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Tchau, queridos? Direitos trabalhistas na corda bamba do golpe e da crise econômica

Avançar na organização e na formação política de base dos trabalhadores é o único movimento capaz de segurar retrocessos

Curitiba (PR) |
Tramitam no Congresso Nacional diversos Projetos de Lei que visam retirar direitos trabalhistas. O golpe aumenta, decisivamente, as possibilidades de aprovação desses projetos e coloca ainda mais em risco os direitos do povo. A conjuntura pede organização popular e resistência
Tramitam no Congresso Nacional diversos Projetos de Lei que visam retirar direitos trabalhistas. O golpe aumenta, decisivamente, as possibilidades de aprovação desses projetos e coloca ainda mais em risco os direitos do povo. A conjuntura pede organização popular e resistência - Vitor Teixeira

A crise econômica e política, agravada pelo golpe em curso, tem nos provocado a debater ainda mais os riscos a que estão sujeitos os direitos das populações historicamente exploradas e oprimidas. Como de costume, aqueles que não detêm capital são instados a pagar pela crise.

“Não pagaremos” – já disseram as manifestações em diversos países afetados pela atual crise, que teve seu epicentro nos países de capitalismo central nos idos de 2008. Hoje, as manifestações vermelhas no Brasil repetem que haverá luta e resistência. Não pagaremos pela crise e não aceitaremos o retrocesso de direitos.

O contexto pelo qual passa o país aperta ainda mais a corda no pescoço do povo. O retrocesso de direitos bate a porta e nos provoca a lutar mais e mais. No caso dos direitos trabalhistas, os danos são iminentes, tanto que os direitos dos trabalhadores, conquistados por lutas históricas, estão hoje no olho do furacão do debate sobre desenvolvimento econômico, transformações políticas e conflitos sociais.

Quanto a isso, tramitam no Congresso Nacional, atualmente, diversos projetos de lei (PLs) com o objetivo de derrubar direitos trabalhistas. Compreender um pouco mais essas táticas das elites de ofensivas aos direitos sociais e, a partir disso, traçar estratégias de resistência são tarefas urgentes colocadas a todos que se preocupam com as condições de vida do povo.

1. Algumas das ameaças: o que está em jogo?

O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) publicou, há algumas semanas, uma seleção de 55 ameaças aos trabalhadores tramitando no Congresso Nacional. Vejamos o que significam algumas dessas ameaças:

Terceirização

Vemos hoje o velho fantasma da terceirização apresentando-se sob três roupagens diferentes no Congresso: PLC 30/2015 (antigo PL 4330), PLS 87/2010, PL 4302/1998. A proposta é expressa: permitir a terceirização de todos os trabalhadores. Nunca é demais lembrar: terceirizados recebem salários menores que os empregados diretos, sujeitam-se a maiores riscos de acidente de trabalho, maior rotatividade entre empregos e, ainda, trabalham em maior quantidade de tempo.

Negociado sobre legislado e “Código do Trabalho”

O PL 1463/2011 pretende, invertendo a regra atual do Direito do Trabalho, regulamentar a prevalência do negociado sobre o legislado. Com isso, acordos ou convenções coletivas poderiam silenciar em uma só canetada todo o conjunto de direitos trabalhistas conquistados historicamente pela classe trabalhadora.

Cogita-se também substituir, de uma só vez, quase toda a CLT por um novo “Código do Trabalho” (PL 1463/2011). Só que essa seria uma “modernização” que reduziria diversos patamares das garantias atuais, além de permitir a renúncia de direitos pelos trabalhadores em negociações coletivas ou individuais.

O problema dessas duas medidas – que apenas querem permitir a precarização da legislação trabalhista – é que, caso implementadas, não haveria verdadeira possibilidade de escolha pelos empregados. Os patrões certamente empurrariam as piores condições de trabalho "goela abaixo" da classe trabalhadora, sem pestanejar em oferecer o famoso “pegar ou largar” em nome do seu sagrado lucro.

Adeus, Justiça do Trabalho

Há outros projetos de lei que pretendem dificultar ainda mais o acesso dos trabalhadores aos seus direitos descumpridos pela via judicial (PLs nº 948/2011 e nº 7549/2014).

Muitos dizem que a Justiça do Trabalho dá mais do que os trabalhadores têm direito. Mas a verdade é que, segundo estimativas atuais, menos de 20% de quem é demitido procura a Justiça do Trabalho para pleitear direitos não cumpridos. Sabemos, na prática, que o índice de descumprimento da legislação trabalhista é muito maior que 20%.

Se aprovadas, as ameaças que tramitam incentivariam ainda mais a impunidade dos patrões, aumentando o abismo (que já é grande) entre o que está na lei trabalhista e o que efetivamente é cumprido na prática.

Trabalho escravo

Citamos por último os grotescos PLs 3842/2012 e 5016/2005, encampados pela bancada ruralista, que pretendem restringir o conceito de trabalho escravo. Com isso, pretendem dificultar o enquadramento de determinadas situações como trabalho escravo contemporâneo, garantindo que os empregadores não sejam punidos pelo crime de redução de pessoa à condição análoga a de escravo (art. 159 do Código Penal) e dificultando ainda mais que haja expropriação das propriedades flagradas com trabalho escravo (art. 243 da Constituição Federal).

A lista continua

Há, ainda, muitas outras medidas abomináveis em pauta no Congresso, tais quais: redução de jornada com redução de salário (PL 5019/2009), suspensão do contrato de trabalho em tempos de crise (PL 1875/2015), permissão do trabalho intermitente por dia ou hora (PL 3785/2012), estabelecimento do trabalho de curta duração (PL 3342/2015), permissão de jornada variável (PLS 2820/2015 e PLS 726/2015), entre diversas outras que, se citadas à exaustão, deixariam o texto ainda mais indigesto.

2. O canto da sereia: o que dizem os propositores das mudanças?

As justificativas dos projetos de lei são um capítulo à parte do festival de horrores. Os argumentos vão dos mais descarados defensores da precarização aos mais requintados discursos em defesa da liberdade de contratação e da modernização das relações trabalhistas.

Os discursos das elites até podem parecer sedutores: “precisamos modernizar as relações trabalhistas”, “contratar no Brasil é muito caro”, “a CLT é muito rígida”. É mesmo? E será que se fosse mais “flexível” e mais “barato” os trabalhadores ganhariam maiores salários, teriam melhores condições de trabalho? Ou será que as medidas apenas aumentariam as taxas de lucro de quem paga as campanhas eleitorais?

O discurso bonito não convence. Bem sabemos que essas medidas, defendidas pelos setores empresariais, expressam seus interesses de classe: apenas defendem as mudanças da legislação quando elas representam precarização dos direitos dos trabalhadores e aumento nas taxas de lucratividade.

Aliás, não foi o vice-presidente da FIESP – entidade que representa os industriais do Estado de São Paulo – quem defendeu, em entrevista recente, que os trabalhadores podem operar a máquina com uma mão e comer um sanduíche com outra? Talvez, para ele, almoço e descanso são privilégios que não pertencem à classe trabalhadora – afinal, as elites estão “pagando o pato de maneira intolerável” ao deixar que os subalternos possam comer com as duas mãos.

Para além dos discursos, as consequências materiais da retirada de direitos é duramente real: os trabalhadores, que já sofrem todos os dias com a sanha do capital, sentiriam na pele o aprofundamento da exploração com a aprovação de quaisquer uma dessas ameaças. A cada hora trabalhada, a cada noite mal dormida, a cada soluço incontido, a cada refeição mal engolida, a imagem que veríamos seria o retorno de um macabro século XIX.

Modernização de volta ao passado em nome da exploração irrestrita. Não é outra coisa que está em pauta nesses PLs.

3. Mas, então, o que fazer ante o contexto de retirada de direitos?

A solução é a de sempre: organização popular e luta contra a apropriação do espaço político pelas elites do país.

O movimento sindical vem sofrendo duros golpes desde década de 1990. Enfraqueceu-se com as políticas neoliberais, se burocratizou, se perdeu muitas vezes em pautas corporativas e, em outras vezes, nem a esse ponto chegou. Deixou, em grande parte, o trabalho massivo de formação política de base, de educação popular. A ofensiva ideológica do capital dificultou esse trabalho sim, mas essa não pode ser uma desculpa para aqueles que se propõem a construir relações sociais mais dignas para os trabalhadores, tendo por fim o estabelecimento de novas relações humanas – que não sejam baseadas na exploração.

A solução não é mágica – e exige trabalho duro. Se o golpe coloca esses retrocessos mais próximos, a solução é lutar contra a ruptura institucional em trânsito, que só aproveitará aos ricos e colocará uma podridão daninha na cadeira presidencial. E continuar lutando contra os retrocessos em trâmite no Congresso. É necessário, também, fazer pressão contínua aos deputados e senadores eleitos para que não traiam, mais uma vez, o voto popular.

Neste 1º de maio, é fundamental lembrar nossa tarefa histórica: fortalecer a organização e a formação política de base do povo trabalhador é o único movimento, de baixo para cima, capaz de fazer ruir o sistema desigual que vivemos. Enquanto isso, para não dizer adeus aos nossos direitos trabalhistas, duramente conquistados, não há opção senão seguirmos resistindo às armadilhas e, chegada a hora, enfim construirmos juntos as sonhadas novas relações sociais.

“Eu vi como o homem é tratado. [...] / Como preparam armadilhas uns para os outros / Cheios de esperança. / Como marcam encontros. / Como enforcam uns aos outros. / Como se amam. / Como defendem seus despojos. [...] / Eu vi trabalhadores adentrarem os portões da fábrica, e os portões eram altos. / Mas ao saírem tinham de se curvar. / Então disse a mim mesmo: / Tudo se transforma e é próprio apenas de seu tempo.(Canção do escritor de peças - Bertold Brecht)

* Paula Cozero é advogada trabalhista e professora universitária, e Guilherme Uchimura é advogado trabalhista. Ambos são militantes da Consulta Popular do Paraná.

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