demorou uns dois minutos, e falou de novo:

— Luiz...

— Fala, Cida — ele falou ansioso. 

E ela concluiu:

— Lá fora tá, viu?
 

Edição: Júlia Rohden