Cultivo

Parecer jurídico contra sementes crioulas é mais uma faceta do golpe, afirma MPA

Indicações de advogado do Conab, se aplicadas, prejudicam a agricultura familiar

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Sementes crioulas são sementes tradicionais que foram mantidas e selecionadas por várias décadas através dos agricultores tradicionais
Sementes crioulas são sementes tradicionais que foram mantidas e selecionadas por várias décadas através dos agricultores tradicionais - Foto: La Vía Campesina

Desde a última terça-feira (24), movimentos ligados à Via Campesina denunciam em suas redes parecer jurídico assinado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão executor ligado ao Ministério da Agricultura e Pecuária, que recomenda a proibição de sementes crioulas no âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) Sementes.

Sementes crioulas são aquelas geradas naturalmente por meio da reprodução das plantas, em oposição às sementes vendidas por corporações transnacionais como a Monsanto, que são geneticamente manipuladas para que a lavoura resultante de seu plantio seja estéril -- assim, o produtor rural é obrigado a comprar novas sementes para a próxima safra.

Aos olhos do autor do parecer do Conab, para que as sementes crioulas possam ser incluída no PAA-Sementes, seria necessário que elas fossem cadastradas no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem).

Ao exigir o Renasem, o parecer impede a comercialização de sementes crioulas via mecanismos de compra institucional, o que poderia impedir agricultores de serem beneficiários do Programa de Aquisição de Alimentos.

Golpe atrás de golpe

Segundo Frei Sérgio Görgen, do Movimento dos Pequenos Agricultores, o parecer não tem fundamento jurídico e seria mais uma faceta do golpe sofrido pela democracia em 2016.

"Mais um golpe dentro do golpe, agora atingindo as sementes crioulas, os quilombolas, indígenas e os agricultores mais pobres, porque as sementes não eram usadas para produzir para o mercado, mas sim para a subsistência dessas famílias", afirma.

Desde de 2003, a Lei 10.711, conhecida como Lei das Sementes, regulamenta o setor e aponta os direitos e obrigações de todas as partes. Em nota, a Via Campesina aponta que "a Lei de Sementes dispensa este Registro para as Sementes/Cultivares de Variedades Crioulas". 

O procurador da Conab, o advogado Ricardo Augusto de Oliveira, compreendeu a relação entre agricultores familiares produtores de sementes e agricultores familiares beneficiados pelo PAA-Sementes como “comercializadora”, o que seria vetado pela Lei das Sementes. A afirmação foi feita com base no fato de a Conab emitir nota fiscal para os produtores, o que validaria uma relação comercial.

Para a Via Campesina, este é outro equívoco, pois o órgão é apenas "mediador e executor" do Programa, e a emissão de notas tem como objetivo cumprir "uma formalidade necessária aos procedimentos legais como transporte, remuneração da entidade fornecedora e quantificação, entre outros".

Alternativa

Milton Fornazieri, do setor de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entende que o parecer tenta minar o esforço de movimentos populares do campo para que as sementes crioulas se fortaleçam como alternativa na disputa com sementes transgênicas e híbridas.

"No momento que você restringe a venda, você está priorizando as sementes das grandes empresas. Praticamente todas as sementes crioulas são produzidas por associações e pequenas cooperativas ligadas à agricultura familiar e camponesa", pontua.

Em nota enviada à reportagem, a Conab afirmou que "não está extinta a possibilidade de utilização das sementes crioulas no Programa de Aquisição de Alimentos" e reafirma que está apenas vinculando-as à apresentação do Renasem. "A referida lei somente permite a dispensa para troca ou comercialização entre os próprios agricultores familiares".

Frei Sérgio, no entanto, teme que o parecer possa ter consequências graves no combate à fome. "Ele [o parecer] simplesmente vai aumentar a fome para milhares de famílias camponesas do Brasil", explica. 

Com o novo parecer, as sementes produzidas se transformarão em grão para consumo ao invés de garantir a subsistência no campo de quem tem que plantar o que comer.

Edição: Diego Sartorato