Entrevista

Socióloga vê racha no governo Bolsonaro e teme alternativa mais autoritária

Para pesquisadora Esther Solano, presidente não tem conseguido conciliar as forças que o elegeram

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Autora do livro “O ódio como política”, Solano analisou a base eleitoral do atual governo
Autora do livro “O ódio como política”, Solano analisou a base eleitoral do atual governo - Divulgação

Na última semana, posicionamentos nas redes sociais tornaram visíveis desentendimentos entre alguns dos principais membros da cúpula do governo de Jair Bolsonaro (PSL). Pelo Twitter, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) trocou críticas com o guru do presidente, o escritor Olavo de Carvalho, enquanto foi alvo de declarações violentas do vereador Carlos Bolsonaro (PSC), filho do mandatário.

Diante das discussões públicas entre seus aliados e da baixa popularidade do presidente, começam a surgir questionamentos sobre a continuidade de Bolsonaro à frente do governo. Para a socióloga e professora da Unifesp Esther Solano, o mandatário virou refém do “bolsonarismo”. “Militares vão por um lado, Paulo Guedes por outro, e Moro por outro. A força de Bolsonaro, que foi juntar todo mundo na candidatura, agora é fragilidade porque ele não consegue transitar entre todas as forças”, analisa.

Durante o último período eleitoral, Solano realizou uma pesquisa focada no perfil dos eleitores de Jair Bolsonaro que resultou no lançamento do livro “O ódio como política”, em outubro de 2018. Ela alerta para o fato de que um possível impeachment do presidente pode não ser uma boa saída para o país. “Fico preocupada, porque insisto que o Bolsonaro não é o problema. Todos os sujeitos perto dele e a base eleitoral de seu governo vão continuar”, argumenta.

Confira a entrevista exclusiva que a pesquisadora concedeu ao Brasil de Fato.

Brasil de Fato: O que é o bolsonarismo?

Esther Solano: O que eu denomino bolsonarismo é um conjunto de vários elementos, alguns dos quais já estavam presentes na sociedade brasileira. Outros foram potencializados pela candidatura do Bolsonaro. Primeiro, a lógica neoliberal que vem com a figura do Paulo Guedes, mas também com a lógica meritocrática. Depois, a lógica neoconservadora, com o discurso de defesa da família e de recuperar valores, ligado aos ministros Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), que se aproxima muito do fundamentalismo religiosa. Depois, tem a política da inimizade, que consiste em rotular o oponente político como inimigo, então o PT e o marxismo cultural são esses inimigos.

Bolsonaro se tornou refém do bolsonarismo? 

Ele se tornou refém porque todas essas ideias que eu citei, o neoliberalismo, o militarismo, o conservadorismo e também igrejas evangélicas foram boas, até porque deram a ele a vitória. Agora governar é muito mais complicado.

São grupos diferentes e muitas vezes divergentes. Militares vão por um lado, Paulo Guedes, por outro, e Moro, por outro. A força de Bolsonaro, que foi juntar todo mundo na candidatura, agora é fragilidade porque ele não consegue transitar entre todas as forças. E tem o embate da velha política e da nova política, tem muita gente nova no PSL que não conhece os ritos políticos, e até os despreza.

Você entrevistou eleitores do Bolsonaro das classes D e E. Por que pobres votaram no Bolsonaro?

Eles enxergam no Bolsonaro uma mudança, pensam que ele é um político diferente, que é novo e isso pega no discurso do “antissistema”. Porque se enxerga em Bolsonaro uma pessoa que vai proteger valores tradicionais, a família e a religião. Por último, o antipetismo, muita gente que já votou no PT, mas que pensa que o ciclo do partido se encerrou, e comprou a retórica da corrupção.

Você fala muito que perdemos a noção de “política do pequeno” e de “política do dia a dia”. No que consistem essas ideias e como recuperá-las?

As pessoas têm uma noção de que política é uma coisa muito abstrata, que está muito longe. Mas política é o cotidiano, é a escola, o bairro e a associação de moradores. Essa política do micro passa pelo fortalecimento das relações políticas no seu bairro, com assembleias e encontros. Isso cria capilaridade e reaproxima as pessoas da política.

A ideia é que as pessoas não pensem a política somente como o que acontece em Brasília, do cara que trabalha lá, que ela pensa que é um ladrão. Mas sim que se pense em política na reunião de pais na escola, lutando por uma escola pública melhor, por exemplo.

Outra característica de Bolsonaro é o combate aos intelectuais. Você, como pesquisadora e intelectual, como enxerga essa postura?

Isso é parte da luta do campo que Bolsonaro representa pelos símbolos e pelas narrativas. A intelectualidade, a academia e a cultura são os grandes inimigos. A academia luta por um consenso científico e técnico, que vai contra a operação das fake news e das mentiras. Se você quer um modelo de escolas sem partidos, você vai ter alunos instrumentalizados, formados para serem trabalhadores e acríticos. Perfeito para eles. Mas eles estão fazendo o trabalho deles, nós temos que fazer o nosso.

Você mapeou os campos que formam o governo Bolsonaro. Nessa semana, Mourão trocou farpas e acusações com o vereador e filho do presidente, Carlos Bolsonaro, e também com o escritor Olavo de Carvalho. Considerando essa diversidade de campos no governo, você acha que Bolsonaro termina seu mandato?

Eu tenho dúvidas se o Bolsonaro termina o governo dele. Mas fico preocupada, porque insisto que o Bolsonaro não é o problema. Todos os sujeitos perto dele e a base eleitoral de seu governo vão continuar. Se Bolsonaro cai, mas continuamos tendo o grupo dos Chicago Boys (economistas formados na Universidade de Chicago) com Paulo Guedes, Moro no Ministério da Justiça, e militarização no Planalto, não muda nada. O problema disso tudo é que você pode ter um governo que se fragiliza e a alternativa ser mais autoritária.

Os militares estão de volta à política brasileira. Onde você os posiciona no jogo político?

Eles se aproximaram do neoliberalismo, mas não tanto ao ponto de estar próximo do Paulo Guedes. Junto com eles, vem a ideia de que os princípios militares são importantes para manter a correção e a ordem. Na Segurança Pública, há mais militarização dos espaços. O Moro, por exemplo, criou o projeto para ter a Força Nacional na Esplanada dos Ministérios. Aí que está o perigo, porque mesmo que os militares não tivessem força no governo, a ideia de militarização está presente.

Edição: Rodrigo Chagas