ESTADO DE EXCEÇÃO

Entidades criam comitê permanente em defesa dos movimentos sociais

Ato pela liberdade de lideranças presas na segunda-feira (24) denuncia conluio entre governos, judiciário e mídia

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Manifestantes saíram em passeata pelo centro de São Paulo
Manifestantes saíram em passeata pelo centro de São Paulo - Rodrigo Gomes | RBA

Organizações populares de São Paulo anunciaram nesta quarta-feira (26) a criação de um Comitê Permanente contra a criminalização dos movimentos sociais.

O anúncio do Comitê aconteceu durante ato que reuniu diversas organizações e centenas de pessoas na região central de São Paulo em protesto contra as prisões de quatro lideranças do movimento de moradia, na última segunda-feira (24), num processo arbitrário e pouco transparente.

“A gente tem muita clareza de que é um processo político, uma perseguição política que não vai parar com essas prisões. Porque a gente sabe que o governo municipal, o governo do Estado e o governo federal têm um projeto antipovo”, afirmou Hugo Fanton, da CMP.

Segundo Fanton, essa articulação passa também por setores do poder Judiciário e da mídia.

“Em maio, o Fantástico [da Rede Globo] fez uma reportagem para criminalizar os movimentos. E para responder ao Fantástico, para responder ao poder da Rede Globo, que tem articulação com a especulação imobiliária, que não quer que tenha atuação de movimentos sociais, nesse conluio eles promoveram essas buscas, apreensões e prisões temporárias de alguns dos nossos militantes”.

Lideranças religiosas presentes ao ato também apontaram para o abuso da ação do Estado contra os militantes e o movimento social.

“Neste momento difícil pelo qual o país passa, com mais essa prisão arbitrária e a criminalização dos movimentos populares, viemos para a rua para denunciar mais uma vez essas arbitrariedades, esse golpe contra os inocentes”, alertou o padre Jaime Crowe, da Diocese de Campo Limpo.

O pastor Ariovaldo Ramos, do grupo Evangélicos por Direitos, foi mais enfático ainda, acusando a existência de uma “trama” entre a “ditadura do judiciário” e um “executivo corrupto”.

“É um desrespeito à democracia e à civilização. O único jeito de enfrentar a ditadura do judiciário que se mancomuna com um executivo corrupto que nós temos no estado de São Paulo e no Brasil, é vir pras ruas”, disse.

A marcha saiu do Pátio do Colégio, seguiu até a Secretaria de Estado da Segurança Pública e depois à sede do Tribunal de Justiça de São Paulo. No trajeto, os militantes distribuíram um manifesto pedindo a libertação imediata das lideranças presas.

“Mais uma vez, o Sistema de Justiça e o estado de São Paulo abrem as alas da violência institucional que oprime o povo pobre que ousa resistir e lutar pela superação da desigualdade social e fazer valer o direito básico e constitucional de moradia”, diz um trecho do documento.

Sem direito de defesa

A prisão das lideranças Angélica dos Santos Lima, Sidney Ferreira Silva, Janice Ferreira Silva (conhecida como Preta Ferreira) e Ednalva Silva Ferreira ocorreram no contexto de uma investigação sobre as operações financeiras das entidades – que são acusadas de “extorquir” moradores de ocupações com cobranças supostamente indevidas de taxas de manutenção dos prédios, em torno de R$ 200 por família.

O delegado André Vinícius Figueiredo, que pediu as prisões, afirma que a apuração é uma decorrência do inquérito que teve início após o incêndio no edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandú, em 1º de maio de 2018. A tragédia deixou sete vítimas fatais, duas desaparecidas e 291 famílias desabrigadas.

O inquérito tem por base supostas cartas anônimas de moradores das ocupações, mas somente nas últimas horas os advogados de defesa tiveram acesso ao processo para avaliar o teor, a profundidade e a credibilidade das supostas acusações.

Fanton, da CMP, explicou que os rateios de custos são norma nas ocupações e, mais do que isso, fundamentais para manter a segurança dos prédios.

“As ocupações, como qualquer condomínio, fazem um rateio. Isso é previsto em estatuto e assembleia. As famílias, ao entrarem na ocupação, concordam com isso. Porque você tem gasto de luz, gasto de manutenção, tem ocupação até com elevador. E, como em qualquer condomínio, tem um rateio entre os moradores, e tem prestação de contas e assembleias periódicas que verificam o que vai ser feito com esse recurso”, disse.

*Com informações de Marcos Hermanson

Edição: João Paulo Soares