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Direito de protestar não pode ser restringido arbitrariamente, diz consultor da ONU

Nos últimos anos, Estado brasileiro desenvolveu cada vez mais recursos e leis para perseguir manifestantes

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Todos os direitos sociais no Brasil foram conquistados com pressão, diz advogada
Todos os direitos sociais no Brasil foram conquistados com pressão, diz advogada - Gill de Carvalho/SindUTE/MG

O direito de protestar deve ser preservado contra a violência do Estado. Essa foi a principal conclusão do debate ocorrido na Faculdade de Arquitetura da UFMG, na quarta (9). O Seminário “Direito Humano ao Protesto”, promovido pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania, contou com a presença do consultor do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Felipe González Hernández. À mesa, também compareceram movimentos populares, a Polícia Militar, governo de Minas, parlamentares, intelectuais e profissionais do direito. No evento, foi realizado o lançamento de relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) intitulado “Direito Humano ao Protesto - aspectos internacionais e nacionais”.

Segundo Felipe González, consultor da ONU, embora os protestos tenham um papel fundamental nas sociedades latino-americanas, os governos seguem perseguindo-os como se fossem privilégios. Agentes do Estado, como juízes e policiais, não podem restringir arbitrariamente o direito de se manifestar pacificamente. Os limites para protestos devem respeitar a lei e os direitos fundamentais de qualquer pessoa humana e se dão em condições definidas e tipificadas em tratados, convenções, protocolos e pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Essas normas têm força de lei.

Um exemplo usado no debate foi o conflito entre o direito de fazer uma passeata em uma via pública e o direito de ir e vir. “O uso do espaço público para manifestação é tão legítimo quanto a liberdade de circulação ou de trânsito. Esses direitos estão no mesmo nível. Então, quando há um conflito entre eles, deve-se considerar que a liberdade de manifestação forma parte da artéria principal dos direitos fundamentais”, ressaltou.

Outro exemplo foi a filmagem dos protestos, frequentemente cerceada ou manipulada por policiais. “Todas as pessoas têm o direito de fiscalizar uma manifestação. Quando um policial toma o celular dessa pessoa, pratica um atentado ao direito à livre reunião, expressão e manifestação. Por outro lado, a polícia só tem direito de filmar com suas câmeras quando o protesto tem um contexto generalizado de violência e unicamente para identificar elementos não pacíficos. Uma câmera policial nunca pode ser usada para intimidar e ameaçar”, declarou o consultor da ONU.

Ataques à Constituição

Segundo relato da advogada Camila Marques, integrante da organização Artigo 19, desde as manifestações de junho de 2013 e, com maior intensidade, a partir de 2016, ampliam-se no Brasil as leis e práticas para reprimir manifestações pacíficas. “Os protestos sociais entraram no topo da agenda do poder público. Agora, existe uma articulação institucional entre todas as esferas de poder e todos os níveis do Estado. Vimos uma enorme compra de armamento, balas e adoção de novas técnicas, como envelopamento e Caldeirão de Hamburgo”, apontou. Essas técnicas são proibidas em outros países. Camila também citou uma “chuva de projetos de lei” que visam criminalizar, endurecer penas e facilitar o monitoramento e perseguição a manifestantes.

Para Maria do Rosário Barbato, professora de direito da UFMG, há um estado de flagrante violação à lei maior do país. “Aqui, a Constituição não vale nada. Aqui, a lei e a Constituição se aplicam apenas na lógica da oportunidade”, denunciou a docente, que nasceu na Itália e, em maio de 2016, foi intimada pela Polícia Federal a depor sobre suas posições políticas, com base em uma lei sobre estrangeiros da época da ditadura militar.  Apenas em abril deste ano, o inquérito contra ela foi arquivado.

Já a advogada Adília Sozzi, do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), lembrou que os protestos ocorrem porque o Brasil é um país historicamente violento, desigual, dividido por interesses antagônicos e muito fechado à participação popular. “A Constituição de 88 faz 30 anos e, até hoje, só tivemos um referendo. A população brasileira não foi chamada a participar, não perguntaram se queríamos a entrega do pré-sal, a reforma trabalhista”, exemplificou.

Ele ressaltou que, em Minas Gerais, os movimentos têm mantido um histórico de protestos pacíficos, nos quais ninguém comparece armado. “A única manifestação que eu vi com pessoas armadas foi uma manifestação da própria Polícia Militar na Praça da Liberdade. E eu não me lembro de ter visto a dissolução dessa manifestação com uso proporcional ou desproporcional da força”, recordou a advogada. Ela concluiu o debate lembrando que todos os direitos sociais no Brasil foram conquistados pelas lutas sociais. “Dada a situação econômica do país, o contexto de crise e retirada de direitos, as manifestações só vão aumentar”, previu.  

Edição: Joana Tavares