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Amazônia em chamas: 90% da madeira exportada é ilegal, diz Polícia Federal

Conforme as investigações, 25 empresas do setor madeireiro são suspeitas de cometer irregularidades

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Registro da apreensão de madeira no Porto Chibatão, em Manaus
Registro da apreensão de madeira no Porto Chibatão, em Manaus - Foto: PF/AM

A Floresta Amazônica está enfrentando as mais altas taxas de desmatamento e incêndios florestais dos últimos nove anos. Grande parte das derrubadas de árvores de espécies nobres segue o caminho do crime ambiental na produção madeireira. “Sendo otimista, 90% da madeira que sai da Amazônia é ilegal”. A afirmação é do superintendente da Polícia Federal no Amazonas, delegado Alexandre Saraiva. Com a experiência de atuar há dez anos na região, sendo quatro em Roraima, quatro no Maranhão e dois anos no Amazonas, ele alerta: “A gente vê aquelas fraudes, aquelas coisas ruins que aconteceram na Mata Atlântica há 100 anos, estão acontecendo do mesmo jeito na Amazônia”.

Mais que um desabafo, Saraiva tenta explicar por que está em curso um processo acelerado de destruição sistêmica da Floresta Amazônica, que envolve a comercialização ilegal de madeira entre o Brasil e 19 outros países. Uma investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas apontou que cargas de madeira ilegal apreendidas em Manaus seriam enviadas para os Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Inglaterra, Portugal, França, Holanda, Bélgica, China, Tailândia, Estônia, Lituânia, Itália, República Dominicana, Haiti, Porto Rico, Taiwan, Índia e México.

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A informação, obtida com exclusividade pela agência Amazônia Real, é resultado das investigações sobre o destino de mais de 400 contêineres de empresas com suspeita de irregularidade, iniciada no final de 2017, no Porto Chibatão, em Manaus. O grande volume de apreensão de carga ilegal resultou na operação Arquimedes 1 e 2, que em maio deste ano prendeu funcionários do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em vez de proteger a floresta, eles assinavam documentos fraudados para madeireiras da Amazônia, em troca de suborno.

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“São processos completamente fraudados. As madeireiras usam ‘laranjas’ para gerar créditos. Com o documento, tiram a madeira de um lugar que não está descrito ali. Ou porque é mata, é floresta intocada; ou porque não tem mais nada para tirar. De onde ele tira? De Terra Indígena, de Unidade de Conservação, de terras da União, ou de área fora da área do manejo”, explica o superintendente da PF no Amazonas.

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Empresa Amata, que tem concessão na Flona Jamari, é acusada de crime ambiental (Foto: Amata Brasil)

Parte da madeira ilegal da Amazônia também é comercializada no mercado interno do país, usada para o setor moveleiro e da construção civil, especialmente para as regiões Sudeste e Sul, segundo o superintendente.

A investigação da PF demonstrou que funcionários permitiam que os madeireiros retirassem madeira de áreas não autorizadas pelo Sistema de Emissão de Documento de Origem Florestal (Sisdof). Esse esquema permitia “esquentar” a madeira, isto é, criar uma aparência lícita para o que era ilícito. Sessenta e uma empresas madeireiras foram investigadas e 25 são suspeitas de cometer irregularidades no Documento de Origem Florestal (DOF).

“O vendedor é brasileiro, o comprador é estrangeiro. O mercado consumidor é o mercado americano e o europeu”, salienta o procurador da República Leonardo Galiano, do Ministério Público Federal no Amazonas, que também integrou a equipe da Operação Arquimedes. Ele observa que nem sempre a entrada da madeira em um determinado porto tem como destino final o país onde ele se localiza. A madeira pode ser vendida para países vizinhos daqueles onde os portos se localizam.

Galiano afirma que, atualmente, estão sendo feitas novas aferições, na continuidade da investigação, para atestar o mapeamento da origem da madeira. Também estão sendo investigados os nomes das empresas estrangeiras que compram madeira ilegal da Amazônia.

“Se essa madeira é ilícita, isso é uma preocupação que esses países devem ter. Pelo menos nas empresas nos quais esses países integram, existem mecanismos de responsabilização conjunta também para os compradores. Quem pode vir a ser responsabilizado não é apenas a matriz da madeira, mas quem está comprando, sabidamente ilegal, ou pelo menos com indicativo de que não se adotam medida de cautela para averiguar a origem da madeira”, afirma Galiano.

Um cenário de degradação

 

Exploração ilegal de madeira na Terra Indígena Pirititi, no Amazonas (Foto: Funai)

O geógrafo Carlos Durigan, diretor da WCS Brasil (sigla em inglês de Associação para Conservação da Vida Silvestre), ambientalista atuante há mais de 20 anos na Amazônia, afirma que a atividade de madeira seletiva pode impactar tanto na consolidação de um cenário de degradação ambiental, quanto em áreas florestais distantes das frentes de desmatamento e queimadas. “Considerando que a exploração seletiva também ocorre em contínuos florestais, muitas vezes com acesso apenas por rios, a atividade pode estar gerando danos e ameaça à sobrevivência de algumas destas espécies”, diz Durigan.

Rômulo Batista, ativista de campanhas da Amazônia do Greenpeace, afirma que a retirada de madeira, não raras vezes, é o primeiro passo para duas outras atividades ilícitas na Amazônia: a grilagem e o desmatamento.

“Tendo em vista que essa atividade é feita de maneira seletiva, ou seja, visa só as madeiras de alto valor comercial, muitas vezes focando em poucas, ou até somente uma espécie, extensas estradas têm que ser abertas”, diz Batista.

Caminho da madeira

 

Apreensão de madeira ilegal no Porto Chibatão, em Manaus (Foto: PF/AM/)

As madeiras extraídas ilegalmente e flagradas durante a fiscalização pelo Ibama, em dezembro de 2017, provinham do sul do Amazonas, de Rondônia e de Roraima. Sua origem era de terras indígenas e unidades de conservação, ou de áreas públicas não destinadas. “Era madeira para ir praticamente para toda a Europa Ocidental”, diz o superintendente da PF do Amazonas, Alexandre Saraiva.

De acordo com a PF, a carga apreendida em dezembro de 2017 chegaria aos seguintes portos: Roterdã, Savannah, Le Havre, Barcelona, Antuérpia, Tallinn, Reino Unido, Kaohsiung, Bangkok, Klaipeda, Mobile, Veracruz, Mundra, Bremerhaven, Xangai, San Juan, Yantian, Leixões, Caucedo, Fos-sur-Mer, Porto Príncipe, Seattle, Oakland e Livorno.

Das 25 empresas que já foram identificadas como suspeitas de retirarem e comercializarem madeira ilegal da floresta amazônica pela PF, uma delas já foi processada com ação civil pública pelo MPF. É a Amata S.A., que tem sede em São Paulo, e possui uma parte da concessão do governo federal para explorar a Floresta Nacional (Flona) do Jamari, em Rondônia.

A Flona Jamari foi criada em 1994 e possui uma área de 220 mil hectares, a 120 quilômetros de Porto Velho (RO). Destes, 96 mil foram destinados à concessão florestal. É a primeira Unidade de Conservação (UC) de uso sustentável com concessão implementada no país, em 2010.

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Três empresas venceram a licitação da concessão da Flona Jamari. A Amata Brasil, uma das vencedoras, ficou com 46 mil hectares.

 

A empresa Amata e a propaganda do manejo de baixo impacto na Flona Jamari (Foto: Amata Brasil)

A Ação Civil Pública (ACP) do Ministério Público Federal contra a empresa afirma que a Amata “extrapolou o limite da Flona Jamari em 2,4 km, atingindo outras áreas fora da Unidade de Conservação (UC) de uso sustentável”.

“As diversas inconsistências na emissão de DOFs pela Amata S/A: exploração além dos limites autorizados na Flona Jamari, abrangendo inclusive áreas caracterizadas em imagens de satélite como pastagem ou de plantio de cultura não identificada, bem como com tempo de transporte incompatível no sistema DOF; sugerem que houve, na verdade, apenas uma transferência de créditos de tora, estimando-se que o dano ambiental decorrente tenha atingido R$ 47.301.987,60. Frise-se que o ganho obtido pelo desmatamento pode superar em muito esta cifra”, diz ação, que tramita na 7ª Vara da Justiça Federal.

De acordo com o MPF, na ACP, os sócios-proprietários da Amata Brasil são Alexandro Martins Holanda, diretor da empresa desde 2013, Etelvina Carmona, Roberto Silva Waack e Dario Ferreira Guarita. Gilmar Bertoloti é ex-sócio, mas atualmente exerce o cargo de diretor operacional. Segundo a ACP do MPF, “todos, pelas posições ocupadas no quadro social empresarial, estariam no comando da Amata durante as fraudes, ditando seus rumos”.

No ano de 2017, a Amata foi uma das organizações a ingressar na Aliança pela Restauração na Amazônia por trabalhar com madeira certificada e atuação de boas práticas e técnica sustentável, cumprindo as leis ambientais em vigor no país. A Aliança é uma das instituições a defender a preservação e o desmatamento zero na Floresta Amazônica.

O que diz a Amata?

Em nota enviada à reportagem, a Amata Brasil respondeu que se trata “de um equívoco a empresa estar entre as companhias investigadas”, mas que segue “na certeza de que esse equívoco será esclarecido ao longo da apuração dos fatos”. A empresa afirma que operações como a Arquimedes “fazem parte de um esforço necessário para controlar o desmatamento e a exploração ilegal de madeira no Brasil”.

Essa agenda, diz a empresa, “é defendida pela Amata desde a sua fundação, em 2005 – e por isso celebramos tal avanço nos controles ambientais”. E a nota prossegue: “Primeira empresa a obter uma concessão pública federal para fazer o manejo florestal sustentável, a Amata segue os mais rigorosos padrões de produção e governança certificados por organizações internacionais independentes. Nascemos para demonstrar que é possível conciliar desenvolvimento econômico e manter a floresta em pé”.

Sob forte pressão

 

Queimadas em Rondônia (Foto: Vinicius Mendonça/Ibama)

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com base nos dados do Deter, a taxa de desmatamento na Amazônia cresceu no mês de julho 278% em comparação ao mesmo​ mês, em 2018. Já em agosto deste ano foi uma alta de 222% em relação ao mesmo período do ano passado.

O Programa Queimadas do Inpe apontou que os focos de calor (incêndios) somaram de janeiro até 12 de setembro 55.131 pontos, um aumento de 43% em relação ao mesmo período de 2018: 38.515. Mas é a maior taxa desde o ano de 2010, quanto o instituto registrou 79.915 focos de queimadas no bioma Amazônia. Os incêndios deste ano já destruíram a biodiversidade em várias terras indígenas. Leia a série Amazônia em Chamas.

O monitoramento da exploração autorizada e não autorizada na Amazônia ainda é escasso. Um dos poucos levantamentos foi feito pelas organizações Greenpeace e Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Entre 2007 e 2017, o Imazon reuniu dados do Pará e do Mato Grosso, mas a organização diz que não é possível afirmar que as informações podem ser extrapoladas para toda a Amazônia.

No estudo, o Imazon diz que somente nos anos de 2015 e 2016, mais de 12 mil quilômetros de floresta foram degradados no Pará. Mais de 97% ocorreu por queimadas. O restante, por exploração madeireira.

“O que observamos é que nestas duas unidades da Federação, nas últimas análises realizadas (2016 e 2017), a atividade sem autorização concentrou-se em áreas privadas, devolutas ou sob disputa (85% do total detectado no PA, e 66% do total identificado em MT). A respeito da identificação das espécies retiradas nessas atividades, é possível cruzar esses dados espaciais com dados de movimentação de crédito madeireiro (esses dados volumétricos são disponibilizados por sistemas de controle como o Sisflora no PA e MT). Além disso, ressalto a importância de dados obtidos em campo para a checagem dos indivíduos que realmente são retirados”, diz Dalton Cardoso, pesquisador o Imazon.

Sobre o impacto da exploração seletiva de madeira para o desmatamento, Cardoso diz que depende da situação. “Se realizado seguindo as práticas preconizadas no Manejo Florestal Sustentável, além de não contribuir no aumento do desmatamento, ajuda a manter a sustentabilidade da floresta, biodiversidade, manutenção do microclima, de ciclos hidrológicos etc. Por outro lado, se realizada de forma predatória, pode degradar a floresta e fragilizar sua estrutura, contribuindo assim fortemente no processo de conversão para o desmatamento”, afirma.

Origem na ilegalidade
 

Desmatamento na Floresta Nacional de Aripuanã, no sul do Amazonas (Foto: Daniel Beltrá/Greenpeace)

Segundo o superintendente da PF Alexandre Saraiva, as empresas estrangeiras precisam ter conhecimento sobre a origem da madeira que compram. Para que isso ocorra, é necessário tomar medidas que levem os compradores a terem mais informações – e consciência de que estão sendo coniventes com a ilegalidade. Uma das iniciativas da PF e do MPF é o intercâmbio que os órgãos de fiscalização estão tendo com os países estrangeiros.

“O governo americano sempre foi muito enfático de que não aceita madeira ilegal. Eles querem buscar mais informações. Na Europa também. Estou indo para Haia, em uma reunião com a Europol, para falar sobre a Operação Arquimedes. Vamos levar informações e pensar nas formas de prevenção da madeira ilegal. Esses países estão colaborando conosco”, disse Alexandre Saraiva.

Algumas das iniciativas para potencializar as identificações não apenas da origem da madeira, mas da espécie derrubada, é um mecanismo tecnológico, atualmente em processo, para melhorar as perícias. Isso resultará na construção de um banco de amostra capaz de identificar a característica da madeira.

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Técnicos do IBAMA fazem cubagem e identificação botânica de madeira em serraria suspeita de receptação de Ipê ilegal, em Uruará, Pará, em outubro de 2017 (Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace)

Edição: Amazônia Real