Mutirão para alfabetizar maranhenses conta com dedicação de 36 voluntários

Militantes do MST assumem o papel de coordenação das atividades

Cristiane Sampaio *

Brasil de Fato | Enviada especial ao Maranhão

Em qualquer projeto voltado para uma transformação social, o Estado costuma ser ator importante – fundamental, na maioria das vezes –, mas o esforço se converte em êxito especialmente quando a iniciativa conta também com outros braços. No caso do Projeto de Alfabetização Sim, Eu Posso, a engrenagem do trabalho é movida não só pelo empenho dos alunos, mas também pela energia dos 36 militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) que atuam como voluntários no dia a dia do projeto.

Para Inez Pinheiro, a dramática situação do estado é a inspiração para a entrega cotidiana à missão. "Quando a gente vê que no Maranhão nós temos quase 1 milhão de analfabetos, isso nos diz que temos uma tarefa", exprime. Baseado num método cubano e adaptado para o Brasil pelo MST, o projeto é desenvolvido em parceria com o Governo do Estado do Maranhão desde 2016.

O trabalho abrange 15 dos 30 municípios de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Maranhão e chega a mais de 20 mil pessoas. As ações do projeto têm um caráter multidimensional: vão desde o processo de mobilização para atrair novos alunos até o acompanhamento diário das atividades e dos profissionais que atuam na Jornada de Alfabetização.

Juntos, os voluntários, que vêm de 11 estados diferentes, coordenam as 1.332 turmas da segunda etapa do projeto. Eles se desdobram entre uma demanda e outra pra não deixar faltar o que a iniciativa tem de melhor: a solidariedade -- um sentimento que não só mobiliza muitos atores como flexibiliza distâncias. Foi o que ocorreu, por exemplo, com Maria Raimunda César, que saiu do Pará para atuar na jornada.

"O processo de luta e de resistência não tem fronteiras, apesar de a gente estar aqui num front de resistência permanente", considera.

Músico Marquinhos Monteiro é voluntário no projeto "Sim, Eu Posso" no Maranhão

O envolvimento emocional com a causa está presente a todo momento, como conta o músico Marquinhos Monteiro. Ele exerce uma função mais que especial no projeto: todo dia, salta de turma em turma para alegrar os alunos ao som de um violão embalado por letras que cantam a vida do povo do sertão. O militante é, inclusive, autor da música oficial do Sim, Eu Posso.

"Como eu sou do campo, sempre fui [trabalhador] rural e sempre estudei em escola agrícola, com a vivência do MST, já sei o sofrimento, porque pobre é pobre em qualquer lugar", diz.

Etapas

A atuação dos voluntários começou em 2016, com um processo formativo da Brigada Salete Moreno, grupo que coordena as ações. Na sequência, eles se dedicaram ao trabalho de base para a divulgação do projeto junto ao público-alvo – um mergulho na realidade dos rincões maranhenses, em busca de conhecer as necessidades de cada família procurada.

Durante as visitas, não foram poucas as vezes em que os militantes se depararam com a resistência dos moradores, muitos deles maltratados pela baixa autoestima e pela descrença nas ações do Poder Público.

"A política pública nunca chegou até eles, a ponto de uma senhora dizer assim pra mim: 'Nunca ninguém me perguntou se eu queria estudar'. Isso é muito forte", relata Inez Pinheiro.

Mas, com jeitinho, o objetivo era alcançado e os voluntários conseguiam efetuar as matrículas. O segredo para a recepção dos moradores poderia estar, por exemplo, num sorriso abre-portas e numa poesia de Carlos Marighella, como narra Elitiel Guedes. Em uma das visitas, ao citar um verso do guerrilheiro, ele conseguiu a façanha de desarmar um idoso que resistia ao convite para participar do projeto.

"Ele disse que não ia estudar porque não aprendia, aí eu disse: 'Olha, vou falar uma frase para o senhor do Carlos Marighella em que ele diz que nós jamais devemos desistir das pessoas porque nós não tivemos tempo de ter medo'. Ele ficou pensativo, pensativo e falou assim: 'Pode colocar meu nome aí, que eu vou estudar'", contou à reportagem.

Elitiel Guedes, militante do MST e voluntário do projeto "Sim, Eu Posso" no Maranhão

Perspectiva

O sentimento que tocou o aposentado é o mesmo que encontra terreno fértil no coração de gente como o voluntário Leandro Diniz, 25 anos. Filho de assentados da reforma agrária, ele ajudou a alfabetizar a própria avó, na época com 78 anos. A experiência, segundo ele, serviu de alimento para o trabalho na Jornada de Alfabetização.

"O que me move é isso de acreditar que é possível, acreditar na possibilidade de uma outra sociedade", revela.

E, por falar em incentivo, a voluntária Júlia Araújo destaca que o engajamento vem de uma paixão estimulada pelos próprios pais, que são militantes do MST. No horizonte da luta está a perspectiva de libertação da classe trabalhadora, o maior incentivo para a participação no projeto, segundo ela.

"A minha decisão pela militância vem daí, vem de uma clareza que o MST me proporcionou, de um apaixonar-se, de um encantar-se. Isso move inclusive a minha existência", compartilha a jovem.

Se vale a pena? Quem responde é o voluntário Reynaldo Costa, que tem mais de duas décadas de atuação no MST. Ele afirma que a participação na jornada é um dos momentos mais emocionantes da trajetória dele no movimento. Ao ajudar outras pessoas na busca pelos sonhos, sejam eles o do assentamento em um lote de terra ou o da alfabetização, o militante se sente com o dever cumprido.

"Não é nem que 'nós ajudamos'. É que esse é o papel da nossa luta. Não precisava nem dos 20 anos [de atuação no MST] pra dizer que vale a pena", declara.

*A repórter viajou com apoio do Governo do Estado do Maranhão e do MST

Edição: Camila Maciel e Vívian Fernandes | Fotografia: Leonardo Milano/Mídia Ninja

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