DISPUTA

Como a invasão da embaixada venezuelana ameaça a estabilidade no continente

Relações entre a oposição venezuelana e a família Bolsonaro mostram vínculos entre bloco de direita regional

Caracas (Venezuela) |
Movimentos sociais fizeram vigília para defender sede diplomática venezuelana, que foi esvaziada depois de 12 horas
Movimentos sociais fizeram vigília para defender sede diplomática venezuelana, que foi esvaziada depois de 12 horas - Divulgação

A invasão da embaixada da Venezuela em Brasília (DF), nesta quarta-feira (13), abriu uma série de questionamentos sobre um suposto apoio do Itamaraty aos invasores e sobre a relação da família Bolsonaro com opositores venezuelanos. As cerca de 20 pessoas, entre brasileiros e venezuelanos, tentavam abrir espaço para que o corpo diplomático nomeado pelo autoproclamado presidente do país, Juan Guaidó, fosse instalado. Embora não tenha sido eleito, Guaidó é reconhecido pelo governo de Jair Bolsonaro.

Pouco mais de 12 horas e diversas denúncias internacionais depois, a vigília armada em frente ao edifício e a articulação da bancada de parlamentares do PT e do PSOL conseguiram fazer com que os invasores fossem retirados da sede diplomática.

No entanto, chamou a atenção o fato de o presidente Jair Bolsonaro ter publicado duas versões de uma mensagem em rechaço à ação. Na primeira publicação, falava em "invasão" e afirmava que já haviam sido tomadas medidas para resguardar a ordem pública. Porém alguns minutos depois essa mensagem foi apagada e substituída por um novo texto que suprimia a palavra "invasão" e se referia ao fato como “eventos ocorridos na embaixada”.

 

 

 

Outra questão apontada foi a demora do Ministério de Relações Exteriores para conter a situação. O presidente da subcomissão de Assuntos Exteriores do Senado, Telmário Mota (PROS/RR), questionou a presença de funcionários do Itamaraty controlando a entrada e a saída da sede diplomática venezuelana. “Eu fui impedido de entrar por membros do Itamaraty. Desde quando o Ministério de Relações Exteriores de um país pode controlar a entrada de uma embaixada, que é território de outro país? Estão colocando o Brasil numa guerra que não é nossa”, afirmou o parlamentar em um vídeo publicado nas suas redes sociais.

 

Além disso, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicou um vídeo legitimando a ação dos opositores. “Se o Brasil reconhece Guaidó como presidente da Venezuela por que a embaixadora Maria Teresa Belandria, indicada por ele, não estava fisicamente na embaixada? Ao que parece agora está sendo feito o certo, o justo”, escreveu o filho do presidente.

Em junho deste ano, o governo Bolsonaro recebeu as credenciais diplomáticas de Maria Teresa Belandria, professora universitária e membro do movimento Vente Venezuela, reconhecendo-a como embaixadora venezuelana no país. No entanto, o Brasil não rompeu relações com a equipe nomeada pelo presidente Nicolás Maduro.

Até então, Belandria não havia exercido nenhum tipo de função administrativa ou diplomática oficial e ocupava uma sala comercial próxima à Esplanada dos Ministérios, onde estava a sede da embaixada venezuelana opositora.

Prática conhecida

Não é a primeira vez que uma sede diplomática venezuelana é atacada por opositores. O primeiro caso foi em fevereiro, um mês depois da autoproclamação de Guaidó, quando o governo da Costa Rica suspendeu as credenciais de Danilo González Ramírez, encarregado de negócios da Venezuela nomeado por Maduro. Apesar de o Ministério de Relações Exteriores costarriquense criticar a tomada da sede diplomática de forma violenta, três meses depois o país permitiu que a embaixadora de Guaidó, Maria Faria, e os diplomatas opositores assumissem a embaixada venezuelana em San José, capital da Costa Rica.

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Caso similar aconteceu em maio, nos Estados Unidos, que foram um dos primeiros países a reconhecer Guaidó como chefe de Estado legítimo e a expulsar os funcionários venezuelanos do governo Maduro. Durante quase um mês, representantes de vários movimentos sociais estadunidenses defenderam o edifício diplomático venezuelano e terminaram sendo expulsos pela polícia de Washington, numa operação que feriu todos os artigos da Convenção de Viena, que dita sobre o respeito mútuo entre nações ao estabelecer embaixadas e consulados. O caso repercute até hoje, com a prisão do jornalista Max Blumenthal.

Em novembro, logo depois de assumir o poder em El Salvador, Nayib Bukele, do partido de centro-direita GANA, também expulsou a diplomacia venezuelana e passou a reconhecer o grupo de Guaidó. Nesse caso, as forças de segurança do Estado foram usadas para assegurar que a embaixada seria esvaziada em até 48 horas.

Durante dias movimentos sociais salvadorenhos, aglutinados em um comitê, defenderam o edifício e denunciaram, junto à administração de Nicolás Maduro, a violação do direito internacional. A situação segue indefinida, apesar de os diplomatas venezuelanos já terem deixado San Salvador.

“Para mim parece um claro sinal de fragilidade. Ter que recorrer a métodos tão tontos como esse tipo de bullying é porque evidentemente eles têm sérios problemas em manter esse conflito com o passar do tempo. É um ato de covardia, já que estão se aproveitando de um território soberano que não vai ter a capacidade de defesa que teria aqui”, opina o analista do portal venezuelano Misión Verdad Diego Sequeira.

O roteiro de reconhecer um governo paralelo e logo suspender as credenciais dos funcionários nomeados pelo governo constitucional se repete em diferentes países, porque faz parte de um braço da guerra híbrida imposta pelos Estados Unidos contra a Venezuela: a guerra diplomática.

De acordo com manuais do Pentágono, o apoio civil e midiático é fundamental para consolidar a Guerra de Quarta Geração e provocar uma mudança de regime.

Segundo o artigo "The Changing Face of War: Into the Fourth Generation”, publicado na gazeta da marinha estadunidense ainda no final dos anos 1980, o método alia métodos de guerra considerados não convencionais, como “guerra psicológica altamente sofisticada, especialmente através da manipulação da mídia, particularmente de notícias televisivas”. Essas são algumas das medidas cogitadas pelo complexo industrial militar dos Estados Unidos para defender seus interesses em outros países.

“Um recurso muito imediatista, muito visível e bastante propagandista, se pensamos na cobertura dos meios. Agora o que é mais alarmante é a mensagem bem clara sobre a importância do papel venezuelano. Por detrás disso está a fabricação de um inimigo de importância regional. É o perfeito equivalente ao que foi em uma etapa histórica para a doutrina de segurança nacional dos Estados Unidos o comunismo internacional. Agora temos uma espécie de mistura entre o inimigo do comunismo com narcotráfico, jihadismo e a Rússia de Putin”, comenta Sequeira.

O primeiro caso de assédio a uma embaixada neste século aconteceu justamente na Venezuela, em 2002, quando, logo depois do golpe perpetrado contra o presidente Hugo Chávez, um grupo de opositores, liderados por Henrique Capriles, atacou a embaixada cubana em Caracas.

Bons amigos

Jair Bolsonaro e sua família também mantêm boas relações com outros atores da oposição venezuelana que vivem no Brasil. Roderick Navarro e Eduardo Bittar, criadores do movimento de extrema-direita Rumbo Libertad, são aliados de Eduardo Bolsonaro, representamte sul americano do “The Movement”, espécie de ceita extremista orientada pelo guru de Donald Trump, o estrategista Steve Bannon.

Inclusive os aliados venezuelanos do clã Bolsonaro questionam uma suposta falta de radicalismo em Juan Guaidó, a quem caracterizam como “socialista”, evidenciando uma posição ainda mais reacionária.

 

 

“Aqui na Venezuela, quem Eduardo Bolsonaro poderia identificar como aliado? Esses ‘guerreiros ideológicos’ já não estão mais na Venezuela, porque o exílio é um negócio agora também”, analisa Sequeira.

No entanto, o fato de a invasão da embaixada venezuelana em Brasília acontecer logo depois da consumação de um golpe de Estado na Bolívia e alguns dias antes de uma nova manifestação convocada por Guaidó na Venezuela não parece ser casualidade. Para Sequeira, é mais uma evidência da articulação continental entre os setores de extrema direita.

“Por mais tonta que tenha sido essa ação, deixa uma mensagem muito clara que diz que sim, haverá um aumento da pressão em todos os níveis na nossa região. A minha preocupação é que comecem agora a realizar atos de terrorismo convencional: carros bomba, atentados no metrô etc., porque como estão debilitados essa saída poderia ser mais fácil. Isso poderia contribuir para uma mudança de regime. As intenções estão claras, mas para concretizá-las enfrentam o mesmo problema: durante todo o ano, os atos mais radicais terminaram dando em nada”, afirma.

Em janeiro de 2020, Guaidó deveria entregar o cargo de presidente da Assembleia Nacional, perdendo a justificativa legal para ser mandatário interino do país. O período de ação de Guaidó e seus aliados estadunidenses parece se esgotar. “Agora que os planos do império não saíram bem, o que acontece? É uma boa pergunta, para a qual não temos resposta. Isso é bom por um lado e muito perigoso por outro. Mas estar nesse ponto e não em outro de perda de tudo já uma vitória”, finaliza Sequeira.

Edição: Cris Rodrigues