Estudo

Livro investiga as consequências do desastre de Mariana na área da Saúde

Publicação gratuita e online traz capítulo sobre os impactos na saúde física e mental dos moradores da região

Saúde Popular |
Grupos de pesquisa se debruçaram sobre os acontecimentos para compreender os efeitos do desastre no meio ambiente e na saúde dos habitantes
Grupos de pesquisa se debruçaram sobre os acontecimentos para compreender os efeitos do desastre no meio ambiente e na saúde dos habitantes - Rogério Alves / TV Senado

Pouco mais de um ano após o desastre ocasionado pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, está disponível online e gratuitamente o livro “Desastre no Vale do Rio Doce – Antecedentes, impactos e ações sobre a destruição”. A coletânea de textos de diferentes grupos, que acompanharam de perto os desdobramentos do desastre, se baseia nas informações e análises geradas durante os primeiros seis meses após o rompimento.

Logo após o desastre, que logo foi compreendido como um crime ambiental, diversos movimentos sociais, Organizações Não Governamentais (ONGs), grupos de assistência médica e professores dirigiram-se para o local com o objetivo de prestar apoio às vítimas. Paralelamente à mobilização, foram muitos os grupos de pesquisa que se debruçaram sobre os acontecimentos na busca de compreender seus efeitos sobre o meio ambiente e sobre a saúde física e psicológica dos habitantes da região.

Notando a relevância e a riqueza do material produzido no primeiro semestre após o rompimento da barragem pertencente à Mineradora Samarco S.A, os organizadores do livro, Cristiana Losekann, coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Mobilizações Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e Bruno Milanez, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), convidaram diferentes movimentos sociais e grupos de pesquisa a apresentar a síntese de seus trabalhos para a construção da coletânea. Entre eles, está a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.

A organização das diferentes abordagens presentes no livro adota uma perspectiva temporal. Inicia-se com a discussão sobre os antecedentes do desastre, em uma tentativa de entender quais elementos estruturais e conjunturais podem ter levado ao rompimento da barragem. Em seguida, textos tratam dos impactos mais diretos, como as mudanças no rio e consequências para as pessoas e seus modos de vida. Por sim, algumas análises debatem os conflitos em torno da mitigação e da compensação da destruição causada.

Além do comprometimento do ecossistema, diversas demandas emergenciais de atendimento em saúde física e mental surgiram no pós-desastre. Relatos de quadros depressivos, estresse pós-traumático, problemas de sono, pânico, ansiedade e angústia se fazem presentes.

Confira, na íntegra, a entrevista com Camilla Veras, psicóloga que fez parte da equipe que escreveu o capítulo “Algumas análises sobre os impactos à saúde do desastre de Mariana”:

Saúde Popular: O que você destacaria sobre o capítulo?

Camila Veras: No capítulo, a gente focou na discussão do direito à saúde e seus determinantes sociais: a saúde como uma condição que é determinada socialmente, como um direito fundamental. O desastre, enquanto fenômeno social, econômico, e político, um crime ambiental como foi, afetou diretamente essa condição de vida das pessoas, o bem-estar e o direito à saúde.

Discutimos muito no capítulo essa forma de entender saúde como algo que está integrado com a vida social dos sujeitos, como todas essas questões de perdas materiais e imateriais impactam diretamente na saúde mental dos sujeitos, porque produz sofrimento, dor, falta de perspectiva de futuro. Tem quadros clínicos que já foram apontados pelo próprio Serviço Público da cidade de Mariana, como um aumento das situações de violência, de uso abusivo de álcool e drogas, de aumento de casos de depressão, ansiedade, suicídio e até óbvio — casos mais agravados de sofrimento que têm relação direta com os desajustes que aconteceram no território.

A gente também discute a questão da água, que foi contaminada pela lama. É a água que abastece a cidade, as pessoas estão consumindo. Discutimos quais são os possíveis impactos da contaminação dessa água e da ingestão, seja física ou através de alimentos, e como isso pode vir afetar a saúde física das pessoas a médio e longo prazo.

Outra coisa é que, através dos dados do SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto), que apontou que a lama de rejeitos possuía um nível elevado de metais pesados, a gente também fez uma pesquisa bibliográfica do que já se tem produzido sobre isso, que esse contato com os metais, seja no contato direto com a lama ou através do alimento, poderia afetar com a saúde.

Como foi o processo de produção desse texto em conjunto aos outros médicos e médicas?

A gente construiu esse capítulo baseado em um relatório que a Rede de Médicas e Médicos Populares elaborou dos possíveis impactos em saúde do desastre, feito logo após a nossa primeira visita ao território. Ainda tem muita informação que pode ser coletada de agora em diante e com certeza essas informações podem ser atualizadas.

Foi muito enriquecedor pensar a saúde de uma forma interdisciplinar. A saúde é muito mais ampla do que suas categorias, as pessoas não estão divididas em problemas físicos e mentais, elas são integradas, então o conhecimento também precisa ser visto dessa forma.

O conhecimento da psicologia, o que a gente produz com relação à saúde mental tem muito a acrescentar ao saber que é produzido na medicina e vice-versa. Foi uma troca muito potente e interessante, um processo de aprendizagem. Acho que foi novo pra todo mundo essa discussão. Não é algo que está no cotidiano precisar pensar como a saúde é impactada através de um desastre desse porte como o de Mariana.

Você participou da brigada de solidariedade da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares em Mariana. Na sua estada lá, quais foram os principais prejuízos à saúde gerados pela tragédia que percebeu?                        

Eu fui para o território logo em novembro, 15 dias após o desastre. Naquele primeiro momento, o caos estava instalado. Quase nenhuma medida emergencial tinha sido tomada, as pessoas estavam nas pousadas, o que estava mais forte era a questão da saúde mental: sofrimento, tristeza, o choque. As pessoas estavam deprimidas, não estavam conseguindo dormir, perderam o gosto pela vida.

Tive a oportunidade de retornar ao território dez meses depois e um ano depois. Essas questões de saúde mental permanecem, continuam sendo um agravante do desastre. Algumas questões físicas também surgiram: na cidade de Barra Longa teve um surto de dengue, por exemplo. Muitos casos de alergia, por conta do contato com a lama, com a poeira. Na unidade de saúde também foi relatado muito caso de diarreia.

Quando a lama chegou, as próprias pessoas tiraram a lama dos seus quintais, casas, entraram na lama para poder resgatar objetos e pessoas. O contato foi muito direto, provocando tanto problemas na pele quanto questões respiratórias. A lama continua em algumas cidades, então as pessoas continuam respirando a poeira.

Além disso, houve aumento de casos de violência doméstica, gerada também por conta da Samarco ter distribuído o cartão benefício no nome dos homens, fazendo com que o dinheiro fique com eles, na contramão de todas as pesquisas já realizadas sobre isso.

Link para o pdf do livro aqui.

Edição: Juliana Gonçalves

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