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Coluna

O medo é problema deles

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O homem mais medroso do Brasil é o traidor Michel Temer

O medo é um sentimento fácil de manipular. Pelo medo, o fascismo se implantou na Europa na primeira metade do século passado e se tornou uma presença que até hoje habita nosso tempo. Não se trata de um medo qualquer, mas de uma forma de temor que tem como objeto uma ameaça possível, ainda que imaginária. O medo de classe surge como uma forma de infestação. Ele é transmitido por pessoas que aprendemos a desprezar e depois odiar.
O medo de classe tem componentes raciais, religiosos, econômicos e comportamentais. Ele estabelece um padrão que tortura os sonhos de distinção de gente que se julga melhor que os outros. Como um personagem neurótico de Woody Allen, o homem perpassado pelo medo de classe nutre uma paranoia ao contrário: ele julga que o mundo existe para realizar seus sonhos. Tudo que não confirma sua primazia entre os outros deve ser extirpado do universo. Inclusive as pessoas.
O Brasil vive hoje momentos de violência e medo. Foi pelo medo que parte da classe média se aliou contra os governos populares. Não foi uma reação imediata, mas um processo construído com sagacidade. Em primeiro lugar, entrou em cena a vertente moralista, que fez de tudo para apontar os descaminhos da inclusão. Numa sociedade desigual e, mais do que isso, orgulhosa de sua desigualdade, aproximar as pessoas é uma forma de ameaça. Foi o tempo do preconceito, do chauvinismo, da ironia que logo se transmudou em raiva. Os pobres estavam em todo lugar.
O segundo tempo foi dado pela ampliação, por ação destacada dos meios de comunicação, de uma sensação de perda de referências morais, dada pela identificação entre inclusão social e crise econômica e política. De forma seletiva, foi sendo criada uma atmosfera regressiva, uma narrativa que de antemão conduzia ao fracasso e que apelava para ações de recuperação da antiga hegemonia de classe. Para isso valia tudo, de violência simbólica à explícita. Os movimentos populares foram criminalizados, as políticas sociais demonizadas.
As pessoas passaram a se dirigir pelo medo. De uma hora para outra, estava valendo recuperar o antigo desprezo pelo outro em nome de um projeto de sociedade excludente, mas defensável do ponto de vista da moral de classe. No filme Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, uma cena mostra como o medo adormecido mora no fundo da alma da classe média. Numa passagem aparentemente sem importância na história, um grupo que faz ioga ao ar livre vê chegar alguns jovens negros, que querem se integrar na dinâmica aparentemente espiritual e divertida que os “donos” da praia vivenciam. Na plateia quase ouve um surdo sinal de alerta, como se antecipasse uma possível violência ao se pular a cerca imaginária que separa as pessoas, mesmo no mais público dos espaços.
No entanto, o medo tem suas características ingovernáveis. O temor que foi jogado contra a sociedade acabou por retornar, como um bumerangue, para quem se orgulhava de tê-lo inventado. De repente, o homem mais medroso do Brasil é o traidor Michel Temer. Tem a rapina de tramar o golpe, mas se esconde na posse em meio a protocolos; convoca os ministros a reagir, mas foge para a China para fazer um papel de coadjuvante que há muito não se via com líderes brasileiros; comparece a cerimônias como Olimpíadas e paradas militares, mas entra mudo e sai calado, escondido por carros fechados e silêncio. É um homem medroso.
Em tudo esse comportamento covarde politicamente se contrapõe com a disposição de Dilma Rousseff, que respondeu a seus adversários de frente, passou por maratonas de entrevistas, fez questão de depor em sua defesa, conclamou seus aliados a resistir. A coragem da presidenta guarda certa semelhança com a política de inclusão que ela ajudou a implantar no país. Há nos dois casos uma certeza primária em torno do valor supremo da igualdade entre as pessoas, mesmo que a história e as injustiças digam não.
Mas o medo tem também seus perigos. Ele começa no imaginário da ideologia, mas se fortalece na violência da vida real. Não é um acaso que a repressão aos movimentos populares venha sendo fortalecida pela ação truculenta das polícias. Querem que as pessoas tenham medo do medo e abandonem a luta. Esquecem que o medo só medra entre os fracos. O povo não sairá das ruas. Michel Temer, por sua vez, terá dificuldade em se esconder para sempre, mesmo que seu destino final seja exatamente esse: a invisibilidade da história.

 

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