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ELEIÇÕES

“Minha candidatura é pelas mulheres que seguram o Rio nas costas", diz Marcia Tiburi

Pré-candidata do PT ao governo do Rio é a terceira e última entrevistada pelo Brasil de Fato

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Filósofa e escritora disputa pela primeira vez cargo eletivo na política
Filósofa e escritora disputa pela primeira vez cargo eletivo na política - Eduardo Miranda/Brasil de Fato

A terceira candidatura ao governo do estado do Rio de Janeiro que fecha a série de entrevistas sobre as eleições do Brasil de Fato é a da filósofa e escritora Marcia Tiburi (PT).

Filiada ao Partido dos Trabalhadores em 2018 com o objetivo de construir uma frente de esquerda, a feminista tem 48 anos, vem debatendo com frequência o cenário de avanço da extrema-direita e disputa pela primeira vez um cargo eletivo na política.

Brasil de Fato: Qual é o seu papel em uma eleição na qual você é a única candidata mulher?

Marcia Tiburi: Minha pré-candidatura é a colocação em cena de um questionamento sobre o estado atual da política no Brasil, sobre esse conservadorismo e esse autoritarismo típicos do mundo machista. E é um sinal de que as mulheres estão presentes e atentas. Me coloco nessa posição em nome das feministas e das feministas que não sabem que o são, essas que são as mulheres lutadoras, aguerridas, que seguram o Brasil e o Rio de Janeiro nas costas.
 
Em quatro meses de intervenção federal militar, o Rio de Janeiro teve alta de 36% no número de tiroteios e ainda o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol). Como você vê a intervenção e que propostas você tem para a segurança pública do estado?

É preciso falar de segurança no Rio de Janeiro de maneira mais aberta e menos capitalista, pensando na segurança mais como direito e menos como mercadoria, como algo que se cria de maneira orgânica na sociedade. Segurança não pode ser tratada como objeto, mas como movimento de qualidade das relações entre Estado e cidadão, grupos, cidadãos entre si e entre as instituições, cuja administração é responsabilidade do Estado. Isso posto, precisamos pensar na polícia, quem são os policiais, o que é a instituição policial, chamar os especialistas e órgãos, chamar os policiais, que são trabalhadores –  e é importante pensar no policial como trabalhador, porque estamos no Partido dos Trabalhadores e precisamos valorizar as mais diversas profissões no Brasil. Assim como a população é maltratada por esse Estado policialesco que mancha a própria ideia de polícia, também temos que salvaguardar os profissionais da segurança, proteger a ambos.

Sobre a intervenção, ela é lastimável e demonstra sua ineficácia pelos índices expostos. A letalidade se tornou óbvia, os tiroteios têm dizimado a população negra e moradora de áreas invadidas, porque isso não é intervenção, e sim invasão. O que esse governo federal – que é impotente – queria mostrar era um espetáculo de força, não era relacionado à produção de um espectro de segurança para a população. Se o governador atual quiser sair com dignidade do seu mandato desastroso e catastrófico, de descaso e maldade com o Rio de Janeiro, poderia acabar com a intervenção antes do próximo governante ocupar o seu lugar.

Vimos uma crise econômica agravada pelos governos Cabral e Pezão, com alto índice de desemprego no setor privado e atraso de salários no funcionalismo público. Você vê perspectiva de melhora?

Esse é mais um dos problemas desesperadores do estado do Rio. Falar da crise do Rio de Janeiro é falar da crise do Brasil. E essa crise do Brasil não é uma crise, mas um projeto plantado por uma perspectiva econômico-política que conjuga interesses de alguns poucos ricos e alguns poucos políticos com interesses internacionais em cima daquilo que vem sendo chamado de commodities, do pré-sal que também é uma commodity e da transformação de riquezas naturais em pura mercadoria. É necessário alinhar uma perspectiva estadual e federal. Não adianta eleger um presidente de direita e um governador de esquerda. É o que acontece na crise do Rio de Janeiro, plantada em uma esfera federal, com vários estados se dando mal. A população sente isso na falta de empregos. Quando você acaba com a Petrobras, em nome de uma delirante guerra contra a corrupção, você acaba também com o emprego das pessoas. Acabou, por exemplo, com o Comperj, que dependia da Petrobras. Se não pararmos para pensar que nesse processo quem está em cima da pirâmide vai se dar muito bem e quem está na base vai se dar muito mal, não vamos entender o processo. Por isso, as pessoas não podem sair dizendo por aí que querem um estado mínimo, porque ele só é mínimo para o povo, para o cidadão comum.

Saúde e educação, dois temas alijados pelo governo estadual, sofrem com falta de investimentos, tanto pelas mais de 200 escolas públicas fechadas quanto por investimentos abaixo do estabelecido pela Constituição em hospitais. Quais são as suas propostas nessas áreas tão sensíveis?

Há um legado da educação no Rio de Janeiro, que tem maravilhosas universidades, um Ensino Médio que serviu de modelo nacional e a fabulosa história dos Cieps, que inspiraram escolas em todo o Brasil. Então, essa potência na educação deve ser devolvida ao Rio de Janeiro. Na saúde, a qualidade dos médicos, agentes e pesquisadores, ao longo da história, precisa também ser recuperada como legado porque já temos muito saber nesses campos. Já se sabe, por exemplo, como fazer o SUS acontecer no Rio de Janeiro, como fazer um Ciep acontecer no estado. O Estado tem essa tarefa de fornecer serviço de muita qualidade para a população, porque o estado é como se fosse uma empresa do povo. Os donos do poder econômico falam do Estado contra as pessoas, mas falam do estado a favor deles, e ocupam as cadeiras em benefício próprio.

Como filósofa, você já vinha comentando com bastante frequência a ascensão de forças fascistas na extrema-direita. Como você vê a possibilidade de uma frente progressista ampla entre candidatos da esquerda?

Eu saí do Psol e me filiei ao PT no espírito de conseguir construir a unidade da esquerda.Vim para o PT por muitos motivos, subjetivos, objetivos, mas, sobretudo, para prestar solidariedade e gratidão a um partido de massa e para deixar claro que eu, como cidadã, quero construir com o povo. Essa é uma das questões para se levar a sério e os partidos não são livres de jogos de poder. A gente pode mostrar para as pessoas os jogos de poder nos quais elas estão envolvidas. Nesse processo de tornar claro os jogos de poder, podemos mudar a relação com esse jogo e com a política. Minha pré-candidatura se constrói com esse objetivo de que as pessoas percebam e abram os olhos para a política, porque senão a política como instância vai continuar jogando em cima das suas vidas.

Qual é o papel da comunicação popular no Brasil, quando se tem uma mídia hegemônica que fecha com o mercado e com setores conservadores?

Essa é a parte vibrante do processo, pensar que a solução é popular, tanto no contexto dos meios da comunicação quanto na economia, segurança, saúde e educação. Mais povo e menos poder. O povo pode construir o poder que lhe importa construir no processo democrático. A gente precisa aprender com as pessoas que vivem na precariedade, as mulheres, as pessoas negras, as que vivem em uma economia informal, as pessoas que não são donas do grande capital e das corporações, são essas as pessoas que precisam construir a sociedade, com menos oligarquias, oligopólios. Esse esforço não é só de governamentalidade, um governante não é alguém que simplesmente administra, mas administra com sentidos políticos, com movimentos na sociedade para mudar para melhor o quadro dos direitos que devem ser sustentados e garantidos pelo Estado.

Edição: Jaqueline Deister