Atualização

Normas jurídicas precisam de revisão que impeça abusos, diz deputado Wadih Damous

Câmara estuda novo Código de Processo Penal e debate temas como delações e prisões preventivas

Brasília-DF |
Para Wadih Damous (PT-RJ), o país vive um momento de constantes arbítrios no sistema de Justiça
Para Wadih Damous (PT-RJ), o país vive um momento de constantes arbítrios no sistema de Justiça - Divulgação

No contexto atual do país, um dos debates apontados como relevantes na cena político-jurídica é a discussão em torno da atualização do Código de Processo Penal (CPP), que vigora desde 1940. Alterações de normas que regem práticas como delações premiadas e prisões preventivas, por exemplo, estão na ordem do dia.

Com potencial incendiário e visto sob diferentes prismas, o tema está em voga em uma comissão legislativa criada na Câmara Federal para tratar especificamente da revisão do CPP. Uma das propostas apresentadas no colegiado diz respeito à participação da Justiça no processo de delação premiada.

Atualmente, o Ministério Público (MP) negocia com os delatores e o magistrado responsável pelo caso homologa o acordo. Mas, alguns parlamentares têm defendido que o juiz também participe de todo o processo da delação. Para o deputado Wadih Damous (PT-RJ), a mudança seria de grande relevância para impedir eventuais excessos ao longo do processo.

“Isso daí não pode ficar só na mão do MP. (...) e o acusado tem direitos. A delação, como tem sido operada no Brasil, sobretudo pela Lava Jato, é uma forma de coação. Fazem até prisão preventiva ou ameaça de prisão pra forçar uma delação, então, quanto mais fiscalização houver dos procedimentos, melhor vai ser, tanto para a democracia, quanto para o processo”, argumenta.   

O petista defende ainda a ampliação da proposta, de forma a estabelecer normas que impeçam o comprometimento da isenção do juiz. “Nós deveríamos dividir a função judicial. O magistrado que participasse dos procedimentos de delação não poderia ser o mesmo a julgar a causa”, sugere Damous, que avalia a possível apresentação de uma emenda para incrementar o ponto em discussão.

Na avaliação dele, a história recente do país aponta casos de abuso que justificariam a divisão das atribuições. “O juiz que participa da instrução, como é o caso, por exemplo, do Sérgio Moro [na Lava Jato] e do Joaquim Barbosa no Mensalão, que agiram quase como investigadores, participando de quase toda a produção da prova, de toda a colheita da prova, não deveriam ser os juízes julgadores”, complementa.

Contraponto

O tema está imerso num cenário de polêmicas. Para o advogado e jurista Antônio Pedro Melchior, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o papel dos magistrados contrasta com a atribuição de acompanhamento das delações.

“O juiz é um destinatário das provas que são debatidas no processo. Quando ele se desloca da posição de árbitro – para fins de análise dos requisitos formais da delação – para uma situação de participação ativa na Justiça negocial, ele compromete em absoluto sua imparcialidade pra julgar o mérito do processo”, argumenta Melchior, acrescentando que a mudança “seria contraproducente aos interesses do processo”.

O jurista destaca que o assunto tem diversos aspectos de análise, dada a complexidade do tema, e defende que o instituto da delação precisaria ter a normatização aprimorada, em vez de incluir os magistrados no processo. Ele menciona a preocupação com questões como: a utilização do instrumento como forma de constrangimento ligado à liberdade; a inversão do dever de provar a acusação, que, essencialmente, cabe ao MP e não ao próprio acusado; e o uso político do instrumento. “Nós precisaríamos atuar a partir dessas disfunções”, sustenta.

Cercado de controvérsias, o tema volta a ser debatido na comissão em agosto, após o recesso parlamentar. Na sequência, devem ser votados os relatórios com as diferentes propostas que circundam a atualização do CPP, que tratam de diversos subtemas, como prisões preventivas, conduções coercitivas, execução penal, entre outros.  

Prisão após segunda instância

Um dos pontos debatidos pelo colegiado diz respeito à modificação de um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite a prisão de réus, após a condenação em segunda instância. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) destaca que a mudança está relacionada à presunção de inocência e que a execução penal precisaria vir ao final da confirmação da sentença.

“Se você ainda não julgou definitivamente, você não pode prender, ainda mais do jeito que o Judiciário brasileiro é, com os desembargadores estaduais indicados pelos governadores. Só se pode prender depois de uma análise do caso pelos tribunais superiores”, sustenta.

O petista é um dos quatro relatores parciais do Projeto de Lei (PL) 8045/10, que motivou a instalação do colegiado para revisar o CPP. A matéria conta ainda com um relator geral. Originário do Senado, o PL deve passar também pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo plenário da Câmara, após a votação dos relatórios na comissão especial.

Prisão preventiva

Outro ponto defendido pelo deputado é a fixação do prazo de até 180 dias para a prisão preventiva, instituto que, pelo CPP, não tem tempo determinado. A alteração é uma das propostas trazidas pelo PL.

“Hoje, 40% dos presos no Brasil são provisórios, então,  se não tiver um prazo para a Justiça julgar, eles vão ficar mofando lá. É preciso julgar, para que as pessoas – eventualmente, até inocentes – não fiquem pagando prisão ad aeternum”, argumenta Paulo Teixeira.

No voto apresentado, o petista determina ainda que os casos de prisão preventiva sejam devidamente embasados, não podendo ter como justificativa o argumento da garantia da ordem pública, constantemente utilizado no sistema de Justiça. A alteração também é defendida por Damous.  

“Prender com base na ordem pública é algo que foi tirado do Direito nazista. O juiz tem que especificar no que a ordem pública está sendo ameaçada para poder ensejar a prisão preventiva do acusado. Se ele é uma ameaça por questão de obstrução da Justiça, por exemplo, é preciso dizer como ele pode objetivamente obstruir. Não basta ficar enunciando. Tem que detalhar cada item que permita a prisão”, argumenta o deputado carioca.

No caso da Lava Jato, por exemplo, um levantamento do site Poder 360 apontou que 63% das prisões preventivas decretadas pelo juiz federal Sérgio Moro, do Paraná, foram revogadas ou relaxadas pelos tribunais superiores.

Para Damous, o país vive um momento que oportuniza o debate sobre a atualização do CPP, abrindo caminho para uma revisão mais orientada aos princípios democráticos.

“Temos que aproveitar essa explicitude de arbítrio, de abusos, de ilegalidades pra aperfeiçoar os elementos jurídicos, fazendo uma contracorrente nesse sentido”, finaliza.

 

 

Edição: Camila Salmazio