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Justiça do CE nega suspensão da lei que proíbe pulverização aérea de agrotóxicos

Em vigor há um ano, medida enfrenta dura resistência do agronegócio, que move ação também no STF

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Pulverização aérea de pesticidas foi proibida no Ceará em janeiro do ano passado, quando entrou em vigor a Lei nº 16.820/2019
Pulverização aérea de pesticidas foi proibida no Ceará em janeiro do ano passado, quando entrou em vigor a Lei nº 16.820/2019 - Foto: CearáCenipa/Divulgação

O Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) negou a suspensão da lei que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no estado (nº 16.820/2019), que vigora desde janeiro do ano passado e enfrenta dura resistência do agronegócio. A decisão, publicada na quinta-feira (23), responde a uma ação direta de inconstitucionalidade movida pelo PSL.

O partido alegava supostos vícios de formalidade e materialidade na legislação, apontando que ela teria violado normas da União e invadido competência privativa do Poder Executivo federal. Segundo a legenda, o poder estadual não poderia, entre outras coisas, legislar sobre meio ambiente nem sobre aviação.

Com base nisso, o PSL pediu que a lei fosse declarada nula, mas o desembargador Francisco de Assis Filgueira Mendes, responsável pelo julgamento, afirmou que o caso não competia à Justiça estadual, e sim ao Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado não fez avaliação de mérito.

A Federação da Agricultura Pecuária do Estado do Ceará (FAEC), a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de frutas (Abrafrutas), o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) e a Federação das Indústrias do Ceará (FIEC) haviam defendido o pedido do PSL.

Do outro lado, a ação recebeu parecer contrário da Assembleia Legislativa do Ceará (Alce), da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e do Ministério Público Estadual, que sustentaram a legalidade da norma. Com a negativa do tribunal, a ação foi extinta, o que significa que ela não pode ser desarquivada.

“Essa [legislação] é uma competência que a Constituição Federal permite aos estados. Ele [o agronegócio] começou a judicializar o caso tanto em nível local quanto no STF pra tentar barrar, mas é uma tentativa desesperada. O agronegócio tem feito esse seu jogo político e midiático, mas nós sabemos que a lei é perfeitamente constitucional”, argumenta o deputado estadual Renato Roseno (Psol), autor da lei, a respeito do pedido do PSL.     

Movimentos populares que acompanham o caso comemoraram a decisão do TJ, que é interpretada como mais uma derrota do ruralismo no Ceará.

“Recebemos essa notícia com muita alegria. Para nós, é muita doída a ideia de voltar a pulverização aérea. Além de poluir a água, o ar e o solo, ela também contaminava as pessoas e os animais”, afirma o servidor público Reginaldo Ferreira de Araújo, do Movimento 21 de Abril, que atua contra o uso de pesticidas na região do Jaguaribe, um dos pontos de maior atuação do agronegócio cearense.  

Entre os argumentos utilizados por entidades do setor ruralista contra a medida, está o de que a nova lei violaria a livre iniciativa e os objetivos da política agrícola. As entidades afirmam, por exemplo, que a norma prejudica a produção de frutas no Ceará.

“O ano de 2019 terminou, foi o primeiro ano da lei, e a produção de banana irrigada, por exemplo, cresceu”, rebate Roseno.  

A declaração do parlamentar é uma referência ao Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) 2019, produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que registrou aumento de 4,55% na safra de frutas frescas no estado em relação a 2018. Além da banana, outros produtos tiveram alta no período, como abacate, acerola, caju, goiaba, graviola, uva e tangerina .  

STF

Paralelamente ao processo que corria no Tribunal de Justiça do Ceará, o agronegócio trava uma disputa contra a lei também no STF, onde tramita a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6137, de autoria da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).  

O pedido foi distribuído para a ministra Cármen Lúcia, que ainda não apresentou parecer sobre o caso. Em setembro do ano passado, a magistrada votou pela procedência de uma ação que tratava de limites para a pulverização aérea no combate ao mosquito Aedes Aegypti, o que poderia sinalizar uma tendência favorável da ministra à manutenção da lei cearense.

Na ocasião, o debate girava em torno dos potenciais riscos à saúde da população e ao meio ambiente, mesmos argumentos levantados na discussão contra a pulverização aérea de pesticidas na lavoura.

O cenário, no entanto, demonstra a existência de um avantajado jogo de forças em torno da ADI 6137, que tem apoio do grande capital do agronegócio. Associação Brasileira dos Produtores de Soja, Abrafrutas, Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) e Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) estão entre as entidades do setor que lutam pela medida.  

Na outra margem da batalha, o Psol, o Conselho Regional de Nutricionistas da 6ª Regiao (CRN-6) e o Grupo de Atuação Estratégica nos Tribunais Superiores, que reúne defensorias públicas de dez estados, apresentaram ao STF parecer pela constitucionalidade da lei. A ação ainda não tem data para julgamento.  

“A gente espera que o Supremo esteja em consonância com a luta mundial porque, hoje, no próprio Fórum [Econômico] Mundial, em Davos, só no que se fala é em degradação ambiental. O mundo hoje não quer essa produção em massa com esse uso abusivo de agrotóxico”, afirma Reginaldo Ferreira de Araújo.

Além da ADI 6137, um mandado de segurança ajuizado ano passado pelo Sindag junto à 13ª Vara da Fazenda Pública do Ceará também questionava a constitucionalidade da legislação cearense, mas foi indeferido pela Justiça.  

O magistrado responsável pelo caso alegou questões técnico-jurídicas, afirmando que esse tipo de dispositivo não cabia para questionamentos sobre o caráter constitucional de uma medida.

Nos bastidores da disputa, a leitura política é de que, diante do amplo apoio que a Lei nº 16.820/2019 recebeu no ano passado, as entidades do agronegócio investem numa batalha multilateral para tentar frear a norma, mesmo nos casos em que há pouca chance jurídica para esse lado da disputa.

“A gente atua pelo que a gente acredita, que é a defesa da saúde da população e do meio ambiente. Eles atuam por uma questão econômica: o lucro”, sublinha a advogada Geovana Fabrício, da assessoria jurídica de Roseno.  

Reginaldo Araújo destaca ainda que, além das diferentes ações judiciais sobre o tema, os setores ligados ao ruralismo têm investido de forma mais massiva na publicidade em defesa do agronegócio. Na visão do militante, a iniciativa seria uma reação ao crescimento do movimento pró-agroecologia, que veta o uso de pesticidas e se baseia no respeito aos ciclos da natureza.  

“Nós entendemos que o agronegócio não está satisfeito com esse processo discutir e disputar a consciência do povo. A gente está disputando um novo projeto, que é um alimento saudável, orgânico, a agroecologia, por isso esse enfrentamento constante. Eles não se cansam”.

Edição: Vivian Fernandes