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Jovens da São Remo voltam para casa e comemoram liberdade entre família e amigos

Brasil de Fato acompanhou recepção de Ytalo e Arlailson após audiência que decidiu liberar os adolescentes

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Jovens se abraçam em frente à casa de Ytalo, no bairro Jardim São Remo, em São Paulo (SP)
Jovens se abraçam em frente à casa de Ytalo, no bairro Jardim São Remo, em São Paulo (SP) - Foto: Pedro Strapasolas

Foi nos abraços de amigos e familiares da comunidade Jardim São Remo, zona oeste da capital paulista, que os jovens Ytalo Gabriel Carvalho e Arlailson da Silva puderam sentir que a parte mais difícil do pesadelo que estão vivendo realmente havia acabado. 

Detidos no dia 16 de julho, os garotos são acusados de roubar um veículo e de terem feito uma refém no bairro do Jaguaré. A versão dos policiais militares e o reconhecimento da vítima, uma policial de 37 anos, foram os únicos fatores que levaram à internação de Ytalo e Arlailson na Fundação Casa do Brás.

Os dois jovens, que cursam o 3º ano do ensino médio e sonham em ser jogadores de futebol, alegam ser inocentes. Eles asseguram que saíram naquela noite em direção a casa da namorada de Ytalo, a 1,5 km do local onde teriam sido apreendidos.

:: Conheça as inconsistências do caso :: 

Devido a ausência de provas contundentes, o caso ganhou notoriedade e comoveu a comunidade São Remo. A terceira audiência do caso, acompanhada pelo Brasil de Fato, aconteceu na última quinta-feira, 15 de agosto.

Porém, aquela não foi uma audiência comum: Ytalo e Arlailson não estavam sozinhos. Do lado de fora do Fórum da 5ª Vara Especial da Infância e Juventude, no Brás, dezenas de amigos, familiares e colegas da escola aguardavam ansiosamente a decisão do juiz, com palavras de ordem pedindo justiça e reafirmando a inocência dos garotos. 

Após horas de espera na frente do Fórum, as mães de Ytalo e Arlailson, Maria Ivone de Carvalho e Iracema Rosa da Silva, trouxeram a notícia que motivou choros de alívio e gritos de comemoração. Depois de 30 dias de detenção, o juiz Rodrigo Marzola Colombini, decidiu "por livre convencimento" autorizar que os adolescentes respondessem em liberdade até o julgamento, marcado para 12 de setembro.

“Foi um processo muito doloroso. Muito cansativo, mas a verdade tem que ser dita. Igual o juiz disse: a Justiça tem que ser feita”, emocionou-se Maria Ivone, mãe de Ytalo.

Com um largo sorriso no rosto, Iracema, a mãe de Arlailson, contou que “sentiu uma tremedeira” quando soube que o filho responderia o processo em liberdade. 

“Tinha certeza que eu ia levar meu filho pra casa hoje. Estou muito emocionada, ele [o juíz] deu parabéns pelos filhos que nós temos", comemorou.

Os dois foram recebidos calorosamente ao saíram da Fundação Casa, com dois bonés combinando e com uma fila de pessoas que queriam abraçá-los.

Arlailson, que passou seu aniversário (último dia 9 de agosto) longe da família, levou as mãos ao rosto e respirou fundo para segurar a emoção que estava sentindo. “Hoje em dia, uma pessoa inocente vai presa por um ato que ela não fez. Mesmo eu sendo inocente, a palavra que vale mais é da vítima e dos policiais”, lamentou. 

Após agradecer àqueles que estavam presentes, Ytalo falou sobre os 30 dias que passou detido, separado, inclusive, de Arlailson, de quem é amigo há muitos anos. “Foi um momento muito difícil que passei na minha vida. Só porque moramos em favela, comunidade, qualquer coisinha somos acusados. Tenho que agradecer a Deus, a meu pai, minha mãe, e as pessoas que sabem que somos inocentes”, relatou. 

A festa na favela

Assim que souberam que Ytalo e Arlailson seriam liberados naquela noite, seus amigos do colégio se apressaram para preparar a recepção aos garotos na São Remo. 

Eram tantas pessoas que ficou difícil chegar à porta da casa de Ytalo. Na cozinha, ele conversava com seus familiares e agradecia à Deus por estar ali. 

“Eu via quando minha mãe ia lá me visitar, ela não conseguia nem olhar na minha cara. Eu via só tristeza. Estou tão feliz... esse pesadelo acabou”, resumiu Ytalo, dando um abraço apertado no avô.  

“Quando o menino chegou lá e me falou que ele tinha chegado o coração até bateu forte”, disse seu Ernesto Souza Farias, de 90 anos.  

Do lado de fora da casa, os amigos aguardavam para cumprimentar os garotos. Foram muitos abraços apertados que se repetiam a cada nova pessoa que chegava para participar da comemoração, com direito a churrasco e música.

Ali, naquele espaço, ao lado de tantas pessoas queridas, os jovens se reencontraram em um longo abraço, aplaudido pelos amigos. Juntos, acolhidos por uma grande e potente roda de oração, comemoraram sua liberdade. Em seguida, Arlailson pode ouvir o “Parabéns pra você” coletivo, do qual foi privado enquanto estava internado na Fundação Casa.

Apesar da acusação, os jovens do Jardim São Remo estão confiantes de que conseguirão comprovar de que não estão envolvidos no roubo do veículo. 

Eles não escondem a ansiedade para que o processo acabe, para que eles sigam de cabeça erguida. Assim como a certeza da inocência, os planos de serem jogadores de futebol seguem firmes e fortes. 

Ytalo, que foi vice-campeão da Taça das Favelas ano passado, não esconde que os 30 dias na Fundação Casa fizeram com que ele sentisse falta de estar nas quadras e nos gramados. 

"A saudade tá grande. Tava até falando para o professor que não vejo a hora de treinar. Ganhei uns 3 kg mas vou perder rapidinho porque quero jogar logo. É meu futuro. Eu vou seguir, vou ser bem maior. Agora minha vontade de vencer é maior do que antes”, afirmou. 

Entenda as inconsistências do caso 

Ao contrário da versão registrada no boletim de ocorrência (B.O), baseada somente nos depoimentos da acusação, os familiares afirmam que a inocência dos jovens pode ser comprovada.  

Seguindo orientação de Santiago Nakano, promotor da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), eles reuniram informações de geolocalização do celular de Ytalo e Arlailson e garantem que os dados mostram que os rapazes de fato seguiram o trajeto que alegaram fazer naquela fatídica noite. 

Ou seja, o mapeamento do telefone evidencia que eles não estiveram na praça onde ocorreu o assalto, nem onde o carro foi supostamente recuperado. Imagens de câmeras de seguranças de prédios comerciais também foram anexadas pela defesa e coadunam as informações dos celulares.

Mesmo com as imagens e com as inconsistências no depoimento dos policiais, de acordo com apontado pela família, a vítima manteve o reconhecimento dos dois jovens e prometeu trazer na próxima audiência, marcada para dia 16 de setembro, duas testemunhas que comprovariam sua versão.

Na ocasião, o material apresentado pelo advogado Francisco Chagas, da defesa de Ytalo e Arlailson, também serão analisados e o caso terá seu desfecho. 

Edição: Rodrigo Chagas