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REPÓRTER SUS | Como o uso dos agrotóxicos afeta a vida dos brasileiros?

Comissão Especial da Câmara debateu o projeto de lei que flexibiliza as regras de fiscalização e consumo do agrotóxico

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Brasileiros já são extremamente expostos aos agrotóxicos e a mudança na legislação será uma verdadeira calamidade para a Saúde Pública.
Brasileiros já são extremamente expostos aos agrotóxicos e a mudança na legislação será uma verdadeira calamidade para a Saúde Pública. - Reprodução
Comissão Especial da Câmara debateu o projeto de lei que flexibiliza as regras de fiscalização e consumo do agrotóxico

Nesta terça-feira (19), a Comissão Especial da Câmara debateu o projeto de lei (PL) 6299/2002 que flexibiliza as regras de fiscalização e consumo do agrotóxico no Brasil. A votação do PL foi suspensa por causa do início da “ordem do dia” da Câmara,  sessão em que a presidência da Casa chama os deputados para votarem projetos que tramitam em regime de urgência ou em regime de prioridade.

Para aprofundar a discussão sobre os “pacotes de veneno”, o Repórter SUS conversou com o professor e pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), André Burigo. Ele explica que os brasileiros já são extremamente expostos aos agrotóxicos e que essa mudança na legislação pode ser uma verdadeira calamidade para a Saúde Pública. 

PRIMEIRO DO RANKING

Há dez anos o nosso país é considerado oficialmente o maior mercado de agrotóxicos do planeta. Desde 2008, quando o Brasil atingiu esse topo de ranking, o consumo de agrotóxico do país cresce muito e as projeções são de crescimento ainda maior. Para se ter uma ideia, o mercado de agrotóxico no Brasil tem movimentado cerca de US$12 a 13 bilhões por ano, isso é o equivalente a cerca de R$50 bilhões. Ou seja, é muito dinheiro, muito poder econômico que influencia os votos dos parlamentares e senadores para mudar a legislação brasileira de agrotóxicos para muito pior.

EXPOSIÇÃO AO AGROTÓXICO

Os impactos dos agrotóxicos podem ser classificados em três grandes grupos de risco. Primeiro, as pessoas que estão expostas aos agrotóxicos no processo de trabalho, principalmente trabalhadores rurais, trabalhadores agrícolas, que estão manuseando os agrotóxicos; trabalhadores que atuam em empresas que estão dedetizando. 

Tem a exposição ambiental, quando você está em contato com um ambiente que sofreu a pulverização dos agrotóxicos e você tem, portanto, uma exposição ao ambiente. 

Para se ter uma ideia, os trabalhadores rurais, principalmente os pequenos agricultores, mas também quem é empregado de fazenda, muitas vezes utiliza os agrotóxicos no seu processo de trabalho sem proteção ou mesmo com a proteção não consegue garantir a não contaminação. E além do processo de trabalho, ele também está exposto ambientalmente porque mora justamente ao lado da plantação.

E tem a outra forma de exposição que é via alimentos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2001 tem um programa de análise de resíduo de agrotóxico nos alimentos. Esse programa tem mostrado nos últimos anos que em torno de 65% das amostras coletadas e analisadas de vários tipos de alimento estão contaminados por agrotóxico. Ou seja, todos os brasileiros que se alimentam todos os dias com frutas, legumes e verduras ou grãos estão expostos aos agrotóxicos. 

CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE

Isso ao longo do tempo vai produzir um conjunto de doenças. Podemos contextualizar que existem as doenças que aparecem logo após a exposição ao agrotóxico, e a gente chama isso de intoxicação aguda, que é quando uma pessoa é exposta ao agrotóxico e até 48h depois ela começa manifestar os sintomas. Nesse caso, a pessoa pode até morrer. Claro que isso depende muito da resistência do corpo. Uma criança responde diferente, à exposição ao agrotóxico, de um adulto. 

Existem também as doenças que são produzidas em médio e longo prazo. Chamamos de intoxicação crônica, que muitas vezes é quando a pessoa foi exposta várias vezes a um tipo de agrotóxico em uma dose baixa. Isso vai produzindo doenças ao longo do tempo. 

São muitas as doenças que podem aparecer. Como câncer, distúrbios endócrinos, que são distúrbios na produção de hormônios, na regulação metabólica dos nossos corpos; pode produzir depressão, inclusive impactos não só na pessoa. Por exemplo, mulheres gestantes que estavam expostas ao agrotóxico, os bebês podem ser gerados com má formação congênita, produzindo aborto. Temos  casos de mães que estão amamentando e que o resíduo de agrotóxico sai no leite materno e vai para o bebê, em sua primeira fase de vida. É um conjunto muito grande de doenças que podem vir em consequência da exposição ao agrotóxico. 

IMPACTO SOCIAL CAUSADO PELO AGROTÓXICO

Um outro tipo de impacto muito grande dos agrotóxicos são os sociais que tem a ver, por exemplo, com os custos de internação. Quando uma pessoa sofre uma intoxicação ela é internada no Sistema Único de Saúde (SUS) para tratamento, todo aquele custo com o tratamento é pago com imposto, com recurso público, recurso arrecadado pela sociedade. Mas o lucro da atividade agrícola que utilizou aquele agrotóxico se concentra só no fazendeiro, no proprietário de terra que utilizou aquele agrotóxico. 

LUCRO X SAÚDE

Estamos vendendo um sistema econômico, do ponto de vista agrícola, muito injusto. O projeto de lei (PL) que está para ser votado no Congresso fragiliza a legislação atual de agrotóxico. É uma grande tragédia se for aprovado, uma grande irresponsabilidade dos deputados se votarem a favor deste PL . Eles querem, por exemplo, mudar o termo agrotóxico para o termo de produto fitosanitário, ou seja, eles querem iludir a população, tentando ocultar a palavra tóxico.

Eles querem retirar o poder do Ministério da Saúde, do Ministério do Meio Ambiente, de poder avaliar e poder barrar a entrada no país de agrotóxicos que causam impactos no meio ambiente e na saúde. Querem dar superpoderes ao Ministério da Agricultura, querem que só a agricultura defina sobre a entrada de agrotóxicos. Isso é uma irresponsabilidade muito grande, absurda. A sociedade precisa estar atenta, precisa reagir. Precisamos dizer não aos agrotóxicos e sim à agroecologia, porque a gente tem um caminho de agricultura que promove saúde. É isso que a Fiocruz entende como um caminho que devemos seguir enquanto sociedade. 

*O quadro Repórter SUS é uma parceria entre a Radioagência Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz)

Edição: Brasil de Fato RJ