Operação Spoofing

MPF denuncia o jornalista Glenn Greenwald, do Intercept, por associação criminosa

The Intercept Brasil afirma que MPF age politicamente e diz que ação é tentativa de criminalizar jornalismo brasileiro

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Glenn é um dos autores da série de reportagens "Vaza Jato", publicada pelo The Intercept Brasil
Glenn é um dos autores da série de reportagens "Vaza Jato", publicada pelo The Intercept Brasil - Lula Marques

O jornalista Glenn Greenwald, editor do The Intercept Brasil, foi denunciado por associação criminosa nesta terça-feira (21). Ele é acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ajudar na invasão de celulares de autoridades brasileiras. Outras seis pessoas foram conjuntamente denunciadas.

Greenwald é um dos autores da série de reportagens Vaza Jato, publicada pelo Intercept desde o ano passado, em que diálogos demonstram um conluio entre figuras da Justiça como o ex-juiz e atual ministro Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol para orientar o andamento de processos da Operação Lava Jato. Pelas série de publicações, o editor recebeu o Prêmio Especial Vladimir Herzog 2019, durante a cerimônia do 41º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos no último mês de outubro.

Segundo o MPF, o jornalista “auxiliou, incentivou e orientou o grupo durante o período das invasões”. Ele não era inicialmente investigado no caso, mas foi denunciado após análise de um notebook apreendido. De acordo com a Procuradoria, um diálogo encontrado entre Glenn e Luiz Molição, um dos denunciados, demonstra a participação do editor nos crimes e o coloca entre os investigados.

Ainda de acordo com o Ministério Público, a conversa foi realizada após a divulgação dos primeiros diálogos de Moro pelo Intercept. Conforme a denúncia, Glenn recebeu as mensagens enquanto os crimes ainda eram praticados e indicou que o grupo responsável por obter as mensagens deveria apagá-las “caracterizando clara conduta de participação auxiliar no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos”.

O site The Intercept Brasil se posicionou sobre a denúncia na tarde desta terça-feira (21). A equipe do site jornalístico afirma que os diálogos utilizados pelo MPF são os mesmos que já haviam sido analisados pela Polícia Federal durante a operação Spoofing, "acerca dos quais a PF não imputou qualquer conduta criminosa a Glenn. "Causa perplexidade que o Ministério Público Federal se preste a um papel claramente político, na contramão do inquérito da própria Polícia Federal. Nós do Intercept vemos nessa ação uma tentativa de criminalizar não somente o nosso trabalho, mas de todo o jornalismo brasileiro. Não existe democracia sem jornalismo crítico e livre. A sociedade brasileira não pode aceitar abusos de poder como esse", diz o texto distribuído à imprensa pela equipe do site.

A defesa do jornalista Glenn Greenwald também se manifestou acerca da denúncia, em nota assinada pelos advogados Rafael Borges e Rafael Fagundes. No texto eles afirmam que receberam com perplexidade a informação de que há uma denúncia contra o jornalista. Os advogados afirmam que a medida desrespeita a autoridade da medida cautelar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 601, do Supremo Tribunal Federal (STF). "Seu objetivo é depreciar o trabalho jornalístico de divulgação de mensagens realizado pela equipe do The Intercept Brasil em parceria com outros veículos da mídia nacional e estrangeira", diz o texto.

Os advogados de Greenwald preparam uma medida judicial e acionarão a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) a intervir em defesa do jornalista. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) se posicionou por meio de nota publicada em seu site. No texto a Abraji afirma que a denúncia do MPF viola a liberdade de imprensa por estar "baseada em uma interpretação distorcida das conversas do jornalista com sua então fonte", diz o texto.

A Abraji afirma que a denúncia tem como único propósito constranger o profissional e aponta que no texto do MPF, por duas vezes, o procurador refere-se a Greenwald com o termo jornalista entre aspas,  "como se ele não se qualificasse como tal - e como se coubesse a um membro do MPF definir quem é ou não jornalista".

"É um absurdo que o Ministério Público Federal abuse de suas funções para perseguir um jornalista e, assim, violar o direito dos brasileiros de viver em um país com imprensa livre e capaz de expor desvios de agentes públicos. A Abraji repudia a denúncia e apela à Justiça Federal para que a rejeite, em respeito não apenas à Constituição, mas à lógica", diz o texto.

A Abraji aponta que os diálogos apresentados como provas não confirmam as acusações do promotor. Segundo a associação, o jornalista apenas diz que já armazenou as mensagens em local seguro, que não vê necessidade de o grupo manter os arquivos e manifesta preocupação em proteger a identidade do grupo de Molição como fonte das reportagens. "Greenwald não sugere, orienta ou ordena a destruição do material", diz a nota.

Operação Spoofing

A Operação Spoofing, como foi batizada a investigação sobre invasão de autoridades, apura a prática de organização criminosa, lavagem de dinheiro, bem como as interceptações telefônicas engendradas pelos investigados.

O MPF afirma que, durante o processo, foram comprovadas 126 interceptações telefônicas, telemáticas ou de informática e 176 invasões de dispositivos informáticos de terceiros, resultando na obtenção de informações sigilosas. Com exceção de Glenn, todos os outros denunciados responderão pelo crime de lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Confira a íntegra da nota do The Intercept Brasil 

1. Os diálogos utilizados pelo MPF na denúncia são rigorosamente os mesmos que já haviam sido analisados pela Polícia Federal durante a operação Spoofing, e acerca dos quais a PF não imputou qualquer conduta criminosa a Glenn.
2. A PF concluiu: "Não é possível identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados".
3. A PF destaca, inclusive, a "postura cuidadosa e distante em relação à execução das invasões" por parte do jornalista co-fundador do Intercept.
4. Glenn Greenwald não foi sequer investigado pela PF, pois não existiam contra ele os mínimos indícios de cometimento de crimes.
5. Causa perplexidade que o Ministério Público Federal se preste a um papel claramente político, na contramão do inquérito da própria Polícia Federal.
6. Nós do Intercept vemos nessa ação uma tentativa de criminalizar não somente o nosso trabalho, mas de todo o jornalismo brasileiro. Não existe democracia sem jornalismo crítico e livre. A sociedade brasileira não pode aceitar abusos de poder como esse.

Confira a íntegra da nota da defesa do jornalista Glenn Greenwald

Recebemos com perplexidade a informação de que há uma denúncia contra o jornalista Glenn Grenwald, cofundador do The Intercept. Trata-se de um expediente tosco que visa desrespeitar a autoridade da medida cautelar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 601, do Supremo Tribunal Federal, para além de ferir a liberdade de imprensa e servir como instrumento de disputa política. Seu objetivo é depreciar o trabalho jornalístico de divulgação de mensagens realizado pela equipe do The Intercept Brasil em parceria com outros veículos da mídia nacional e estrangeira. Os advogados de Glenn Grenwald preparam a medida judicial cabível e pedirão que a Associação Brasileira de Imprensa, por sua importância e representatividade, cerre fileiras em defesa do jornalista agredido.
Rafael Borges e Rafael Fagundes

Veja o diálogo completo contido na denúncia:

GLENN GREENWALD: Tudo bom?

LUIZ MOLIÇÃO: Então, é... a gente... eu tava discutindo com o

grupo, eu queria falar com você um assunto.

GLENN GREENWALD (Gleen): Hã?

MOLIÇÃO: É... como tá agora, tá saindo muita notícia sobre isso, a gente Chegou... nós chegamos à conclusão que eles tão fazendo um jogo pra tentar desmoralizar o que tá acontecendo.

GLENN GREENWALD: Uhum.

MOLIÇÃO: Igual, o que aconteceu com o Danilo Gentilli, é... o MBL, o Holiday, a gente pegou outubro do ano passado. Eles tão começando a falar disso agora.

GLENN GREENWALD: Pegou o quê?

MOLIÇÃO: A gente puxou o Telegram deles ano passado. Eles tão falando disso agora.

GLENN GREENWALD: Ah, sim sim.

MOLIÇÃO: Então, tudo o que eles, que já aconteceu...

GLENN GREENWALD: Ah sim.

MOLIÇÃO: Eles tão puxando pra agora.

GLENN GREENWALD: Eu vi isso que alguém publicou alguma coisa falando que o Holiday e MBL “foi hackeado”.

MOLIÇÃO: Isso. Eles tão usando isso agora. Então, a gente crê que é um jogo que eles tão fazendo.

GLENN GREENWALD: Mas com com... qual motivo?

MOLIÇÃO: Porque é... como agora tá vindo também notícia do... dos ata... dos ataques ao Moro, ao MPF, já, já tão pre... prevendo que vai acontecer alguma coisa.

GLENN GREENWALD: Com certeza, mas eu, isso depende... a dificuldade é entender o motivo com que eles tão tentando... porque... que que estamos pensando é que quando publicamos, obviamente, todo mundo “vou” utomaticamente pensar que “essa material” é enganação como por exemplo tudo o que aconteceu “no semana” passada com Moro.

MOLIÇÃO: Sim.

GLENN GREENWALD: E nós vamos deixar muito claro que nós recebemos tudo muito antes disso, e não tem nada a ver com isso, entendeu?

MOLIÇÃO: Uhum. Mas o que acontece? O que eles tão falando também é que o celular, ele foi hackeado. Não! O que a gente faz é pegar o Cloud do Telegram. A gente não pegou nada do celular.

GLENN GREENWALD: Entendi. Então, eu sei, eu sei. Mas, é possível que tenha um “outro pessoa” fazendo isso?

MOLIÇÃO: É provável.

GLENN GREENWALD: Isso é uma coin... é é... é uma coin... é uma coincidência que...no tempo que estamos prontos para publicar que isso está acontecendo eram outras pessoas.

MOLIÇÃO: Sim, mas igual a gente falou, nosso perfil não é de é...fazer... chamar atenção.

GLENN GREENWALD: Eu sei, eu sei , eu sei disso. Então, tem duas opções obviamente são: um, tem “outro pessoas” tentando hackear ou hackeando eles, ou o outro é que elas tão mentindo. Mas eu não posso entender o motivo para mentir.

MOLIÇÃO: Uhum.

GLENN GREENWALD: Porque, por exemplo, se eles soubessem que... alguém está preparando de publicar ou que, ou pior ainda, que nós “estamos pronto” para publicar, “eles ia” pra Tribunal, pegam um ordem do Judiciário proibindo qualquer publicação ou reportagens com esse material, mas ainda ninguém fez isso. Então, isso está me deixando a impressão que eles não sabem quem tem “essa material”.

MOLIÇÃO: Não, saber eles sabem.

GLENN GREENWALD: Porque... oi?

MOLIÇÃO: O Deltan, ele sabe que pegaram. Tanto que ele...

GLENN GREENWALD: Ele sabe que alguém pegou, mas ele não sabe quem tem.

MOLIÇÃO: Sim, isso é certo, eles não sabem quem pegou.

GLENN GREENWALD: Então, então, para mim que não estou entendendo é o motivo, o motivo desse jogo. Para fingir com essa é... ou por que por que eles tão plantando “essas artigos” sobre como Moro e “Dalton” e MBL está sendo hackeado? Eu não

entendo o motivo. Entendeu?

MOLIÇÃO: Sim.

GLENN GREENWALD: Mas é uma coincidência grande. Eu... isso é, tem “um chance” muito grande que tem uma conexão com tudo, tudo disso, mas... nós estamos trabalhando muito o mais rápido possível para publicar, ah... três artigos no mesmo tempo que vai ser muito explosivo, e... isso vai acontecer muito logo.

MOLIÇÃO: Sim. A gente também queria saber a sua opinião a respeito de algo. Como, assim que você publicar os artigos, todo mundo vai excluir as conversas, todo mudo vai excluir o Telegram, a gente queria saber se você, o que você recomenda fazer. A gente tem alguns nomes separados, a gente pegar esse final de semana já puxar a conversa de todo mundo ou deixar quieto por um tempo. Porque as... tem tem pessoas que tem um número antigo, ou seja, nem tem mais o número, que dá pra puxar as conversas que tem.

GLENN GREENWALD: Sim. Olha, nós vamos, por que que vai acontecer? É que com certeza eles vão tentar acusar a gente que nós participamos na, na no hack. Eles vão tentar acusar que “nós formam” parte dessa ah... tentativa de hackear. Eles vão com certeza acusar. Então para mim, mantendo as conversas, são as provas que você só falou com a gente depois você tinha tudo. Isso é muito importante para nós como jornalistas para mostrar que nossa fonte só falou com a gente depois que ele já tinha tudo.

MOLIÇÃO: Sim.

TRECHO 2

GLENN GREENWALD: Mas nós não vamos oferecer disso, nós não vamos baixar isso para esse encontro, mas nós precisamos manter isso. Mas você está perguntando se você deve fazer?

MOLIÇÃO: Não, é que a gente não quer chegar a prejudicá-lo de alguma forma. Mas a gente pede a sua opinião.

GLENN GREENWALD: Sobre mais exatamente o quê?

MOLIÇÃO: Sobre puxar todas essas pessoas nesse final de semana, pra já manter as conversas salvas que a gente tiver, ou esperar. Porque há chances de assim que você liberar a notícia, todo mundo, todos eles que tem as conversas antigas que possam ter alguma coisa, eles vão apagar.

TRECHO 3

GLENN GREENWALD: Entendi. Então, nós temo... é... vou explicar, como jornalistas, e obviamente eu preciso tomar cuidado como com tudo o que estou falando sobre “essa assunto”, como jornalistas, nós temos uma obrigação ética para “co-dizer” (?) nossa fonte.

MOLIÇÃO: Sim.

GLENN GREENWALD: Isso é nossa obrigação. Então, nós não podemos fazer nada que pode criar um risco que eles podem descobrir “o identidade” de nossa fonte. Então, para gente, nós vamos... como eu disse não podemos apagar todas as conversas porque precisamos manter, mas vamos ter uma cópia num lugar muito seguro... se precisarmos. Pra vocês, nós já salvamos todos, nós já recebemos todos. Eu acho que não tem nenhum propósito, nenhum motivo para vocês manter nada, entendeu?

MOLIÇÃO: Sim.

GLENN GREENWALD: Nenhum... Mas isso é sua, sua escolha, mas estou falando e, isso não vai prejudicar nada que estamos fazendo, se você apaga.

MOLIÇÃO: Sim. Não, era mais, era mais uma opinião que a gente queria mesmo, pra gente fazer mais pra... mais pra frente.

GLENN GREENWALD: Sim, sim. É difícil porque eu não posso te dar conselho, mas eu tenho a obrigação para proteger meu fonte e essa obrigação é uma obrigação pra mim que é muito séria, muito grave, e nós vamos fazer tudo para fazer isso, entendeu?

MOLIÇÃO: Sim. É que conforme o... é... se a gente puxar essas conversas, corre o risco de acabar saindo mais notícia. Então isso pode de alguma forma é... prejudicar, então isso que é a nossa preocupação.

GLENN GREENWALD: Entendi, entendi. Ah... sim, sim. A nossa, quando publicamos, única coisa que nós vamos falar é que nossa parte disse que ele está dando esses documentos porque ele descobriu “muito corrupção”, “muitos mentiras”, “muitos coisas” que ele acreditou, o público tem direito para saber, que ele disse que ele não tem a... ele não está apoiando uma ideologia, nem um partido, que qualquer corrupção, esses documentos mostram que ele quer que “nós reportar”, reportarmos, e que nós vamos reportar. E é só para fortalecer a democracia e limpar a corrupção né? É só isso que estamos falando. E também nós vamos falar que nós recebemos todos os documentos muito antes “dessas artigos” da outra semana sobre Moro, sobre outra coisa sobre hackeados.

MOLIÇÃO: Sim. Não, perfeito.

GLENN GREENWALD: Só isso.

MOLIÇÃO: Perfeito.

GLENN GREENWALD: É só isso que vamos falar.

MOLIÇÃO: Certinho, perfeito

GLENN GREENWALD: Tá bom?

MOLIÇÃO: Sim, era só isso que a gente tinha pra discutir.

GLENN GREENWALD: Oi?

MOLIÇÃO: Era só isso que a gente tinha pra discutir com você.

GLENN GREENWALD: Ah, tá bom, tá bom.

MOLIÇÃO: Certo? Obrigado.

GLENN GREENWALD: Tá bom, obrigado você. Qualquer,

qualquer dúvidas me liga tá?

MOLIÇÃO: Sim.

GLENN GREENWALD: Tá bom, tchau, tchau.

MOLIÇÃO: Tchau.

 

Edição: Leandro Melito