Desfecho

Os motivos por trás da suspensão do acordo de delação de Eduardo Cunha

Postura do ex-deputado ao omitir fatos de aliados e fazer acusações seletivas aos desafetos trava negociações

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Peemedebista teve mandato cassado em setembro de 2016
Peemedebista teve mandato cassado em setembro de 2016 - José Cruz/Agência Brasil

A decisão da Procuradoria-Geral da República (PGR) de suspender as negociações para formalizar um acordo de delação premiada com o ex-deputado-federal cassado Eduardo Cunha (PMDB) não surpreendeu juristas e cientistas políticos, que já vinham acenando nos últimos meses com essa possibilidade. Para esses especialistas, a delação não pode ser usada pelo réu meramente para 'se vingar' de inimigos e deixar de lado as pessoas a ele ligadas. E foi exatamente este o argumento apresentado pelos procuradores para chegar a tal decisão.

Nos bastidores do Ministério Público Federal (MPF) – que teve uma manhã agitada desde que vazou para a imprensa a notícia da suspensão do acordo –, o que se comenta é que Cunha, ao longo de quase oito meses, demonstrou disposição apenas para fazer denúncias contra desafetos políticos com os quais se desentendeu pouco antes de ser preso. Contudo, não teve vontade semelhante de falar sobre as lideranças políticas e os deputados que sempre fizeram parte do seu grupo no Congresso Nacional.

O ex-deputado tentou, na visão dos procuradores, fazer o que muitos chamaram de “delação seletiva dos fatos”, omitindo informações que pudessem comprometer aliados, o que teria levado ao travamento da negociação com seus advogados. A visão dos procuradores é que, se viesse a ser acatado, o acordo pudesse fragilizar o instituto da delação premiada no país, que já é objeto de críticas.

Pelo menos dois juristas tinham, bem antes desse desfecho, opinado sobre a possibilidade de a delação não ser concluída: os ex-ministros e ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto e Carlos Velloso. Da mesma forma previu o cientista político Alexandre Ramalho.

‘Cautela com vinganças’

“Toda colaboração premiada pressupõe cuidados dos negociadores públicos, porque elas podem servir de instrumento de vingança para alguns. É preciso ter muito cuidado, é uma pecinha de cristal. Demanda cuidados especiais para ver até que ponto o colaborador está falando a verdade, ou se, para receber favorecimento, caiu no terreno da invencionice ou maldosamente quer retaliar alguém. Se bem aplicada, a colaboração premiada se revela como um eficaz mecanismo de desvendamento de crimes”, afirmou Ayres Britto em entrevista na qual comentou a negociação para se firmar uma delação do ex-presidente da Câmara, em outubro e 2016.

Carlos Velloso, por sua vez, destacou que a colaboração precisa “servir operacionalmente para identificar criminosos e para conhecer em profundidade fatos tidos como delitos”, em texto divulgado logo após a prisão de Eduardo Cunha, no ano passado.

Procurado pela RBA, o cientista político Alexandre Ramalho afirma que, para que fosse aceita a negociação proposta pelos advogados do ex-parlamentar, “ele teria de apresentar informações novas”. “Como esteve no epicentro das negociações políticas dos últimos anos até 2016, muita coisa que o ex-deputado protagonizou já foi usada por outros delatores”, aponta. “Eduardo Cunha teria de falar sobre pessoas e crimes que ainda não são do conhecimento de todos. Mas, pelo que entendi, se recusa a entregar aliados mais próximos”, avalia.

O mesmo entendimento foi dado por um procurador da República que não quis se identificar, mas confirmou no início da tarde que a principal dificuldade foi a falta de conexão das informações repassadas pelo ex-deputado. No acordo que vinha sendo negociado, personalizado em um documento que possui cerca de 100 anexos, Cunha limita suas informações apenas a citações ao secretário-geral da Presidência, Moreira Franco; ao ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e aos lobistas Júlio Camargo e Fernando Soares.

Também teria irritado o grupo responsável pela condução dos trabalhos da Lava Jato no MPF, segundo este procurador, o fato de os advogados insistirem em pedir que o ex-presidente da Câmara fosse liberado para passar a cumprir sua pena em prisão domiciliar no final deste ano. “Um réu tenta fazer delação para obter alguma vantagem, não para negociar como se estivesse exigindo algo do MPF”, afirmou este procurador, segundo o qual a postura de Cunha demonstrou “prepotência” na Procuradoria-Geral.

Para completar, o clima ficou tenso entre a equipe da PGR e os advogados quando uma última cartada foi tentada na semana passada, com os apelos para que os procuradores voltassem a ouvir o ex-deputado em Curitiba, onde está preso desde o ano passado.

Impeachment e portos

Entre os temas que mais interessam à PGR a serem contados em uma eventual delação de Cunha constam fatos envolvendo deputados que atuaram ao seu lado durante a votação do processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e dados mais consistentes sobre a conta definida por ele como um trust (arranjo que permite ao instituidor de um fundo ou benefício transferir bens para outra pessoa a fim de serem administrados para o benefício de terceiros).

O trust teria sido aberto em seu nome em um paraíso fiscal e foi um dos motivos que levaram o ex-deputado à prisão. Para os procuradores, ligações desses recursos com o presidente Michel Temer e outros políticos poderiam ser apresentadas por Cunha, que não manifestou nada a respeito.

A PGR também gostaria de saber num acordo de delação com o ex-deputado o que realmente aconteceu no processo que levou à Medida Provisória dos Portos – que contou com o lobby de várias empresas e acabou com a vantagem de importadoras em muitos estuários do país. Além de favores concedidos a ele e outros políticos pela OAS, sobretudo na área de aeroportos e na Secretaria de Aviação Civil. 

Edição: RBA