Luto e luta: a vida após o incêndio no edifício Wilton Paes de Almeida

Famílias que ocupavam, desde 2003, o prédio no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, ainda vivem o drama do desastre

Texto e fotos: José Eduardo Bernardes | Edição: Cecília Figueiredo

Um incêndio de grandes proporções atingiu o edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, na noite da última terça-feira, 1º de maio. No local, ao menos 146 famílias ocupavam o local desde 2003.

Ainda não existem dados concretos, mas cerca de 40 pessoas estão desaparecidas. Os bombeiros ainda trabalham para encontrar essas pessoas em meio aos escombros do prédio.

As famílias que sobreviveram ao incêndio estão em barracas e colchões ao ar livre, em frente a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Largo do Paissandu, a poucos metros do edifício.

O local também se tornou ponto de referência para doações que chegam de todos os lugares da cidade.

O Brasil de Fato foi até o Largo do Paissandu para ouvir essas pessoas e suas histórias.

Bombeiros trabalham no serviço de rescaldo do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu

Valtair

Valtair José de Souza, 47 anos. Morava sozinho há dois anos no edifício.

"Eu estava trabalhando no momento que caiu o prédio. Eu trabalho na rua Augusta, em um estacionamento. Quando cheguei aqui, vi essa situação.

Nós estamos esperando o poder público se manifestar. A prefeitura acena querendo levar a gente para abrigos, mas independente de a gente ter perdido nossas coisas, nós devemos ser tratados como famílias. Você acha que, se essas pessoas tivessem condições de pagar um aluguel, elas iriam ficar aqui, em uma situação como essa, sem tomar banho?

O governo fez o nosso cadastro, mas nunca chamou. Têm pessoas que estão cadastradas em programas habitacionais para mais de 10 anos. Não tem como pagar aluguel, as contas. A própria situação do país é que empurra. Perdi tudo. Geladeira, televisão, cama, roupas minhas e dos meus filhos”.

Assistentes sociais da Prefeitura de São Paulo montaram uma tenda em frente a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, para atender aos sobreviventes do incêndio

Fabiana

Fabiana Ribeiro da Silva Santos, 38 anos. Tem seis filhos e seis netos.


"Eu só lembro de muito barulho, muito grito, muito fogo e muita destruição. Só saí com a roupa do corpo. A maioria conseguiu sair, mas acho que muita gente ficou lá dentro também. Pelo menos 40 pessoas.

Eu pretendo continuar aqui, com o povo, até o governo, sei lá quem, fazer alguma coisa por nós.  Não tenho para onde ir. Tudo que e tinha estava lá dentro”.

Equipes de saúde também realizam atendimentos aos moradores do edifício Wilton Paes de Almeida

Clayton

Clayton Correia de Oliveira Filho, 38 anos. Morador do quinto andar do edifício. Era vizinho do apartamento onde supostamente começou o incêndio. 


"Era perto da uma hora da manhã, eu estava fazendo um bico, para manter a família, quando meu filho veio chorando me avisar que o prédio estava pegando fogo. Minha esposa conseguiu sair de casa e levar outras pessoas para fora do prédio. 


Você vê o descaso. Tem dois dias que o prédio foi abaixo e a prefeitura não fez nada. O que a gente vê é um monte de assistente social sem fazer nada, um monte de guarda comunitário e tudo mais, que parecem que estão nos acuando. E, na verdade, a gente não tem uma providência do governo.


Eles ofereceram albergue. Mas eles vão deixar as famílias juntas, vai deixar sair e voltar quando precisar? Se nós morávamos na ocupação, é porque precisávamos de uma casa”. 

Famílias que moravam no edifício incendiado estão em frente a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Local também se tornou ponto de referência para doações de roupas e alimentos

Maria

Maria Aparecida de Souza, 58 anos, morava há cinco anos no prédio, no quarto andar, logo abaixo do apartamento onde teria iniciado o incêndio. 

"Tinha um casal brigando no prédio desde à meia noite e parece que foi lá que começou o fogo. Eu acordei com barulhos que pareciam de bomba. Corri e peguei uma bolsa, tranquei a porta e desci correndo, junto com um monte de gente, com os filhos, cachorro, gato. 


Nós ficamos uns 40 minutos olhando o prédio e o fogo desceu até a portaria e só depois foi subindo até o topo do prédio”.

Tábata

Tábata Freire, 30 anos, morava há dois anos no prédio, no quarto andar.


“Foi uma briga de casal. A mulher jogou álcool na casa, acendeu o fósforo e um pouco do álcool pegou na criança, que está internada no hospital, porque pegou fogo no corpo dela.


No hospital o pai da criança disse que era só uma brincadeira. Mas essa brincadeira virou uma tragédia.


Era uma gritaria geral, ninguém entendia nada. Todo mundo pedindo socorro para sair do prédio. Consegui sair a tempo. Trouxe o celular, o meu RG, e um passe da escola que eu estudo atualmente. 


Nós vamos ficar aqui. Estamos esperando uma resposta da Prefeitura e do Estado”.