Cultura

“Lorota boa”: coluna do Mouzar questiona a existência do Dia da Mentira

Para o escritor, não justifica o 1° de abril, pois falar a verdade tem sido coisa rara

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
"Dias da mentira sobram, o que falta é um 'Dia da Verdade'", diz Mouzar Benedito na coluna semanal
"Dias da mentira sobram, o que falta é um 'Dia da Verdade'", diz Mouzar Benedito na coluna semanal - laburbuja/flickr.com

Primeiro de abril, Dia da Mentira! Não concordo com essa comemoração. Se estabelecemos um dia do ano como “Dia da Mentira”, significa que acreditamos que os outros todos seriam “Dias da Verdade”. Dá pra acreditar? Dias da mentira sobram, o que falta é um “Dia da Verdade”.

Se pelo menos a verdade prevalecesse sempre sobre a mentira, a gente podia comemorar. Mas seja qual for o aspecto da realidade brasileira, pense bem, a mentira tem tido muito mais força do que a verdade, mesmo que a verdade seja conhecida.

Na política, basta ver a reação de acusados de mutretas. “É uma inverdade”, dizem. A palavra “inverdade” substituiu “mentira” no linguajar de muita gente.

Imagino que seja porque essas pessoas não podem dizer que o que falam delas seja mentira, talvez seja no mínimo meia verdade. Então, usam essa palavra besta, “inverdade”.

Quem fala “inverdade” em vez de “mentira”, pra mim, já é suspeito.

Mentiras podem até ser usadas desde para eleger um presidente dos Estados Unidos como para derrubar uma presidente do Brasil.

Muitas mentiras são tão repetidas, especialmente nas redes sociais, como Facebook e não sei quê mais, que quando a verdade aparece, não acreditam nela.

Muita gente prefere acreditar na mentira divulgada com muito ódio na internet, pelo menos quando isso lhes convém: se a mentira for contra adversários, é tratada como verdade. E quando a verdade atingir a turma deles, aí é tratada como mentira.

Não dá pra acreditar nem na Justiça. Se um empresário corrupto dá grana para políticos de dois partidos, tudo o que foi dado a um deles é tratado como propina, corrupção.

E tudo o que foi dado a outro é tratado como legítimo, normal. Nem sequer falam em investigar nada contra os previamente insuspeitos.

E a imprensa? Como jornalista, de vez em quando, fico espantado com a cara-de-pau de alguns colegas. Divulgam mentiras sabendo que são mentiras.

E a publicidade? Pode-se acreditar no que diz sobre qualquer coisa?

Você confia totalmente nas informações que lhe dão os rótulos de produtos industriais? E no que lhe dizem quando vão vender um plano de saúde, um serviço bancário, um plano de TV por assinatura?

Estamos vivendo um tempo em que tem até especialista em divulgar mentiras. Chamam isso de pós-verdade.

Então, reafirmo: não se justifica a existência de um dia da mentira quando ela prevalece quase sempre sobre a verdade. A vitória da verdade sobre a mentira, acredito, é uma coisa bissexta. Acontece muito raramente.

Acho até que a verdade tem alguma coisa a ver com 29 de fevereiro: só aparece uma vez a cada quatro anos.

Por isso, proponho: Que 29 de fevereiro seja comemorado como “Dia da Verdade".

Edição: Brasil de Fato