Lula na estrada de novo

Na segunda caravana pelo Brasil, o ex-presidente visitou diversas cidades para dialogar com o povo mineiro

Realizar a segunda fase de sua caravana por Minas Gerais, após o grande sucesso da primeira, no mês de agosto, percorrendo todos os estados do Nordeste, parecia ser um feito ousado para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda assim, ele encarou o desafio: foram 1.500 quilômetros rodados em oito dias, de 23 e 30 de outubro.

Pela segunda vez, nós do Brasil de Fato, da Mídia Ninja e dos Jornalistas Livres tivemos a oportunidade de acompanhar esta travessia, que passou por 21 cidades: Ipatinga, Periquito, Governador Valadares, Teófilo Otoni, Catuji, Padre Paraíso, Ponto dos Volantes, Itaobim, Itinga, Araçuaí, Coronel Murta, Salinas, Rubelita, Francisco Sá, Montes Claros, Bocaiúva, Diamantina, Olhos D'água, Couto de Magalhães de Minas, Cordisburgo e Belo Horizonte.

Desta vez, tivemos um reforço na comunicação. Em várias ocasiões, Lula deixou de discursar para entrevistar estudantes, camponeses, pescadores e trabalhadores nos palcos dos atos públicos.

No "talk show", o ex-presidente arrancou risadas e histórias de luta e resistência do povo mineiro, além de ouvir a demanda local dos municípios. Nesses diálogos, ficava nítida a identificação com as pessoas mais pobres, que enfrentam privações absurdas. E também a obsessão de Lula em torno da ideia de que o pobre "só precisa de oportunidade, porque inteligência ele tem".

Disposição

Mesmo com uma programação mais enxuta em relação a do Nordeste, a caravana em Minas Gerais manteve o ritmo intenso e imersivo. Acompanhamos o trajeto de ônibus com a equipe de comunicação da caravana. Toda manhã, o veículo saia pontualmente junto com a saída do ex-presidente do local onde se hospedava. Certo dia, o disposto Lula é quem foi até nós e concedeu uma entrevista coletiva aos veículos da imprensa popular e alternativa em nosso ônibus.

"Tenho 72 anos, corpinho de 30 e tesão de 20 para a luta", repetiu algumas vezes o ex-presidente nos palanques.

No entanto, em Araçuaí, Lula pareceu cansado, até um pouco irritado. No palco, entrou um rapaz arrumado, levando um papel amassado. Aparentemente, o jovem estava nervoso. Assim que o viu, o ex-presidente mudou o semblante. A sensação era a de que o cansaço arrefeceu. Lula pediu mais um microfone – "Quero conversar com ele, poxa" – e começou mais uma entrevista.

Encontros

Se havia dúvida sobre a recepção calorosa em terras mineiras, ela foi dissipada na chegada ao Vale do Jequitinhonha. Em uma das paradas, a pequena cidade de Itinga foi tomada pela população, em plena terça-feira à tarde.

O local contou, inclusive, com um "camarote". Quem proporcionou isso foi a moradora Thaísa Cordeiro, que abriu as portas e varandas de sua casa para que diversos amigos pudessem ter um bom ângulo para ver e ouvir o ex-presidente. "Faço isso porque somos simpatizantes de Lula e reconhecemos a facilidade que ele trouxe para nós, moradores".

Em frente a uma ponte construída sobre o Rio Jequitinhonha durante o governo do petista, os moradores comemoravam os avanços da região e das políticas públicas para a população. Até então, Itinga era isolada. Lá, Lula reencontrou o balseiro Everaldo Vieira Souza, a quem havia prometido a construção da ponte em 1989, durante sua primeira visita ao local.

Outro encontro forte foi no caminho entre os municípios de Araçuaí e Salinas, no Vale do Jequitinhonha, em que aldeias indígenas da região aguardavam a passagem de Lula num local próximo à cidade de Coronel Murta. Fora do roteiro pré-estabelecido, o ex-presidente reencontrou a cacique Benvina Pankararu e, em um ritual, ela o abençoou pela segunda vez – a primeira havia sido em 2003.

Mudanças

Um dos pontos altos da viagem foi o ato cultural em Araçuaí, onde cancioneiros, corais e cantadores se apresentaram. Outro “momento festa” foi em Montes Claros, no Norte mineiro, que recebeu o ex-presidente em seu aniversário de 72 anos.

Gileno da Silva Alves, de 47 anos, de Guanambi (BA), viajou 380km para ver e prestigiar o momento. "O aniversário é dele, mas o presente quem ganha somos todos nós, brasileiros, com sua volta à Presidência”, afirmou ele, durante o ato na praça principal da cidade.

Emocionante também foi a visita de Lula aos agricultores familiares da Associação de Produtores da Região do Pentáurea, em Montes Claros, onde foi possível um encontro mais próximo e caloroso. Lá, os trabalhadores relataram como a vida mudou após os programas dos governos de Lula.

Um dos agricultores, Antônio Borges Pereira, de 51 anos, contou a mudança em sua família, em que seus filhos fizeram faculdade e voltaram para seguir com o trabalho no campo. "Eles se formaram em Direito e Veterinária, mas voltaram para cá. Outra filha fez técnico em Administração e ajuda nas finanças. Esses programas nos deram as condições boas para valorizar cada vez mais o trabalho na roça".

Cobranças

Mas a caravana não ficou só no apoio ao ex-presidente e à sua candidatura nas próximas eleições presidenciais. Os movimentos populares marcaram presença também para pressionar por pautas essenciais em suas regiões e pelo posicionamento do Partido dos Trabalhadores em relação às suas demandas.

Em Governador Valadares, uma das cidades impactadas pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco na cidade de Mariana, os atingidos se organizaram para pedir uma atuação mais concreta do governo do estado, que está sob gestão do também petista Fernando Pimentel.

Já em Diamantina, cidade que abriga um dos campi da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), uma reunião com 17 reitores de universidades e institutos federais mineiros apontou os efeitos do pós-golpe e suas reivindicações atuais.

Os representantes das instituições de ensino tinham uma demanda nítida: a anulação da Emenda Constitucional do Teto de Gastos Públicos, que congela os investimentos públicos, inclusive em educação, por 20 anos.

A Lula coube encorajar os reitores neste momento difícil: "Vocês estão na linha de frente dessa batalha. Não pode entrar nas costas de vocês a herança maldita que o golpe está deixando. Essa reunião nos convoca a uma luta mais séria em relação à educação".

Passado e futuro

No terceiro dia da caravana, na quarta-feira, 25 de outubro, o ex-presidente parou em seis cidades entre os vales do Mucuri e Jequitinhonha. A cada parada, as falas do povo, ainda que plurais, eram quase uma unanimidade: os governos de Lula e de Dilma foram os primeiros que efetivamente olharam para os pobres.

Em vários lugares, o carinho com a ex-presidenta Dilma Rousseff, destituída do cargo depois de um golpe, era visível e forte.

Ao longo do trajeto, as pessoas também destacavam que sentiam na pele os efeitos do golpe. Os cortes em programas sociais e políticas públicas, como o Bolsa Família e o de construção de cisternas, eram recorrentes entre os relatos do povo.

Chegando ao último dia, na segunda-feira, 30 de outubro, o ato de encerramento levou 40 mil pessoas à Praça da Estação, na capital mineira, Belo Horizonte. Em seu último discurso desta jornada, Lula assumiu dois compromissos, os mesmo que deram o tom político de toda a caravana. O primeiro compromisso é o de chamar um referendo para revogar as medidas implementadas pelo presidente golpista Michel Temer (PMDB), como as reformas trabalhista e da Previdência. Para isso, Lula já havia destacado que era necessário contar com o apoio popular, com a "autorização da sociedade", para que o Congresso Nacional seja pressionado.

Além disso, o ex-presidente agora prometeu que manterá um olhar atento e firme para a democratização da comunicação.

Esse compromisso de ampliar as vozes na mídia se faz urgente e necessário, ainda mais quando nota-se, novamente, que a cobertura feita pela imprensa comercial sobre estes oitos dias pouco focou na diversidade de histórias, relatos e rostos que acompanhavam a caravana.

Por isso, como jornalistas, ativistas e comunicadores populares, ressaltamos a necessidade de cada vez mais mídias independentes, populares e alternativas, que junto com o povo e conectadas em redes colaborativas, são fundamentais para a democracia.

Nós, do Brasil de Fato, dos Jornalistas Livres e da Mídia Ninja, encerramos a cobertura desta segunda caravana de Lula pelo Brasil com a certeza de que colaboramos na luta pela democracia, por um projeto popular de país e pelo povo brasileiro.