Relatório

Revelada coparticipação de empresas estrangeiras na tragédia socioambiental do Brasil

Documento da Apib revela participação indireta de empresas em desmatamentos e invasões a territórios tradicionais

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Com relatório, empresas que fazem desmatamento e invasões a terras indígenas podem ter dificuldades para fazer negócios no exterior
Com relatório, empresas que fazem desmatamento e invasões a terras indígenas podem ter dificuldades para fazer negócios no exterior - Foto: Raphael Alves/AFP

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou, nesta quinta-feira (25), um relatório que mostra, pela primeira vez, como as empresas de soja, gado e madeira responsáveis por invasões de terras indígenas e pelo desmatamento da Amazônia brasileira realizam transações comerciais livremente e recebem financiamento de companhias estrangeiras. 

Segundo a Apib, uma investigação independente identificou e examinou “as transações comerciais das empresas brasileiras” que estão por trás do desmatamento ilegal e rastreou sua relação com empresas europeias, estadunidenses e canadenses. 

“Os autores do relatório analisaram as principais multas por desmatamento ilegal cometidas por 56 empresas brasileiras que foram cobradas pelo órgão ambiental brasileiro Ibama desde 2017”, informa a Apib.

Ainda segundo a organização, a pesquisa identificou 27 empresas importadoras e comercializadoras de commodities que realizam negócios com empresas brasileiras. Além disso, “também revelou uma série de conexões entre dezenas de instituições financeiras internacionais de alto nível e as principais empresas brasileiras de frigoríficos e os principais comerciantes globais de commodities que distribuem soja para os mercados globais”. 

Eloy Terena, assessor jurídico da Apib, explica que o relatório surgiu a partir de uma demanda do próprio movimento indígena.

“Todas as vezes que chegávamos no Parlamento Europeu denunciando o agronegócio que produzia ou adquiria matéria-prima em áreas de conflito indígena, os parlamentares perguntavam: ‘Mas quem são as empresas?’ E a gente não sabia. A gente não tinha isso sistematizado. Então, o relatório vem justamente para isso, para subsidiar essa demanda do movimento indígena”.

Entre as empresas citadas no relatório, estão a Brighton Collectibles, uma popular loja de assessórios dos Estados Unidos, a britânica Nordisk Timber Eireli, extratora e comercializadora de madeira em diversos países da Europa, além das financeiras Credt Suisse, da Suíça, Commerzbank, da Alemanha, e a JPMorgan Chase, dos Estados Unidos. 

“Nós entendemos que muitas dessas ações que são praticadas pelo agronegócio, a partir do momento em que houve esses embargos econômicos, eles vão começar a observar mais a legislação, não só ambiental como os direitos dos povos indígenas. O que nós queremos é que os direitos das comunidades e dos povos indígenas sejam respeitados”, afirma Terena. 

Finalmente, o relatório menciona um documento da ONG Amazon Watch, que compilou evidências de que o Brasil está sofrendo “o mais severo ataque às proteções sociais e ambientais dos últimos 30 anos, especialmente contra os povos indígenas”. Entre as evidências estão o aumento em 150% do número de invasões ilegais de territórios indígenas desde que Jair Bolsonaro assumiu o governo, a retirada da Fundação Nacional do Índio (Funai) do âmbito do Ministério da Justiça para a pasta dos Direitos Humanos, bem como a transferência da demarcação de terras indígenas do Ministério da Justiça para a Agricultura.  

Para Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Apib, já na campanha, o presidente Jair Bolsonaro manifestava sua aversão aos direitos das comunidades tradicionais, o que foi levado à prática do seu governo logo nos primeiros dias. 

“O governo Bolsonaro representa uma tragédia para nossas pautas. No dia primeiro de janeiro, fomos tomados pela medida provisória 870, que tanto desmontou a estrutura de Estado como também desmontou a política indigenista”. 

A medida provisória 870 foi editada no primeiro dia do governo do novo presidente Bolsonaro e estabeleceu a organização básica dos órgãos ligados à Presidência da República, bem como de seus ministérios. O relatório contempla um espaço dedicado a figuras políticas do alto escalão do governo federal, como aponta Terena. 

“Nós aproveitamos para fazer um link com alguns atores políticos do governo Bolsonaro. Então, traz um perfil, por exemplo, da Teresa Cristina, a ministra da Agricultura, e os contratos que ela tem com esses mercados internacionais, e também traz um perfil do Nabhan [Garcia], que é o secretário especial de assuntos fundiários”. 

Acampamento em Brasília

A divulgação do relatório coincide com a realização do Acampamento Terra Livre, que reúne mais de 5 mil indígenas na capital federal entre os dias 24 e 26 de abril. O encontro é realizado desde 2004.

Em uma transmissão ao vivo por meio de redes sociais, no último dia 11 de abril, o presidente da República Jair Bolsonaro chamou o Acampamento Terra Livre de “encontrão de índios” e afirmou que o evento estava sendo realizado com dinheiro público.  

Acampamento Terra Livre acontece em Brasília até a sexta-feira (26). Foto: José Cruz/Agência Brasil

Para Guajajara, as palavras do presidente não intimidam os indígenas. “Nós estamos de pé, chegando a Brasília, para mostrar que a gente não vai se render à ameça de governo autoritário nenhum. A gente não vai recuar diante de políticas injustas, diante de políticas fascistas que querem ameaçar e impedir nossos povos de chegarem a Brasília”. 

o ministro da Justiça, Sérgio Moro, autorizou o uso da Força Nacional para atuar na “segurança” da Esplanada dos Ministérios durante o evento indígena. 

“Ele tentou nos intimidar por meio do seu ministro da Justiça, Sérgio Moro. Quando soube do acampamento Terra Livre chegando a Brasília, publicou a portaria autorizando o uso da Força Nacional para inibir os nossos povos de chegarem a Brasília. E a gente seguiu em marcha, saindo de todos os cantos, para mostrar que a gente não tem medo, que a gente não vai recuar”, disse Guajarara. 

No acampamento de 2017, a Polícia Militar usou bombas de gás, balas de borracha e spray de pimenta para impedir que os índios entrassem no Congresso. Quatro indígenas foram detidos.

*Colaborou Rafael Tatemoto.

Edição: Vivian Fernandes