Cultura

Sem apoio, teatro se afasta cada vez mais dos brasileiros

Situação engloba ingressos caros, fechamento de oficinas de teatro popular e desvalorização de toda a classe artística

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Imagem de integrantes do Grupo de Teatro União e Olho Vivo em cena teatral
Imagem de integrantes do Grupo de Teatro União e Olho Vivo em cena teatral - Divulgação Grupo de Teatro União e Olho Vivo

Por ano, apenas no Estado de São Paulo, são emitidos cerca de 400 registros profissionais para atores, atrizes e técnicos. A formação, que para atores leva em média dois anos e meio, não é o único obstáculo enfrentado. Por exemplo, a escassez de oferta de cursos e os preços das mensalidades muitas vezes são elevados.

Além disso, são poucos os atores que conseguem sobreviver apenas com a profissão. Vinnycius Lima, 26 anos, estudante da Escola Livre de Teatro contou sua história para e Rádio Brasil de Fato.

“Eu saí de Pernambuco com vontade de fazer teatro em São Paulo, onde é o lugar de fazer teatro, onde começou essa sensação teatral no Brasil. Deixar minhas origens e encarar essa realidade foi bem difícil.” 

“Além de estudar teatro, tenho que trabalhar em uma coisa que não condiz com aquilo que eu quero pra mim. O teatro é o meu trabalho, é o meu ofício, mas não é tão fácil você dizer: ‘hoje eu vou viver só de teatro’. Não tem isso ainda para gente, principalmente pra quem é de fora, que não tem uma família estável, que não tem uma casa própria e precisa sobreviver de aluguel.”

Segundo o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do Estado de SP (SATED), o piso salarial da categoria varia de acordo com o número de apresentações mensais. O sindicato sugere um salário de R$ 4.500, pensando em quatro apresentações semanais no período de um mês.

Vinnycius começou a estudar teatro em uma oficina de teatro popular, foi onde encontrou a oportunidade de poder fazer um curso abrangente e com preço acessível.

“Oficinas precisam ser faladas na sociedade, porque são lugares de maior livre acesso para as pessoas, com valores mais acessíveis e até oficinas gratuitas, e muitas estão fechando, porque não tem apoio por serem um espaço político, para trabalhar seu pensamento, como ser social em uma sociedade. Você não quer seguir um padrão de teatro elitizado, em que só a burguesia tem acesso, em que os ingressos são caríssimos e as vezes para pessoas que não tem nem dinheiro para pagar uma passagem.” 

Público escasso

O teatro é muito afastado da população brasileira. Segundo dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 23,4% dos municípios brasileiros possuem teatros ou salas de espetáculos. O dado é do ano de 2014. No mesmo ano, os pontos de acesso à cultura estimados pelo IBGE apenas atingiram a marca de 3.422 espaços.

Zélia Monteiro, bailarina e professora do curso de Comunicação das Artes do Corpo da PUC-SP, fala sobre as causas desse distanciamento.

“São vários motivos para que esse afastamento ocorra, um deles é a dificuldade de mobilidade. Os teatros em sua maioria estão no centro da cidade de São Paulo, a passagem para uma família vir para um espetáculo de teatro infantil, por exemplo, com quatro pessoas é caríssimo ida e volta de ônibus e metrô, além disso tem o valor do ingresso. Então mesmo com algumas iniciativas de preços populares ou até espetáculos gratuitos, existe uma dificuldade de locomoção.” 

Marli Bortolleto, representante do SATED, acredita que as causas desse afastamento estão relacionadas a questões culturais:

"O brasileiro, a brasileira, nós como povo não somos estimulados, não temos o hábito de assistir teatro, de irmos a museus, mesmo shows de música, a gente não tem uma oferta, um acesso fácil para arte no Brasil, em São Paulo supostamente você teria mais, mas é bem supostamente."

Os grupos de teatro populares sempre foram responsáveis por levar cultura de qualidade a preços acessíveis para os centros das cidades e para suas regiões mais afastadas.

O Grupo de Teatro Popular União e Olho Vivo foi um dos precursores da arte popular no Brasil. Foi fundado em 1972 dentro do Centro Acadêmico XI de Agosto dos alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco da USP. O grupo também foi responsável por denunciar em suas montagens os absurdos que ocorreram durante a ditadura militar no país. A Rádio Brasil de Fato conversou com César Vieira, um dos fundadores do grupo.

"Nós temos mais ou menos, dois mil, dois mil e quinhentos espetáculos feitos nos bairros populares,a preços simbólicos e esses espetáculos todos falando da história do Brasil, da história que é sonegada nas escolas. Infelizmente se você for ler livros de história do Brasil, livros de história em geral, vem com muita pouca informação sobre isso, quando houve cinquenta e tantos mortos, mais de trezentos ou quatrocentos desaparecidos, prisioneiros sem motivação nenhuma, uma ilegitimidade aberrativa que aconteceu, e o Olho Vivo foi importante, como eu já disse, porque ele iniciou esse movimento nos bairros populares da grande São Paulo, de um teatro popular, de um teatro falando uma linguagem nossa, uma linguagem do povo e sendo colocado com acessibilidade."

Atualmente, os grupos populares de teatro ainda resistem. O Grupo Harem de Teatro, natural de Teresina no estado do Piauí tem produções teatrais permanentes, mantém um espaço de experimentação na cidade, além de participar de um festival de teatro internacional que promove o intercâmbio de grupos de teatro de língua portuguesa. A Rádio Brasil de Fato entrou em contato com Francisco Pelé, um dos representantes do grupo.

"O grupo Harem surgiu em 1985 aqui em Teresina, da realização da semana Chico Pereira da Silva que foi um evento organizado para fazer uma Homenagem a um dramaturgo piauiense chamado Francisco Pereira da Silva e este evento chamou-se semana Chico Pereira. Então um grupo de jovens recém saídos dos grupos de teatro de escolas, de outros grupos de teatros amadores no Piauí e se juntaram em torno de uma produção chamada 'Os Dois Amores de Lampião Antes de Maria Bonita e Só Agora Revelados', o espetáculo foi dirigido por um jovem senador que estava chegando do Rio de Janeiro, chamado Arimatan Martins. Ensaiamos e estreiamos esse espetáculo e a partir daí nasceu o núcleo do grupo Harem teatro."

Ele também falou das dificuldades que os integrantes do grupo enfrentam para se manter e proporcionar seus espetáculos a preços populares.

"O grupo, como todo grupo de teatro no Brasil, principalmente no nordeste e principalmente os que estão bem mais na periferia, que é o caso do grupo Harém de teatro, situado em Teresina que é a capital do estado do Piauí que fica bem no sertão, apresenta um conjunto de dificuldades de fazer um teatro bem popular, por diversos motivos, o principal é a falta de política pública de apoio ao teatro, não só em Teresina, não só no Piauí, mas no Brasil inteiro."

"As produções não conseguem chegar às populações menos favorecidas, por causa das práticas nocivas empregadas pelo estado brasileiro que não defini uma política pública de cultura." 

 

Edição: Juca Guimarães