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Teste do pezinho: Governo do Rio deixa 60 mil bebês sem exame médico

Há cinco meses o teste não é feito de forma regular; o exame detecta seis doenças graves

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Médicos de unidades de saúde do Rio confirmam problemas com o teste do pezinho
Médicos de unidades de saúde do Rio confirmam problemas com o teste do pezinho - Foto: Blog da Clínica da Família da Penha

Mais de 60 mil bebês do estado do Rio de Janeiro estão sem fazer o teste do pezinho, um importante exame médico que detecta seis doenças que causam deficiência física e mental se não for identificada a tempo. A informação é da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), entidade que está negociando com o governo do estado para regularizar a situação e assumir a administração do exame.

“Há cinco meses o Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE) vem apresentando atrasos no processamento dos resultados exames. Cerca de 60 mil testes do pezinho estão sem resultados. Infelizmente algumas doenças não poderão mais ser detectadas, pois com o tempo esse material coletado vai sofrendo alteração, prejudicando assim o diagnóstico”, explica a diretora executiva da APAE, Tânia Athayde.

A diretora da APAE alerta ainda para as consequências desses exames sem resultado, que vão recair sobre as famílias dos bebês. “Infelizmente os mais prejudicados serão as crianças e suas famílias. A consequência é uma deficiência que poderia ser evitada. Isso vai impactar principalmente nas famílias mais pobres que dependem do estado para fazer o exame”, aponta Tânia Athayde. O Brasil de Fato, desde segunda-feira (20), vem procurando a Secretaria de Estado de Saúde (SES) e o IEDE, órgão estadual responsável por administrar o exame, para saber o motivo dos problemas que afetam esse importante setor da saúde, mas até o fechamento dessa reportagem, nessa quarta-feira (22), não haviam respondido aos questionamentos feitos pelo jornal.

Entre as doenças detectadas no teste do pezinho está a anemia falciforme. Embora não tenha cura, se tratada logo no início a doença pode ser controlada e assim os portadores desta doença têm mais qualidade de vida, de acordo com a presidenta da Associação dos Falcêmicos e Talassêmicos (Afarj), Zaira Vânia da Costa.

Além dos atrasos, Zaira apontou outro problema grave envolvendo o teste do pezinho. “Muitos resultados entregues nos últimos meses estão com diagnóstico errado e terão de ser refeitos. Também temos casos de exames incompletos e mal feitos. Desde outubro de 2016, as reclamações das mães aumentaram muito nesse sentido”, denuncia a presidenta da Afarj.

O Teste do Pezinho deve ser feito após as primeiras 48 horas depois do nascimento e até o 5º dia de vida, com uma amostra de sangue coletada do calcanhar do bebê. Em 2001, uma lei tornou o exame obrigatório.

Além da anemia falciforme, que pode afetar quase todos os órgãos do corpo, provocando atraso no crescimento, dores e infecções generalizadas, outras cinco doenças podem ser detectadas e tratadas a tempo de não provocar danos mais graves. Entre elas está a fenilcetonúria, que pode causar deficiência mental. Hipotireoidismo congênito, que sem tratamento leva ao retardo mental e comprometimento do desenvolvimento físico. A fibrose cística, que provoca infecções respiratórias e gastrointestinais, ataca pulmões e pâncreas. A hiperplasia adrenal congênita (HAC), que prejudica a produção de hormônios essenciais para o corpo, como o cortisol e a aldosterona. E a deficiência de biotinidase, uma doença genética, que impede que os alimentos sejam processados ou metabolizados pelo organismo.

Desde 2010, o IEDE, ligado à Secretaria de Saúde, é o único responsável por processar o exame. A coleta de sangue dos bebês é feita em maternidades e postos de saúde. Mais de 50% de todas as crianças que nasce no Rio de Janeiro, dependem do sistema público de saúde para fazer esse exame. Depois esse material é encaminhado ao instituto, que realiza cerca de 15 mil testes do pezinho por mês. Esses dados estão disponíveis na página web da Secretaria de Saúde.

Em consequência dos problemas apresentados, o governo do estado está devolvendo à APAE a administração do exame. Antes do IEDE assumir, era essa a entidade responsável pelo teste do pezinho no estado. “Desde o dia 6 de fevereiro estamos recebendo todo o material coletado para exames, enviados ao IEDE. Estamos conferindo e catalogando tudo. Vamos começar a processar o resultado pelos materiais que foram coletados por último, devido a uma questão técnica, com o objetivo de salvar os exames que tem chance de diagnóstico mais certeiro”, diz a diretora executiva da APAE, Tânia Athayde.

Ela afirma ainda, que os problemas no IEDE começaram há pelo menos 2 anos, mas que só esse ano a Secretaria de Saúde tomou uma atitude para resolver o problema. “A APAE está habilitada a realizar o exame desde janeiro de 2016, mas a transferência para entidade foi protelada e só agora estamos avançando. Ainda não formalizamos o convênio com o governo do estado, mas isso deve ser feito em duas semanas”, afirma Tânia Athayde.

Até lá, a demanda de 15 mil testes mensais, realizados nas 458 unidades de saúde do estado, vão entrando na fila de espera. “Para agilizar o processo, a APAE já está começando a entregar o kit de material para a coleta de sangue. Mesmo sem assinar o convênio, já estamos tentando acelerar o processo para não prejudicar ainda mais os diagnósticos”, ressalta a representa da APAE.

Governo Pezão não investiu o mínimo na Saúde

A bancada do PSOL na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) protocolou dia 16 de fevereiro, um pedido de impeachment contra o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB).

Segundo os deputados, o governador descumpriu do valor mínimo de investimento em saúde. A lei estabelece que 12% da arrecadação total de impostos do governo estadual deve ser destinado a esse setor. O relatório fiscal de 2016, publicado no Diário Oficial do estado, no dia 15 de fevereiro, mostrou que esse percentual ficou em apenas 10,35%. O impeachment ainda não tem data fixada para entrar em votação da Alerj.

Problemas na saúde do município do Rio

A crise que afeta a saúde da rede estadual também está chegando nas unidades administradas pela prefeitura do Rio. Isso é o que apontam pelo menos seis médicos entrevistados essa semana pelo jornal Brasil de Fato.

Foi relatada a falta de insumos básicos como seringas, gases para curativo e luvas, assim como a falta de remédios nas farmácias públicas e até atrasos nos salários de médicos e outros funcionários das clínicas da família, unidades de pronto atendimento (UPAs) e centros de emergências.

“Há pelo menos 15 dias que não recebemos o kit para controle de glicose em diabéticos. Sem isso o paciente não tem como saber quando deve tomar a insulina. Também estamos sem alguns antibióticos importantes, remédios de hipertensão e outros medicamentos”, explica a médica de uma unidade da zona norte do Rio que pediu anonimato.

Outra médica, que atende também na zona norte e no centro do Rio, também relata falta de remédios. “Os recursos da assistência farmacêutica da Rio Farmes não estão sendo repassados pela prefeitura. Nessa última remessa, mais de 50% dos remédios solicitados por algumas unidades de saúde não foram atendidos”, destaca a médica de família.

Pelo menos 500 funcionários de duas organizações sociais (OSs), empresas que administram unidades de saúde, receberam com 15 dias de atraso esse mês. A SPDM, a OS que faz gestão das UPAS de Paciência, João XXIII e Sepetiba foi uma delas. A outro que apresentou atrasos no pagamento é a IABAS, que administra a UPA da Vila Kennedy. Além disso, alguns médicos residentes (que recebem através de bolsas de estudo) ainda estão sem recebe até hoje.

“É a primeira vez que sofremos com atrasos de pagamentos na rede municipal. Nosso medo é que a crise que estamos vendo no governo do estado já tenha chegado à prefeitura do Rio”, diz um médico de clínica de família da prefeitura.

Outros três médicos com quem a equipe do Brasil de Fato conversou também relataram os mesmos problemas nas unidades onde atendem. A dificuldade em realizar exames médicos fornecidos pela rede estadual é um problema que as unidades municipais também começam a enfrentar.

A paralisação do Rio Imagem, centro estadual de diagnóstico, localizado no Centro do Rio, fechou as portas em janeiro, devido à falta de pagamento de funcionários. Todos os empregados terceirizados foram demitidos no começo de fevereiro, prejudicando assim os 20 mil exames realizados por mês no Rio Imagem. Entre os mais solicitados estão a ressonância magnética, mamografia, tomografia, Raios X, ultrassonografia e ecocardiografias.

Edição: Vivian Virissimo