Coluna

Léry e o tupinambá

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Os tupinambás muito se admiram de os franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de buscar aqui o pau-brasil
Os tupinambás muito se admiram de os franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de buscar aqui o pau-brasil - Wikimedia Commons
Agora vejo que vocês franceses são todos uns doidos varridos

Jean Léry, pastor calvinista que veio ao Brasil na expedição que tentou criar aqui uma colônia francesa chamada França Antártica, em 1536, quando voltou à Europa escreveu um livro chamado Viagem à Terra do Brasil. 

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Um trecho desse livro narra um diálogo dele com um velho tupinambá. Muita gente conhece essa conversa, mas repito aqui porque acho muito interessante. Aí vai:

 “Os tupinambás muito se admiram de os franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de buscar aqui o pau-brasil. Uma vez, um velho me perguntou:

― Por que vocês, franceses e portugueses, vêm buscar lenha tão longe? Não tem madeira na terra de vocês?

Respondi que tínhamos muita, mas não daquela qualidade, e que buscávamos não para queimar, como ele supunha, mas para extrair tinta dela e tingir, como eles mesmos faziam com seus fios de algodão e suas plumas.

O velho retrucou imediatamente:

― E vocês precisam de muito?

― Sim ― respondi. ― No nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que vocês podem imaginar, e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. 

― Ah! ― retrucou o selvagem. ― Você me conta maravilhas...

E, depois de pensar no que eu disse, acrescentou:

― Mas esses homens tão ricos não morrem?

― Sim ― disse eu. ― Morrem como os outros.

Mas os selvagens são grandes conversadores e costumam ir até o fim em qualquer assunto. Por isso, me perguntou de novo:

― E quando morrem, para quem fica o que deixam?

― Para os seus filhos ― respondi. ― Se não tiver filhos, para os irmãos ou parentes mais próximos.

― Na verdade ― continuou o velho que, como vão ver, não era nenhum imbecil ―, agora vejo que vocês franceses são todos uns doidos varridos, pois atravessam o mar e sofrem grandes incômodos, como dizem quando chegam aqui, e trabalham tanto para amontoar riquezas para seus filhos ou para aqueles que sobrevivem a vocês! Não será a terra que lhes alimentou suficiente para alimentar a eles também? Nós temos pais, mães e filhos a quem amamos, mas estamos certos de que, depois da nossa morte, a terra que nos alimentou também alimentará a eles. Por isso, descansamos sem maiores cuidados.”

Edição: Júlia Rohden