Coluna

Quando a educação não vai bem, a sociedade não está bem

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Heley Abreu Silva Batista morreu tentando proteger seus alunos em Janaúba
Heley Abreu Silva Batista morreu tentando proteger seus alunos em Janaúba - Arquivo pessoal
Milhares de professores dedicam suas vidas à escola

Assim como muitos, ao falar deste 15 de outubro, me recordo da professora Heley Abreu Silva Batista. Por instinto da profissão, ela protegeu as crianças no Centro Municipal de Educação Infantil Gente Inocente, em Janaúba, no Norte de Minas Gerais, contra o fogo e salvou todas que conseguiu. Talvez, se ela tivesse feito a opção de salvar sua vida, poderia estar se recuperando num hospital. 

Heley recebeu muitas homenagens póstumas. Sua mãe, num ato de profunda compaixão e misericórdia, afirmou que perdoaria o vigia Damião Soares. 

Todos os relatos de amigos e parentes são unânimes em afirmar como Heley amava a profissão, demonstrando que era sua opção de vida.  

As homenagens póstumas não bastam. Indicam solidariedade, mas, não bastam. É preciso sempre aprendermos com as tragédias que vivemos. Para que não se repitam. É preciso o reconhecimento da profissão enquanto milhares de homens e mulheres dedicam suas vidas às escolas. 

A educação é o discurso preferido em campanhas eleitorais. Todos enfatizam a necessidade de defender a nossa profissão, mas... o discurso, após as eleições, muitas vezes, se perde em interesses privados. 

No dia 9 de outubro, o senador Cristovam Buarque participou de uma sessão especial do Senado em homenagem aos/às professores/as. Nada mais hipócrita. Ele, junto com a maioria dos seus colegas, tenta acabar com o Piso Salarial da categoria e impor políticas de demissões no serviço público. Também vieram do Senado Federal o voto final que congelou os investimentos em educação por 20 anos, a aprovação da terceirização que pode chegar agora à sala de aula, a desprofissionalização docente com a MP 746.  Não me sinto homenageada por quem tenta destruir a minha profissão e a escola pública. 

Em Minas Gerais, dados de uma pesquisa do Sind-UTE/MG feita com a categoria revelam que 43,8% dos trabalhadores já foram vítimas de violência no ambiente de trabalho e 15% sofrem com doenças relacionadas à ansiedade. Nas escolas estaduais mineiras, de acordo com dados do Custo Aluno/a Qualidade Inicial, apenas 52,81 % possuem condições adequadas de alimentação escolar, 41,88% possuem dependências e/ou vias adequadas para o atendimento de alunos/as com deficiência ou mobilidade reduzida, entre outros dados que mostram os inúmeros problemas estruturais. 

As condições de acesso e permanência na educação infantil, nível de ensino em que a professora Heley trabalhava, são igualmente preocupantes. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) demonstram que apenas 35% das crianças conseguem vagas em creches, escolas particulares ou unidades de educação infantil. A maioria das prefeituras no Brasil criou uma hierarquia de desvalorização da profissão nesta fase de ensino: são os piores salários, muitas vezes, ainda menores que os salários dos/as professores/as do ensino fundamental, sem políticas de carreira ou valorização profissional. No caso de creches, que funcionam por convênios com o poder público, a situação é ainda mais vergonhosa. Não há garantias de investimentos em infraestrutura. A professora Heley recebia de salário menos do que o Piso Salarial da nossa categoria. Embora tivesse pós-graduação, seu salário era de professora com nível médio de escolaridade. 

Aos que querem render homenagens à nossa profissão, conheçam a nossa realidade e se comprometam em mudá-la ou fazer essa defesa. A luta por salários justos, condições de trabalho e carreira não pode ser deixada apenas para a própria categoria. Ou todos nós defendemos a escola pública e os seus profissionais ou continuaremos desejando "parabéns" para uma professora cada vez mais adoecida, mal remunerada, que enfrenta condições de trabalho cada vez piores. 

Quando a educação não vai bem, a sociedade não está bem! É também na escola que definimos o que nos tornaremos: se uma sociedade mais justa, solidária, inclusiva, democrática, que respeite a diversidade ou uma sociedade do medo e do ódio. Nenhuma profissão é tão essencial nesta disputa da civilização contra a barbárie como a nossa. Venha fazer esta luta com a gente! 

Às minhas colegas e aos meus colegas de profissão, um forte abraço pelo nosso dia! 

Beatriz Cerqueira
Professora e Coordenadora-geral do Sind-UTE/MG

Edição: Joana Tavares