Segurança pública

Moro fere Constituição ao liberar uso da Força Nacional na Esplanada, diz oposição

Partidos apontam inconstitucionalidade na medida e tentativa de intimidação de protestos populares

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Força Nacional é empregada a pedido de governadores estaduais e em caso de necessidade de  reforço da segurança local
Força Nacional é empregada a pedido de governadores estaduais e em caso de necessidade de reforço da segurança local - Brasil de Fato | Brasília (DF)

A divulgação da portaria assinada nessa quarta-feira (17) pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, que autoriza o uso da Força Nacional de Segurança Pública durante 33 dias na Esplanada dos Ministérios, localizada nas proximidades do Congresso Nacional, em Brasília (DF), causou preocupação e consternação em movimentos sociais, partidos opositores e membros da sociedade civil preocupados com a democracia. 

Entre outras coisas, os partidos apontam que a norma fere os princípios constitucionais da inviolabilidade da liberdade de expressão e da liberdade de manifestação, expressos no artigo 5º da Constituição Federal. Os parlamentares afirmam que a iniciativa traz risco de cerceamento dos protestos organizados por setores populares. A preocupação se dá especialmente porque estão agendadas para ocorrer, na Esplanada dos Ministérios, diferentes ações sociais no mesmo período ao qual se refere o dispositivo.

Publicado no Diário Oficial da União (DOU), o dispositivo entrou em vigor na mesma data. A novidade inaugurou mais uma frente de batalha para a oposição na Câmara dos Deputados. Ainda na quarta (17), a liderança da minoria, as bancadas do PT e do PSOL protocolaram diferentes Projetos de Decreto Legislativo (PDLs) pedindo a suspensão da medida – chamada oficialmente de Portaria 441/2019.

De acordo com a assessoria do Ministério da Justiça (MJ), a norma foi editada a pedido do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ligado à Presidência da República e comandado pelo general Augusto Heleno. Do ponto de vista funcional, o órgão responde por questões de segurança do chefe do Executivo e pelas ações de inteligência do governo.

“Obviamente, não é por acaso que o GSI e o MJ, a partir do ministro Moro, tenham definido 33 dias pro cercamento da Esplanada dos Ministérios. É uma tentativa, sim, de impor medo aos movimentos populares que têm caravanas agendadas para Brasília e sobretudo de tentar diminuir e cercear a livre organização, a liberdade de luta e de mobilização de todos os ativistas do Brasil”, critica a vice-líder da bancada do PSOL, Fernanda Melchionna (RS).

Entre os eventos agendados, destaca-se o Acampamento Terra Livre (ATL), organizado há 15 anos por movimentos indígenas de diferentes regiões do país, que deve ocorrer entre os dias 24 e 26 deste mês – próximo à data em que se comemora o Dia do Índio, 19 de abril. Este ano, o ATL tem como uma das pautas o combate à Medida Provisória (MP) 870, que esvaziou a Funai e foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) nos primeiros dias de governo.

O evento é interpretado como o possível alvo imediato da nova portaria porque, na semana passada, o presidente criticou o ATL, sugerindo que as despesas do acampamento ficariam a cargo do “contribuinte” – na sequência, o movimento indígena rebateu o ex-capitão reformado, destacando que o evento é custeado por meio de doações e, portanto, sem dinheiro público.

Outras ações estariam previstas para ocorrer no período de vigência da norma, como é o caso de protestos da categoria dos professores e do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, data para a qual diferentes segmentos populares discutem uma possível unificação do calendário de lutas em um ato em Brasília contra as iniciativas de retirada de direitos.

Para o deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), a portaria do governo dialoga também com a Câmara dos Deputados, que deverá votar na próxima semana a reforma da Previdência, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Sem apoio suficiente para aprovar a proposta, o Planalto tem se desgastado no corpo a corpo com parlamentares, em meio a problemas de articulação política e ainda a fortes críticas relacionadas à rigidez da reforma, que é considerada a pauta mais impopular da gestão Bolsonaro. Nas últimas semanas, por exemplo, diferentes segmentos profissionais têm feito protestos na porta da Câmara para demarcar oposição à medida.

“A presença, aqui na Esplanada, da Força Nacional é uma tentativa [do governo] de intimidar o Poder Legislativo e os movimentos sociais e, portanto, inviabilizar a mobilização social contra a reforma da Previdência e outra perversidades. Isso tudo sinaliza vitórias, lutas, combatividade, apesar da tentativa de constrangimento que o governo tenta impor”, considera Edmilson Rodrigues.  

Funcionalidade

Os opositores diagnosticam ainda outros problemas na portaria. A bancada do PT, por exemplo, cita o Decreto nº 5289/2004, que traz, entre outras coisas, as normas de utilização da Força Nacional.

O documento determina que tais tropas somente podem ser utilizadas nos estados e no Distrito Federal depois de serem solicitadas pelo governador. Também prevê que a Força Nacional deve ser empregada especificamente em situações que exijam um reforço da segurança local.

O partido destaca que, no caso do DF, não houve solicitação oficial do governo e a bancada acredita que não há necessidade de auxílio na segurança da Esplanada, geralmente patrulhada pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Os parlamentares endossam o discurso de que o emprego das tropas federais no local teria objetivos políticos.

“A Força Nacional não foi criada para hostilizar movimentos sociais. Ela não foi criada para impedir que o povo brasileiro lute pelos seus direitos”, critica o líder da bancada na Câmara, Paulo Pimenta (PT-RS).  

Distrito Federal

O sindicalista Rodrigo Rodrigues, membro dos coletivos distrital e nacional da Frente Brasil Popular (FBP), considera a medida “uma demonstração da incapacidade de diálogo social do governo Bolsonaro”.

“O governo tenta intimidar a organização da classe trabalhadora, mas isso não vai nos calar”, disse, em entrevista ao Brasil de Fato.

Rodrigues também comentou a reação do governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha (MDB), que comemorou a decisão de Sérgio Moro. De tendência conservadora e tendo apoiado Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018, o emedebista não poupou elogios ao ministro.

“É uma pessoa da mais alta responsabilidade. Sabe do problema de segurança que o DF passa por conta dos presos federais que estão aí e também por conta desses movimentos sociais. Tudo tem que ocorrer com muita segurança”, afirmou Ibaneis, evitando tocar nas críticas referentes ao risco de limitação dos protestos.  

“Ele abre mão de uma prerrogativa que é do próprio governo do DF, que é o da segurança nas áreas da Esplanada. A medida foi tomada pelo Ministério da Justiça sem dialogar com o próprio governo local, então, há um ferimento aí da autonomia do DF, e o governador compactua com isso. É lamentável que ele elogie uma medida que, na verdade, visa restringir o direito de manifestação”, critica Rodrigues.

Quando se manifestou sobre o caso, Ibaneis disse que não havia conversado com o ministro antes da edição da portaria, mas que Moro teria “prerrogativas em relação à Esplanada”. “[Ele] está fazendo tudo com o maior alinhamento e certamente tem conversado com o secretário de Segurança (Anderson Torres)”, completou.

O PDL protocolado na Câmara pela liderança da minoria sublinha que a portaria não faz referência ao governo do DF nem a possíveis ações conjuntas com a Secretaria de Segurança Pública do DF ou com a PMDF. “Isso revela o caráter autoritário da medida e uma violação ao princípio da autonomia dos entes federativos, consagrado no art. 18 do texto constitucional”, ressalta o documento, assinado pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).   

Na tarde desta quinta-feira (18), após a repercussão do caso, a Polícia Militar do DF soltou uma nota para a imprensa afirmando que o emprego da Força Nacional “em apoio à PMDF nas manifestações na Esplanada dos Ministérios” teria sido decidido após reunião com o GSI e “em comum acordo”.

A ideia, segundo a instituição, seria utilizar as tropas na segurança física dos prédios públicos “devido à necessidade de preservar a ordem pública”. “O emprego da Força Nacional irá potencializar o trabalho da PMDF e garantir com melhor qualidade a segurança de todos”, acrescenta o texto.

GSI

O Brasil de Fato procurou ouvir o Gabinete de Segurança Institucional a respeito do caso. Em nota enviada à reportagem, o órgão disse que a solicitação feita ao MJ seria “de caráter preventivo e tem como objetivo garantir a segurança do Patrimônio Público União ‐ Ministérios ‐ e de servidores, em função da previsão de manifestações na Esplanada dos Ministérios”.

“Registramos que esse procedimento faz parte da definição de atribuições que constam do Protocolo Integrado de Segurança da Esplanada dos Ministérios do Governo do Distrito Federal”, complementa o Gabinete.  

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira