Minas Gerais

CRISE

Por que o Cruzeiro não irá falir?

A falência recai sobre a empresa, e o clube de futebol não é uma empresa

Belo Horizonte |
Cruzeiro tem uma direção irresponsável, um empresariado parasitário de jogadores, um conselho inoperante
Cruzeiro tem uma direção irresponsável, um empresariado parasitário de jogadores, um conselho inoperante - Lucas Leite/Cruzeiro

Os especialistas de plantão, se aproveitando do desespero provocado nas redes sociais, já decretaram: o Cruzeiro está falido! Um clube quase centenário irá desaparecer.   
O tom não é de mera especulação, mas traz a velha certeza argumentativa nas sentenças do tribunal virtual. Se não tiver falindo, falta pouco.

Data Venia, no bom juridiquês, lamentamos decepcionar os Excelentíssimos especialistas de listas de WhatSapp, mas, tecnicamente, é impossível a falência do Cruzeiro.  Vejamos os motivos.

O âmbito de incidência da falência e da recuperação judicial, regulamentado pela lei 11.101/05, aplicam-se somente a esses tipos de pessoa jurídica: empresário individual e à sociedade empresária. As sociedades empresárias e os empresários individuais são aqueles que têm uma atividade lucrativa como intento central. Assim, a falência consistirá em uma espécie de liquidação patrimonial forçada de devedores empresários, que não indicam possibilidades de superação da crise financeira decorrente da atividade lucrativa realizada. 

Dito esse pressuposto, para tentar ser mais didático, serão formuladas duas perguntas e respostas simples sobre o tema.

1) Toda pessoa jurídica é uma sociedade empresária? NÃO. Existem pessoas jurídicas como as fundações e as associações, que não têm finalidades meramente econômicas, e, por isso, não são consideradas sociedades empresárias. Basta lembrar da Fundação Getúlio Vargas, cuja finalidade é educacional e a valorização da pesquisa; ou o clube recreativo da sua cidade, que é uma associação pautada no lazer do associado. Por mais que eles exerçam atividades remuneradas, em razão das atividades desenvolvidas, sua finalidade não é o lucro.  
Leiamos o que está escrito no artigo 1° do Estatuto do Cruzeiro Esporte Clube: Art. 1°. O Cruzeiro Esporte Clube é uma associação civil, sem fins econômicos, com organização e funcionamento autônomo, com duração por tempo indeterminado, com sede e foro na cidade de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, onde foi fundado em 2 de janeiro de 1921.

2) Se a associação é uma pessoa jurídica, ela poderá falir? NÃO. O Código Civil, no seu artigo 53, é claro ao tratar o tipo de pessoa jurídica em que o Cruzeiro se encaixa. Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos. Visto que não há um intuito direto de lucro, juridicamente, uma associação não poderá falir.

Diante disso, atualmente, não existe a possibilidade de falência de um clube de futebol. A falência recai sobre a empresa, e o clube de futebol não é uma empresa. O que poderia ser considerado é a situação de insolvência civil, mas sem a possibilidade de aniquilamento do clube. 

Não adentraremos as minúcias jurídicas para não cansar o leitor e nem ir além, rumo a outras questões, que este artigo em específico não se propõe.  

Por mais que os mercenários que cercam o clube passem a impressão de empresa e o meio do futebol envolva quantias e transações milionárias, o Cruzeiro tem seus pilares jurídicos pautados numa associação cuja finalidade, além de esportiva, é cultural, sentimental e identitária no corpo e na alma do povo mineiro. Elementos que a ânsia lucrativa não conseguiria mensurar, porque não está, nem jamais estará à venda.  

Este não é um texto para retirar a responsabilidade dos gestores anteriores que devem responder pelo que causaram, desde que esteja demonstrada a utilização do clube (associação) Cruzeiro como instrumento para o cometimento de ilícitos.

Obviamente, é notória a situação lamentável por que o Cruzeiro passa, com uma direção irresponsável, o empresariado parasitário de jogadores, um conselho inoperante que faz desse gigante um clube endividado e antidemocrático. Mas, se há alguma verdade capaz de tranquilizar o/a cruzeirense, sobretudo se for garantido um processo de democratização na escolha de seus dirigentes, é que o Cruzeiro ainda incomodará muita gente por um longo tempo. Esperamos que não pelos malfeitos dos grupos político-empresariais próximos ao clube, mas sim pelo seu apelo popular e pela tradição no cenário do futebol e da cultura brasileira.  
 

Edição: Wallace Oliveira