Entreguismo

Redução de custo com privatizações em SP representa só 1% do orçamento municipal

Relatório avalia que concessões "nem sempre desoneram o município" e critica acordos da prefeitura com empresas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Concessão do Complexo do Pacaembu é  uma das prioridades do plano de desestatização da capital paulista
Concessão do Complexo do Pacaembu é uma das prioridades do plano de desestatização da capital paulista - Rafael Neddermeyer/ Fotos Publicas

*Atualizado às 17h20 para incluir posicionamento da Prefeitura de São Paulo

 

A redução de custos da prefeitura de São Paulo com o Plano Municipal de Desestatização, legado do ex-prefeito João Doria (PSDB), representa apenas 1% do orçamento municipal.

O valor desonerado pelos seis principais projetos de privatização e concessão, somados com a remoção de pátios e estacionamento e a administração dos terminais de ônibus, chegaria a apenas R$ 541 milhões. A arrecadação da Prefeitura, em 2017, foi de R$ 51,8 bilhões.

O apontamento é da pesquisa “São Paulo S.A. – Retrato de um projeto privatizante de governo”, lançada nesta quinta-feira (21). 

A principal conclusão do estudo, elaborado pelo coletivo Vigência, é que privatizações ou parcerias com empresas nem sempre desoneram o município.

Um exemplo é o acordo da Prefeitura com empresas farmacêuticas para doação de medicamentos, que, segundo a Secretaria da Saúde, chegou a R$ 35 milhões em 2017. Segundo o estudo, em contrapartida, as empresas receberam isenção de impostos equivalente a R$ 66 milhões. 

Maria Brant, que integra o coletivo Vigência, afirma que o valor desonerado é pouco representativo. Por outro lado, as empresas têm muitos benefícios com as negociações com o poder público.

"O que fica claro é que essa política foi feita tendo em mente os interesses das empresas mais do que dos cidadãos, ela não desonera o município. E o processo foi pouco transparente e atropelou mecanismos legais", afirmou a pesquisadora.

Máquina de privatizar

Ao tomar posse e reestruturar a administração municipal, a gestão Doria criou uma “máquina de privatizar” com a estrutura pública: o tucano criou a Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias; a Secretaria Especial de Investimento Social, cujo objetivo é captar doações e investimentos privados; e elaborou o Plano Municipal de Desestatização.

Entre os principais equipamentos que a Prefeitura planeja privatizar estão o complexo do Anhembi e da SPTuris; 14 mercados e 17 sacolões; 14 parques e praças; o sistema de bilhetagem do transporte público; o complexo esportivo do Pacaembu; e 22 cemitérios e um crematório. 

A constatação do estudo, afirma Brant, foi a de que o Plano de Privatização de Doria não atendeu ao interesse público.

"Você passa bens públicos importantíssimos, do ponto de vista do uso mesmo. Por exemplo, os mercados, que são muito usados pelo cidadãos, passam para as mãos privadas sem especificações de que uso tem que ser feito. Então, o que vai acontecer? O mesmo que aconteceu no mercado de Pinheiros, uma gourmetização do lugar e a população local passa a não ter mais acesso", pontuou Brant. 

De acordo com uma pesquisa do Instituto Datafolha feita no ano passado, 53% dos paulistanos eram contra as iniciativas de privatização de parques e serviços funerários.

Para a vereadora Sâmia Bomfim (PSOL), o processo de privatização desmonta a promessa de campanha de Doria, de que os recursos das privatizações seriam revertidos para áreas sociais — saúde, educação e segurança. 

"Esses argumentos foram caindo por terra. Primeiro, porque o valor que esses bens foram colocados para concessão eram muito menor do que ele disse anteriormente; segundo, porque, de fato, não está tendo nenhuma reversão [de recursos] para a saúde e educação. Muito pelo contrário. Desde o início da gestão do PSDB, do ano passado até agora, a gente só teve retrocessos nas áreas sociais", declarou a vereadora.

Nenhum dos projetos de privatização chegaram a ser efetivados ainda. Nove projetos de lei foram enviados ao legislativo; sete aprovados pela Câmara dos Vereadores no ano passado. Três deles — do Pacaembu, concessão de parques e mercados e do Mercadão de Santo Amaro — já tiveram editais publicados.

Bomfim relaciona a rapidez com que os projetos tramitaram com os interesses eleitorais de Doria, hoje, candidato para o cargo de governador do estado de São Paulo. O tucano abandonou a Prefeitura após 15 meses à frente do cargo. "Foi uma urgência de aprovar antes que as eleições para o governo chegassem, em uma urgência absurda, e ele não cumpriu com absolutamente nada do que ele disse que seria o propósito desse projeto."

Doações a ‘custo zero’

O trabalho também analisou as doações ao município, cujo valor ultrapassou R$ 1 milhão, segundo o Portal da Transparência da cidade. O valor alcançou a marca de R$ 451 milhões entre janeiro e outubro de 2017.

Para a vereadora Juliana Cardoso (PT), as contribuições do setor privado foram pouco transparentes.  "Empresas nunca fazem doações para não ter absolutamente nada. Olha o que aconteceu, por exemplo, com as doações, no início do ano, para medicação. A prefeitura e o estado iriam tirar os impostos desses serviços privados e, ainda assim, os remédios que passassem do período de validade quem teria que queimar esse remédio era a Prefeitura. Ou seja, a Prefeitura ainda teria um custo para poder queimar a medicação."

Cardoso pondera que o atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), herdou o projeto privatista do gestor anterior.  "Eu vejo que ele está trilhando o mesmo caminho em uma cidade que fique mais insegura, mais injusta e uma cidade para poucas pessoas. Nem Bruno nem o Doria conseguiram enxergar o tamanho de São Paulo e a diversidade de pessoas que precisam do serviços públicos", declarou a vereadora.

A elaboração da pesquisa “São Paulo S.A. – Retrato de um projeto privatizante de governo” teve o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. Veja abaixo vídeo produzido pelo coletivo Vigência. 

Outro lado

A Prefeitura informa que a “Secretaria de Desestatização e Parcerias segue com o objetivo de reduzir o tamanho da participação da administração pública em determinados serviços ou ativos”, com o objetivo de “priorizar a destinação de recursos públicos para as áreas sociais”. 

Em nota, o órgão explica que durante o ano de 2017 encaminhou para a Câmara Municipal oito Projetos de Lei que visavam a concessão ou privatização de alguns ativos ou serviços  e que  esse processo foi  “marcado pelo amplo diálogo com a sociedade, por meio de audiências públicas”.

A Prefeitura afirma ainda que busca “viabilizar um impacto financeiro de no mínimo R$ 5 bilhões até 2020 para a cidade e isso inclui desonerações, receitas (alienações ou outorgas), investimentos e arrecadações tributárias”.

Sobre as doações de medicamento, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo questiona os valores citados no estudo. De acordo com a pasta, “a doação de medicamentos não refletem a realidade”.  Em nota, a pasta informa que recebeu até o momento “R$ 12,3 milhões em doação de medicamentos - e não R$ 35 milhões. Segundo que a isenção de impostos estaduais foi da ordem de R$ 1,8 milhão, conforme declaração da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo - e não de R$ 66 milhões”.

A Secretaria explica ainda que “o descarte de medicamentos recebidos em doação foi de 0,2%”, bem menor do que a média de descarte nas farmácias comerciais que “gira em torno de 2%”. Outro ponto, é que o processo de descarte e incineração “não implica em altos valores, uma vez que cada quilo custa ao erário R$ 20,00”. A Avaliação é de “um custo de cerca de R$ 60 mil, ou seja 0,5% do total do valor recebido em doação”.

Edição: Juca Guimarães